A produtora e filha de Agnès Varda está em Lisboa a convite da Festa do Cinema Francês, porque nesta edição é feita uma homenagem à cineasta, figura essencial da 'Nouvelle Vague' que morreu em março passado, aos 90 anos.
Entre os filmes programados, em parceria com a Cinemateca Portuguesa, está "Varda por Agnès", o derradeiro documentário, biográfico, que a realizadora estreou em fevereiro passado no festival de cinema de Berlim e que chega aos cinemas portugueses no próximo dia 10.
"Varda por Agnès" é um filme comentado por própria cineasta, como uma 'masterclasse' comovente e generosa, sobre alguns momentos essenciais do percurso nas artes visuais, da fotografia ao cinema, mas também na sua relação com as mudanças políticas e sociais do século XX.
Agnès Varda registou imagens da organização Black Panthers nos Estados Unidos, filmou a condição das mulheres, cruzou cinema e pintura, gravou a memória do bairro parisiense onde viveu e pisou muitas, muitas praias, território onde, aliás, o filme termina.
No documentário, explica ideias das longas e curtas-metragens, métodos de trabalho, processos criativos e uma forma de olhar assente em três palavras que a própria nomeia nos primeiros minutos: inspiração, criação e partilha.
Agnès Varda começou a trabalhar no filme em 2015, mas a produção esteve parada, porque embarcou no périplo com o artista visual francês JR, que resultou no filme "Olhares Lugares" (2017).
Rosalie Varda-Demy conta que insistiu com a mãe para terminar o documentário, apesar do cansaço, da idade e dos problemas de saúde. "A transmissão é importante, e ela tinha tanto talento em falar sobre o trabalho, sobre como tentou ter uma nova forma de filmar, de contar".
Agnès Varda morreu um mês depois de o filme ter estreado em Berlim, e a filha reconhece que é difícil olhar para ele sem se pensar numa despedida.
"Claro que é uma despedida, porque tinha 90 anos, tinha um cancro e percebeu que não faria mais nada depois disso. Mas não queria saber disso de estar cansada. Nunca se queixou. Dizia sempre 'vamos fazer coisas! Vamos viajar!' Foi muito inteligente. Nunca se sentiu nostálgica, talvez um pouco melancólica", recordou à Lusa.
O documentário transforma-se numa aula muito pessoal sobre cinema. "É uma forma de partilhar com o público sobre arte. A educação pela arte é muito importante na nossa sociedade, porque Internet mostra-nos muitas coisas desestruturadas, não percebemos o que vemos".
"Este filme pode dar pequenas ferramentas para entender o que é uma imagem, o que é que sentimos quando vemos, quais as emoções. Espero que ajude a ver os filmes dela", sublinhou.
Rosalie Varda-Demy e o irmão Mathieu Demy estão agora à frente da empresa Ciné-Tamaris para gerir o legado e os arquivos dos pais, os cineastas Agnès Varda e Jacques Demy. Têm andado em viagem a falar e a mostrar "Varda por Agnès", mas há outros projetos em mãos.
A produtora gostaria de ter em Portugal uma exposição de fotografias da mãe, em particular uma série feita numa viagem nos anos 1950 e que inclui a célebre fotografia de uma mulher vestida de preto, a caminhar descalça numa rua na Póvoa de Varzim, junto a uma parede com um cartaz rasgado de Sophia Loren.
Agnès Varda esteve várias vezes em Portugal, algumas das quais para mostrar e falar de cinema.
Em 2016 foi distinguida pela Universidade Lusófona do Porto com um doutoramento ‘honoris causa’ e foi-lhe dedicado um ciclo no Rivoli - Teatro Municipal.
Na altura, Agnès Varda recordou a vez em que visitou Portugal nesses anos 1950, enquanto fotógrafa, tendo atravessado a fronteira olhando para “uma paisagem desértica” que a fez sentir-se numa superfície lunar.
Dos arquivos de Varda há ainda material inédito à espera de ser revelado, contou Rosalie Varda-Demy, admitindo, porém, ser "muito cedo" para falar sobre isso, porque ainda é preciso organizar o arquivo.
"Temos algumas coisas e veremos o que faremos com isso. Para já andamos a viajar com este filme", disse.
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