A primeira temporada do novo Teatro do Bairro Alto (TBA), sob direção artística de Francisco Frazão, começa a 11 de outubro com um “fim de semana triplo”, com dois espetáculos de dança e uma conferência.
Segundo Francisco Frazão, em entrevista à agência Lusa, “a ideia foi não ter um grande espetáculo de abertura, mas ir tendo ao longo destes meses iniciais vários momentos que funcionam como uma espécie de declaração de intenções”, e “um desses momentos é o momento inicial”.
No “momento inicial”, marcado para 11, 12 e 13 de outubro, serão apresentados solos da coreógrafa brasileira Josefa Pereira (“Hidebehind”) e do coreógrafo italiano Alessandro Sciarroni (“CHROMA_don’t be frightened of turning the page”), que “têm em comum o facto de jogarem com a ideia de circularidade, do movimento circular, de maneiras diferentes”.
No momento de abertura, “que parece que marca um antes e um depois”, Francisco Frazão e a equipa acharam que seria interessante ter-se a noção “de que há ciclos e que as aberturas vêm depois de fechos”. “Ou que estamos num tempo que não é necessariamente linear, mas é um tempo de retornos e regressos”, disse.
A conferência (“Poetry and Chaos”) ficará a cargo do filósofo italiano Franco “Bifo” Berardi, “que liga uma espécie de pensamento sobre a linguagem com uma reflexão sobre os tempos atuais e sobre o capitalismo e uma certa falta de fôlego, uma espécie de sufoco que se vive atualmente e que põe em causa este ritmo da respiração”.
Entre os outros momentos que “funcionam como uma espécie de declaração de intenções”, está um espetáculo “que é quase um clássico do teatro experimental”, do coletivo britânico-alemão Gob Squad, que existe há 25 anos, conhecida pela prática de ‘live cinema’.
Trata-se de uma peça “que, na verdade, é um filme, que existe apenas naquela noite porque é filmado na hora anterior ao público entrar na sala, nas ruas da cidade”.
“Para nós é uma maneira de metaforicamente trazer a cidade para dentro do teatro, já que é um teatro municipal”, disse Francisco Frazão à Lusa.
A programação inclui também, entre outros, peças do inglês Tim Crouch e do argentino Federico Léon.
A de Federico Léon, que esteve no Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), que decorre anualmente no Porto, onde a companhia apresentou este ano “Yo Escribo.Vos Dibujás”, tem para Francisco Frazão o interesse acrescido de “usar a sala do teatro em toda a sua dimensão, sem bancada, com o público a circular pelo espaço”.
“É uma espécie de feira em que não se percebe bem, inicialmente, a ligação entre os vários elementos e depois progressivamente vai-se percebendo que as coisas estão todas ligadas, que é o que gostávamos que o nosso público sentisse sobre a nossa programação, que começasse a ver fios condutores entre o que vamos apresentando”, explicou.
Num teatro dedicado à experimentação, haverá “alguns modelos de apresentação menos habituais”, como haver mais do que um espetáculo na mesma noite, como é o caso da abertura, ou em dezembro, altura em que haverá “em sessão dupla duas peças portuguesas, uma do Alex Cassal e outra da Raquel Castro”.
Em 2020, a programação inclui “uma permanência grande da dupla de coreógrafos Sofia Dias e Vitor Roriz”, e também algumas coproduções, como Jonas e Lander com “Lento e Largo”, um solo de Teresa Coutinho ou um espetáculo da britânica Lucy McCormick, “uma artista bastante iconoclasta”.
Para dezembro, está marcada “a primeira apresentação em Lisboa da artista austríaca Florentina Holzinger, com uma espécie de revisitação feminista de um bailado neoclássico”.
A temporada inclui também colaborações com iniciativas como os festivais Alkantara, Temps d’Images e Cumplicidades.
Ao longo da temporada “há uma maior concentração” de espetáculos no edifício do teatro, “mas continua a haver alguma vontade de sair”, como aconteceu em junho com a iniciativa “(Quase) Teatro do Bairro Alto”.
Antes do começo de junho, houve um outro início ‘online’, “com episódios de ‘podcast’, que eram criações de peças sonoras, com vídeos e fotografias”.
A abertura oficial a 11 de outubro será também uma reabertura de um teatro que já existia e que durante 40 anos acolheu a companhia Teatro da Cornucópia.
Por isso, Francisco Frazão fala no TBA como “um projeto novo que ocupa um lugar com história”.
Dos tempos da Cornucópia “ficou a bancada e pouco mais”, mas “o próprio espaço tem essa história”, por exemplo, nas formas como a companhia o usou, “subvertendo as relações tradicionais entre palco e plateia”.
“Isso é uma coisa com que estamos a aprender e os artistas a quem vamos propor que criem coisas para aquele espaço também vão beneficiar. Essa relação direta com aquela arquitetura é uma coisa que quisemos preservar, de que não quisemos abdicar, mesmo com a renovação que está a acontecer e que estará pronta em breve”, referiu Francisco Frazão.
Para o diretor artístico do TBA, a companhia fundada por Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo no início da década de 1970 foi “um projeto fundamental, talvez o mais importante do último meio século em Portugal”, que foi “formador para gerações de pessoas”, incluído ele próprio.
E embora haja vários “tipos de exemplos da Cornucópia que servem e inspiram” os novos ‘inquilinos’ do Teatro do Bairro Alto, Francisco Frazão sublinha que não são “a continuação”.
“Não há nenhuma pretensão de acharmos que somos herdeiros do que quer que seja. É interessante que o espaço continue, e podermos pegar neles, mas é preciso ter noção de que aquele projeto acabou, e fazer esse luto”, disse.
Num teatro com uma equipa que vem “de muitos sítios”, embora maioritariamente do Teatro Maria Matos, que encerrou há um ano, Francisco Frazão considera que não tem “nenhum público garantido”.
“O que temos de conquistar nestes primeiros tempos é um público habitual. Não direi um público fiel, mas um público que se habitue a vir mais do que uma vez, ou que queria vir mais do que uma vez ao teatro, que arrisque e que aposte connosco nos espetáculos que propomos”, afirmou à Lusa, considerando haver espaço na cidade para o que a equipa do TBA quer fazer.
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