O «paraíso na terra» é Porto Santo
Fomos lá parar por acaso: Quem diria que foi graças a uma tempestade que os navegadores portugueses foram desviados no caminho em direção à costa de África, e andando à deriva pelo mar, avistaram uma pequena ilha a que chamaram de Porto Seguro, Porto Santo, dando o abraço tranquilo necessário à tripulação comandada por João Gonçalves Zarco, em 1418.
A melhor Praia de Dunas: E, ainda hoje, Porto Santo é um porto seguro do sossego, com uma praia de nove quilómetros de areias finas e luminosas, que devido à sua composição rica em microrganismos e fragmentos de algas e conchas, é comumente designada por «Ilha Dourada», eleita a «Melhor Praia de Dunas» no âmbito do concurso «7 Maravilhas – Praias de Portugal». Os benefícios terapêuticos das areias são conhecidos.
Para quem procura a lentidão dos dias: O destino de quem procura as férias perfeitas», refere Vítor Rodrigues, natural do Funchal, onde vive desde sempre e que escolhe todos os anos, Porto Santo como o seu destino de férias. «Não se espere encontrar grandes espaços de animação e restauração. Há, claro e continua a existir uma boa experiência gastronómica, mas Porto Santo é mais do que isso. Porto Santo é um segredo na terra e de quem pretende gozar a lentidão dos dias longe da azáfama da cidade.», segreda Vítor Rodrigues.
O que vem nos livros: Quem procura a proximidade do mar, o sentido da liberdade, pode usufruir do distanciamento necessário. Recorda «O Conto da Ilha Desconhecida» de José Saramago, «O sonho é um prestidigitador hábil, muda as proporções das coisas e as suas distâncias, separa as pessoas, e elas estão juntas, reúne-as, e quase não se veem uma à outra (...).». Porto Santo já oferecia esse espaço, de valorização do tempo das horas extraordinárias, mesmo antes do período de pandemia.
Madeira, horizonte luminoso e cristalino
Não há Madeira sem mar: A ilha da Madeira, que acolhe a capital da Região Autónoma, a cidade do Funchal, partilha o clima ameno à semelhança de Porto Santo, durante todo o ano. Esta característica ímpar permite que os desportos em contacto com a natureza surjam de uma forma quase umbilical. No caso de Vítor que vive todo o ano na ilha da Madeira, o paddle board é praticado, de janeiro a dezembro. O mar imponente acompanha qualquer visita e inunda os cinco sentidos com a sua frescura e magia. Frescura, através do imperdível passeio marítimo de lancha para observação de cetáceos como tartarugas, golfinhos e baleias bem como pela experiência de mergulhar nas águas cálidas e cristalinas que escondem reservas naturais e, não só.
“Bowbelle”, o navio que é recife: A 180 metros da costa e entre os 21 a 30 metros de profundidade em Madalena do Mar, tocamos na história de “Bowbelle”, o navio que afundou há alguns anos e que constitui hoje um recife artificial. A magia do mar absorve-nos na curva e contracurva pelas estradas regionais, onde «deixamo-nos andar» declara Vítor, um insular que se considera um «enorme privilegiado» por «todo este azul». É como se «O mar levava era os meus sonhos a passear.», lembrando Mia Couto no livro «Mar Me Quer». Acrescentamos, que o silêncio do horizonte através da experiência de paragliding é também uma promessa onde a rocha e o mar se unem para guardarmos uma sensação única de um abraço da natureza.
Esse abraço do poema de Alberto Caeiro:
«É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o Sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais
nada.»
O amanhecer acima das nuvens: E, o sol. A Madeira é a «terra do Sol, podemos acordar com a sua beleza surreal e dormir com a sua soberba», afirma Vítor com veemência. Custa acordar às cinco da manhã para nos pormos a caminho do Pico Ruivo, contudo vislumbrar o amanhecer acima das nuvens, traz a «imagem vivaz do gênio e do louco: um fita o presente, com todas as suas lágrimas e saudades, outro devassa o futuro com todas as suas auroras.», recorda Machado de Assis no livro «O Alienista». E, é também o pôr-do-sol que nos chama à Ponta do Sol e ao Pólo do Mar, onde a sedução do anoitecer pisca os olhos aos mais corajosos, sem cansar os que habitualmente acolhem o seu fascínio e a sua irreverência diariamente.
O caminho da floresta: Sol, que a maior parte das vezes, brinda as caminhadas únicas que podemos fazer pelas levadas, um dos ex-líbris da Madeira e que organizadas por guias locais, palmam os segredos dos trilhos de uma floresta Laurissilva, classificada pela UNESCO como Património Natural Mundial da Humanidade. Serra pela manhã e praia pela tarde e em que podemos viver paisagens que se engolem num fôlego e que se sucedem sofregamente, adornadas pelo encanto de cada estação do ano num único dia.
"As estações iam passando, e voltavam, e não era preciso sair do jardim para perceber isso": Tal como refere uma escritora da terra, Ana Teresa Pereira no romance «A Linguagem dos Pássaros» e que bem poderia ser alusivo a esta energia sazonal: «As estações iam passando, e voltavam, e não era preciso sair do jardim para perceber isso, tudo estava escrito ali, nas folhas, nas cores, na chuva e no sol.». A harmonia uniu-se e oferece uma multiplicidade de cores e de paisagens, onde em cada recanto revela-se a união da fauna e flora. Recantos que «à pata» (palavra que em madeirense, significa ir a pé) para os menos afoitos, encontram um jardim em todos os refúgios, cantos e recantos, quando calcorreamos o Funchal e as vilas, em que o banco de jardim, onde «deixarei os jardins a brilhar com seus olhos detidos: hei-de partir quando as flores chegarem à sua imagem.», já sorria a Herberto Helder. Banco que chama à contemplação e à pausa.
A poncha na hora, o bolo do caco quente e o sabor do mar: Pausa com o cheiro e sabor da gastronomia do arquipélago que espelha simplicidade e essência. Durante o dia, quando deambulamos pela estrada, qualquer paragem justifica a poncha, feita na hora, usando e abusando da variedade de frutas exóticas e tropicais acompanhada de um “dentinho” (que em madeirense significa petisco para acompanhar bebidas). A frescura do mar é oferecida pelos deliciosos Bifes de Atum, Filetes de Espada Preto e sem dúvida, as Lapas. Sem esquecer, a famosa Espetada de carne em espeto de pau-de-louro, acompanhada de Milho Frito e do típico Bolo-do-Caco. Vítor aconselha para uma degustação em pleno que: «as lapas têm sempre o sabor do mar, o bolo de caco tem de ser quente e o bolo de mel tem de ser autêntico e a poncha tem de ser feita na hora».
Não pôr os pés no Seixal é um erro: Para provar a melhor poncha só tem de descer ao Vale, na Tabua, no concelho de Ribeira Brava, onde a preparação da poncha é uma arte de família. A recomendação é de António de Freitas João, um homem que nunca viveu fora da Madeira e que conhece os cantos à casa, a pé e de ambulância. O bombeiro sapador conta-nos que aterrar na ilha sem pôr os pés no Seixal é cometer um erro: «O Seixal é uma espécie de paraíso em cascatas, sobretudo para os adeptos de canyoning. As piscinas naturais são imperdíveis». No ranking de António está ainda o Caniçal, por um motivo muito singular: foi nesta zona árida da ilha, que contrasta pela ausência de florestação, mais precisamente numa arriba de pedras avermelhadas e orvalhadas pelo mar azul, que António foi pedido em namoro. Carmina de Freitas João tencionava voltar a viver na terra onde nasceu, nos anos de reforma. Mas o “sim” que ouviu nesta vila de pescadores, onde o museu da baleia recorda o sustento para as famílias de outrora, trocou-lhe as voltas. «Hoje vivemos a minutos do trabalho, numa ilha pacífica e numa casa com esta vista imensa para o mar. E vamos comer marisco e tomar banho na piscina de água salgada do Caniçal», conta. Sempre abençoados pelo amor e sabor da Madeira.
Fábrica de Santo António fundada há mais de 127 anos: E, descobrimos a autenticidade dos sabores na Fábrica de Santo António fundada há mais de 127 anos, pela voz de Bruno Vieira, gerente, que reúne na Travessa do Forno, fábrica e loja - ponto de passagem obrigatório para quem visita a ilha e não só, porque quem compra no Reino Unido e no continente, delicia-se à distância com estes néctares. É difícil escolher se nos apetece os biscoitos de chocolate e café, ou os rebuçados de funcho e outros tantos sabores; ou se nos perdemos na doçura do mel com as tradicionais broas e o bolo que faz jus ao nome, ou se trauteamos um “an-do-li-tá” com o mosaico de compotas. Até para o Bruno é difícil a escolha…
Bolachas frescas todos os dias: Durante a fase de pandemia, foi feita uma aposta na melhoria da loja, respeitando a traça antiga, para deleite dos turistas e dos madeirenses, estes últimos que são «uma boa fatia da clientela», pois a loja brinda os mais gulosos com bolachas frescas confecionadas diariamente e que podem ser compradas avulso. Na traça da casa, ainda se podem admirar uma réplica das antigas latas que preservam a história e a qualidade dos produtos que dão cor e sabor à visita. E, Bruno refere que é necessário que haja um esforço superior para que as viagens fiquem mais acessíveis para todos, sobretudo turistas do próprio país, «que gostaria que degustassem as iguarias», por saber que é pela memória do sabor e do cheiro que as histórias se guardam.
Tolentino Mendonça, um filho de Machico, refere que «quando um amigo parte em viagem e me pergunta se desejo que traga alguma coisa, respondo sempre o mesmo: “Traz-me uma história.”
Nós trouxemos estas da Madeira. E, vamos continuar a dar a volta a Portugal em Português e a ler à portuguesa.
Ler à Portuguesa – Volta a Portugal em português | Sobre a Madeira
José Tolentino Mendonça: Filho da ilha da Madeira, José Tolentino Mendonça é poeta, sacerdote e professor e vive no Vaticano desde 2018, onde é responsável pela Biblioteca Apostólica e pelo Arquivo Secreto do Vaticano. Em 2019, foi elevado a Cardeal pelo Papa Francisco. Produziu uma vasta obra de ensaios e de poesia, que obteve os mais diversos prémios literários.
Helena Marques: Nasceu em Lisboa, mas cedo partiu para a Madeira. Escritora e jornalista portuguesa, tendo lhe sido atribuído em 1986, o Prémio Jornalista do Ano da revista Mulheres. Exerceu jornalismo durante 36 anos, iniciando a sua carreira no Diário de Notícias do Funchal e terminou-a no Diário de Notícias de Lisboa, onde foi diretora-adjunta de 1986 a 1992. O seu primeiro romance foi amplamente aplaudido pela crítica e distinguido com vários prémios.
Ana Teresa Pereira: Nasceu em 1958 no Funchal, onde vive. Publica regularmente desde 1989, quando viu o seu primeiro livro publicado, «Matar a Imagem», com o qual ganhou o Prémio Caminho Policial. Também tem obra na área de literatura infantil. Destaca-se pela prosa poética e pela singularidade e coerência da sua escrita.
Herberto Helder: Nasceu em 1930 no Funchal, publicou diversos trabalhos em vários periódicos e são conhecidas as reportagens que fez em África para a revista Notícias. É considerado uma figura ímpar na literatura portuguesa.
António Breda Carvalho: Nasceu na Mealhada, em 1960. É professor do ensino básico e estreou-se na literatura em 1990. Já publicou várias obras, incluindo estudos regionais, e foi distinguido com inúmeros prémios literários de conto e de romance. «O Fotógrafo da Madeira» foi a obra vencedora do Prémio Literário João Gaspar Simões 2010.
Raul Brandão: Raul Brandão nasceu na Foz do Douro, Porto, a 12 de março de 1867, e morreu em Lisboa a 5 de dezembro de 1930. Durante um período foi militar, mas foi ao jornalismo e à literatura que se dedicou. «Húmus» é a sua obra prima. Também a Raúl Brandão, se atribui um dos melhores livros de viagens de todos os tempos na literatura portuguesa, com o livro «Ilhas Extraordinárias».
Machado de Assis: Escritor brasileiro nasceu no Rio de Janeiro em 1839 e morreu em 1908. Era um autodidata, conhecendo-se vários géneros, desde poesia, crónicas, contos, romances e ensaios. É considerado uma figura única e um clássico da literatura, pela sua prosa realista e simbólica, pautada pela ironia e subtileza.
José Saramago: Nasceu em 1992, na aldeia de Azinhaga e morreu em 2010, em Lanzarote, onde vivia. Figura universal da literatura portuguesa, foi também editor, crítico literário e editor. A escrita ganhou forma e pela sua linguagem excecional e invulgar conquistou o mundo com mais de 40 títulos publicados. José Saramago recebeu o Prémio Camões em 1995 e o Prémio Nobel de Literatura em 1998.
Maria Aurora Carvalho Homem: Foi jornalista, colaborou em várias revistas e tendo passado pela RDP e pela RTP. É lhe reconhecido o seu papel na cultura, não só pelo seu cargo como Assessora cultural da Câmara Municipal do Funchal, como pelas obras publicadas na área da poesia, conto e literatura infantil.
Maria do Carmo Rodrigues: É uma filha do Funchal, nasceu a 16 de julho de 1924 e morreu a 5 de maio de 2014. Escritora madeirense de grande destaque, escreveu vários contos e peças de teatro infantis, tendo a sua obra marcado a literatura infantojuvenil e a área da educação, onde colaborou em vários projetos.
Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada
Ana Maria Magalhães nasceu em 14 de abril de 1946, no seio de uma enorme família onde as crianças ocupavam o primeiro lugar, onde os contadores de histórias tinham espaço e tempo. Não admira por isso, a sua vasta obra dedicada à literatura infantil.
Isabel Alçada nasceu em Lisboa a 29 de maio de 1950, tem uma vasta obra na área da literatura infantil, em conjunto com Ana Maria Magalhães. A sua casa da família era uma casa cheia e onde a figura do pai foi marcante como inventor de jogos, histórias e desafios.
Luísa Antunes Paolinelli: Doutorada em Letras, na área da Literatura Comparada, é docente da Universidade da Madeira. Publicou várias obras na área do romance histórico, da literatura infantojuvenil e é responsável pela tradução de algumas obras do poeta Herberto Hélder.
MIA Couto: Nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi jornalista e professor, e é, atualmente, biólogo e escritor. É autor de várias obras, que se encontram traduzidas em várias línguas e que receberam prémios e distinções e é lhe reconhecido mérito e valor pelo desenvolvimento da língua portuguesa.
Este é um artigo da autoria de Rita França Ferreira com Paula Santos do projeto Desculpas para Ler.
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