Ladies and gentlemen, rock and roll. Não foi Elvis quem o disse, não foi Chuck Berry, muito menos David Bowie, Mick Jagger, Iggy Pop ou qualquer um dos Beatles. Foi John Lack, vice-presidente da Warner-Amex, que nos anos 70 supervisionou o programa PopClips – o qual, mais tarde, viria a dar origem a um canal revolucionário, icónico e imprescindível para todos aqueles que gostavam dessa coisa chamada “música” na década seguinte: a MTV. Disse-o Lack na primeira emissão de sempre do canal, sobre imagens da chegada do Homem à Lua, sendo que a analogia e o simbolismo eram evidentes: a MTV foi um pequeno passo para o Homem, mas um salto gigante para a música.
Não é como se não houvessem existido aquilo a que chamamos de videoclips – ou, aportuguesando, “telediscos” – antes da chegada da MTV às casas de milhões de pessoas. Há quem veja em “A Hard Day's Night”, dos Beatles, um precursor desse tipo de vídeos. Sem esquecer “Don't Look Back”, de Bob Dylan, que abre com a famosa sequência em que o cantautor norte-americano vai mostrando, em cartolinas, os versos de 'Subterranean Homesick Blues'. Ou os muitos “vídeos promocionais” (era assim que se chamavam à altura) feitos por artistas como os Rolling Stones, Bowie ou os Queen. Mas foi com a MTV que o vídeo passou, nos anos 80, a servir como objeto publicitário para uma panóplia de artistas. Estava ali uma forma de chegar facilmente às pessoas e de vender algo mais que a música; vender a imagem, a ideia, a arte na sua totalidade (como nos casos dos vídeos de Michael Jackson, que se assemelham mais a pequenos filmes).
De todos os vídeos alguma vez realizados, de todos os artistas alguma vez gravados, apenas uma banda poderá reclamar para si a glória de ter sido a primeira a passar na MTV: os Buggles, banda formada pelo baixista e vocalista Trevor Horn (que nos anos 80 se tornou num dos mais afamados produtores da história da música pop) e pelo teclista Geoffrey Downes (também dos Yes e do supergrupo Asia). E conseguiu-o com um tema que também guardava em si um enorme simbolismo: 'Video Killed the Radio Star', canção originalmente gravada por Bruce Woolley e os Camera Club. Era quase como uma declaração de guerra, como que indicando que o vídeo chegava e iria substituir todos os DJs e radialistas que, até então, agiam como reguladores dos gostos alheios e ponte principal para a marketização da música.
“Com a explosão da MTV e com todos os artistas pop a inventaram novas soluções para os filmes promocionais, o teledisco, de facto, parecia colocar um ponto final nas rádios, pelo menos nas rádios Top 40, que passavam precisamente os êxitos agora transformados em videoclips”, explica-nos Tiago Castro, uma das vozes da rádio Super Bock Super Rock. “Mas não me parece que tal alguma vez tenha acontecido. O tema dos Buggles glorifica, sim, esse novo meio que era a MTV, a nova ferramenta promocional. E é preciso dizer que todo e qualquer artista pop queria passar na MTV; logo também os empurrava a escrever canções ainda mais vendáveis e a criar filmes promocionais cada vez mais criativos. “Nesse sentido, o 'Video Killed The Radio Star' é apenas um golpe de génio pop”, afirma.
As melodias e as vozes, quase infantis, bem como a batida próxima da música de dança, escondiam uma temática mais filosófica: o impacto que as tecnologias vinham tendo na sociedade e na vida das pessoas, as mudanças que poderiam parecer benéficas à primeira vista mas que levavam à perda de muitas outras coisas. O primeiro verso indica uma nostalgia por tempos mais simples, onde a rádio era dos poucos meios existentes (se não o único) para a descoberta e a obtenção de informação: I heard ou on the wireless back in ’52...
Conceder não é perder
Desde que 'Video Killed the Radio Star' foi editada, até hoje, muitas outras mudanças tecnológicas se verificaram. Tornou-se quase um chavão dizer ou escrever que a rádio se tornou obsoleta, face à televisão – primeiro – e à internet – depois. Hoje em dia temos acesso ao YouTube (que, de certa forma, “matou” a MTV), ao Spotify, à Apple Music, a diversas outras formas de disseminação da música. No entanto, para Luís Oliveira, radialista na Antena 3 e editor musical da rádio pública, “as (repetidas) notícias sobre a morte da rádio são sempre exageradas”, diz-nos. Uma opinião partilhada por Mariana Alvim, animadora das manhãs da RFM: o vídeo não matou, “de maneira nenhuma”, a estrela da rádio. “Aliás, a rádio em Portugal até continua a crescer em termos de audiência. Sem falar no crescimento das restantes plataformas onde a rádio tem crescido, nomeadamente nas redes sociais; comparando os horários nobres, as manhãs da RFM, por exemplo, têm mais audiência do que as noites na televisão”.
Não se assiste ao “homicídio” das rádios nacionais, nem ao das rádios locais, como a RUM - Rádio Universitária do Minho, sediada em Braga. “Todo o misticismo envolto no começo do séc. XX foi completamente conspurcado pela TV e derivados, mas a verdade é que ainda existe rádio”, comenta Sara Pereira, radialista na RUM. “Temos conseguido, mesmo com o fantasma do Spotify atrás. É como o Papa Francisco: tens nas mãos algo que é super importante na história, que é uma cena antiga, mas estás a perder adeptos. Por isso, fazes uma ou outra concessão”.
Entre essas concessões está o livre uso da internet e das redes sociais para não só angariar ouvintes, como para aproximar o público de quem “manda” na rádio. “A rádio é o mais resiliente dos meios tradicionais”, afirma Luís Oliveira. “Em vez de se assustar com a internet, por exemplo, foi capaz de a usar para potenciar a sua difusão, e até incorporá-la nos seus conteúdos”. E, de facto, não é raro vermos, hoje em dia, emissões de programas de rádio a serem transmitidas, em direto, via Facebook...
Os locutores deixaram de ser uma figura semi-anónima, cujo rosto se obscurecia pela falta de imagem (ou de “vídeo”, para voltar à canção). E a internet, como dito anteriormente, em muito ajudou. “As rádios começaram a ter websites onde se podia conhecer as caras por trás dos microfones. E, nos últimos anos, com o aparecimento das redes sociais e a aposta no formato digital, há toda uma partilha a 360º que torna a rádio um meio mais abrangente, envolvente e mais acessível”, explica Mariana Alvim.
Rádio, amiga do ouvido
Em Portugal, há várias rádios que se dedicam por inteiro à música: a Super Bock Super Rock, a Radar, a Vodafone.FM ou a Oxigénio são apenas alguns exemplos. A sua existência provará, em última análise, que ainda existe espaço para a rádio e, melhor ainda, para a música na rádio. Ou seja: nem o vídeo, nem o streaming conseguiram acabar com ela. “O Spotify é altamente, mas são, de facto, algoritmos. E não há nada mais fixe do que encontrares um tipo espetacular que faça a pesquisa por ti, que te mostre coisas novas e que te entretenha”, argumenta Sara Pereira. Tiago Castro: “Em termos de divulgação de música, acho que houve uma enorme mudança. Se antes era o sítio onde se poderia ouvir uma banda ou música nova pela primeira vez (e atenção, ainda é), hoje faz essencialmente a filtragem de toda a enxurrada de música nova diária. E nas estações em que são as pessoas a tratar a música e não um algoritmo insensível, parece-me que essa filtragem cuidada e atenta é o que tem dado sucesso à rádio do presente”.
É essa ideia de “curadoria” que poderá continuar a alimentar este tipo de rádios: a ideia que existe, do outro lado, uma pessoa que mais que querer impingir-nos uma música, quer dar-nos a conhecer essa mesma música – a questão do “gosto” permanecerá do nosso lado. “A rádio continua a ser um meio sentido como próximo do ouvinte, uma companhia, um formato que traz uma proximidade como mais nenhum consegue”, diz Mariana Alvim.
E nem sequer se poderá falar do desuso do termo radio-friendly, utilizado para designar canções que, pela sua qualidade “orelhuda” ou por outros motivos, possam ser emitidas na rádio (como o foi, ironicamente, 'Video Killed the Radio Star'). “Às vezes, o ser radio-friendly é algo que não se consegue explicar”, afirma Tiago Castro. “A canção faz um click especial e de súbito percebemos que aquela música, se calhar até sem teledisco, pode ser um sucesso”. Para Luís Oliveira, “há um tipo de rádio que sempre viveu de canções e isso não mudará”, conta. “O que há hoje é formas diferentes de perceber o impacto e/ou o sucesso dessas canções. No fundo, de distinguir entre o que é radio-friendly e o que é radio-friendly de Peniche”, atira. Até porque, como diz Sara Pereira, “não posso, de repente, pôr as pessoas a cuspir o almoço com oito minutos de death punk metal hardcore”. Tudo somado, o vídeo não matou a estrela da rádio – mas a rádio continua a ajudar as estrelas do vídeo.
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