“Em termos de fim, acho que é missão cumprida. Se bem, se mal, não sei, mas com muito empenho e muita dedicação, absoluta”, afirmou o encenador, cenógrafo e pintor, que, em março de 2009, assumiu o cargo depois de já colaborar há vários anos com aquela instituição.

Em 2019, o cargo será ocupado por Nuno Cardoso, anunciado como novo diretor artístico em 2 de outubro, encenador nascido em 1970, até aqui diretor artístico da Ao Cabo Teatro, e responsável por encenações de alguns dos maiores nomes da dramaturgia mundial, de Ésquilo a Molière, Henrik Ibsen, Federico García Lorca, William Shakespeare, Lars Norén ou Eugene O’Neill, entre muitos outros.

Entre a “mudança de vida radical, por exemplo em termos de cidade”, e o “conhecimento maior da cidade e do tecido teatral português”, para Nuno Carinhas fica a satisfação pelo “facto de ter posto a andar muitas coisas”.

“Tenho a consciência de que fiz andar muitas coisas, e pus a rodar muitos espetáculos e iniciativas ao longo da programação das temporadas. Dá-me algum prazer, pensando agora em retrospetiva”, acrescentou.

O encenador, que a 31 de dezembro abandona o cargo, recorda a “atividade muito intensa que o São João sempre teve”, mesmo quando esteve “aligeirado por questões orçamentais”, um momento em que, “em prejuízo da produção própria”, usaram o dinheiro para coproduções com estruturas da cidade e de outras partes do país.

“É mais um dos exemplos em como as coisas estavam a andar, a mexer, a não querer parar no tempo e no espaço, e a fazer sempre uma programação agitada e consequente, espero, e diversificada, sempre com parâmetros de exigência e expectativa em relação aos projetos que aí vinham”, apontou.

Sobre a expectativa, “que faz parte da arte do teatro, ficar à espera de ver alguma coisa a partir de uma ideia”, foi elevada em relação às “muitas, mesmo muitas apostas”, que permitiram “a muita gente experimentar, numa casa de excelência”.

“Em relação às produções da casa foi muito gratificante ver a receção do público. Olhando para a quantidade de pessoas com quem pude trabalhar, de atores, cenógrafos, desenhadores de som e luz, a minha passagem por aqui foi fantástica. Pude estar na melhor casa de criação e concretizar projetos”, referiu.

Olhando para espetáculos marcantes que programou, Carinhas destaca o cruzamento de autores que foi promovendo, como em “Casas Pardas”, a partir do livro de Maria Velho da Costa, com dramaturgia de Luísa Costa Gomes, ou “Exatamente Antunes”, trabalho de Jacinto Lucas Pires baseado no romance “Nome de Guerra”, de Almada Negreiros.

Outro dos destaques foi a encenação, em conjunto com Fernando Mora Ramos, de “O Fim das Possibilidades”, uma estreia mundial de uma peça do francês Jean-Pierre Sarrazac, um “privilégio” e também um exemplo da “mais valia dos textos originais, uma coisa muito extraordinária”, bem como do trabalho de edição “absolutamente indispensável” para chegar a um público que não tivesse podido assistir aos espetáculos originais.

O trabalho intergeracional “também foi muito interessante”, até porque o teatro combina “pulsões” e saltos de qualidade que acontecem com a troca geracional, em vez de “estrangular o exercício do teatro” numa só geração, antes abrindo-o a uma ideia de “pulsão do mundo”.

Entre as principais frustrações está o facto de o TNSJ não ter, ainda, um núcleo residente de atores, algo a que a casa “aspira sempre, e vai continuar a ser um desígnio chegar lá”.

“É um dos desígnios que não conseguimos cumprir. Os tempos não ajudaram a isso, mas é fundamental que o mais breve possível se possa fazer. (...) É absolutamente fundamental, porque com um núcleo residente estamos a convocar várias gerações, e a aprendizagem do teatro faz-se muito por esse cruzamento”, apontou.

A falta de um núcleo de atores dificultou a internacionalização e circulação de peças, comentou, como a sua encenação de “Os Últimos Dias da Humanidade”, de Karl Kraus, um ‘épico’ que junta três partes em várias horas de espetáculo, mas também a “manutenção de um reportório vivo” e a possibilidade de um elenco “florescer” a partir do contacto e diálogo permanente com o encenador.

Outros momentos marcantes para Carinhas, enquanto diretor artístico desde 2009, passam pela “coprodução com a Cornucópia, especial porque foi a única neste período”, a partir de Pier Paolo Pasolini, mas também a peça russa “Guerra”, trabalhos com Peter Brook, com a Companhia Pina Bausch, num “importante momento histórico de pós-Bausch”, ou “Júlia, João e Cristina”, dos búlgaros Teatro-Laboratório Sfumato, sendo que o teatro internacional, considerou Carinhas, foi outra das “lacunas” dos últimos anos da sua direção.

“Acho que todos os espetáculos mereceram a minha atenção e o meu agradecimento aos fazedores, sempre muito empenhados e obcecados com as suas construções”, atirou o encenador, que tem atualmente em cena “Otelo”, de Shakespeare.

Nascido em Lisboa, em 1954, o pintor, cenógrafo, figurinista e encenador chegou ao TNSJ em março de 2009, depois de ter estudado pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e ter trabalhado em produções do próprio teatro nacional, bem como de outras companhias.

No São João, encenou, ainda antes de chegar à direção artística, “O Grande Teatro do Mundo”, de Calderón de la Barca, em 1996, “O Tio Vânia”, de Tchékhov, em 2005, “Beiras”, três textos de Gil Vicente, em 2007, e, entre outros textos, “Tambores na Noite”, de Bertolt Brecht, no momento em que assumiu a direção artística.

Antes, colaborou com companhias como a Cão Solteiro, a ASSéDIO ou o Ensemble, assim como com instituições como o Teatro Nacional de São Carlos e o Teatro Nacional D. Maria II, o Chapitô ou a Fundação Calouste Gulbenkian.

Em 1976, foi um dos sócios fundadores de A Barraca.