A 100 dias da comemoração dos 100 anos da Disney, a diretora dos Arquivos Walt Disney, Becky Cline, explicou como foi concebida a grande exposição itinerante comemorativa do centenário, para a qual decidiram “regressar às origens”.

“Não queríamos fazer uma história cronológica, achámos que seria um pouco aborrecido”, disse a arquivista-chefe em entrevista à agência Lusa, nos bastidores da empresa em Burbank. “Queríamos contar a história de uma forma diferente e regressar às origens, ao próprio Walt Disney, e focar-nos no que ele fez de especial”.

A Walt Disney Company comemora 100 anos a 16 de outubro e a 08 de julho começa a contagem decrescente dos 100 dias para o centenário.

A exposição de quase 1.400 metros quadrados inclui dez galerias e passa por várias cidades: começou em Filadélfia, viajou até Munique e vai chegar a Londres depois do verão.

Uma das preocupações era que os mais pequenos pudessem visitar a exposição sem ter de esperar até ao fim para verem os seus desenhos animados favoritos, que saíram nos últimos anos.

“Walt sempre disse que contar histórias é o centro de tudo o que fazemos. Ele é um dos melhores contadores de histórias de sempre”, disse Becky Cline.

É isso que se vai ver na exposição e que está evidente também nos Arquivos da Walt Disney, em Burbank, onde é possível encontrar autênticos tesouros da história da empresa.

Há, por exemplo, o primeiro bilhete de sempre para a abertura da Disneyland, em julho de 1955. Há também um exemplar da primeira edição da banda desenhada do Rato Mickey em Portugal um mês mais tarde, a 26 de agosto de 1955.

A revista tinha partes a cores e em preto e branco e custava 2,5 escudos - ou 25 tostões. O arquivista Ed Ovalle explicou que os custos de imprimir a cores eram elevados e ficavam a cargo dos distribuidores locais, pelo que isso poderá ter influenciado a decisão de imprimir partes em preto e branco.

Nos múltiplos armazéns dos Arquivos cabem todo o tipo de documentos, merchandising, publicações e raridades ligadas à Disney, muitas das quais são enviadas por fãs ou antigos empregados.

“Começámos os arquivos com materiais publicitários e documentos. Ao longo dos anos, fomos colecionando merchandising e amostras”, explicou Beck Cline. “Mas não arquivávamos muitos acessórios e fatos, eram coisas feitas para os filmes e que ficavam com a empresa que os faziam, que depois alugavam a outros”.

Isso só mudou em 2006, quando os Arquivos tomaram uma atitude proativa para escolher e guardar as peças mais representativas de todas as séries, filmes e produções com a chancela da Disney.

“De cada vez que uma produção termina, recebemos itens desse filme ou série de televisão. E as pessoas dão-nos coleções e documentos, que temos de analisar e decidir se é importante arquivar”, frisou Cline.

Todos os dias os Arquivos são chamados a auxiliar investigadores, autores e todo o tipo de pessoas interessadas na história da Disney.

“Somos constantemente contactados para fornecer informação e validar textos. As pessoas fazem muita pesquisa na Internet por estes dias e isso é algo que tentamos desencorajar”, salientou Becky Cline. “Passamos muito tempo a corrigir coisas que as pessoas leram e escreveram”.

No complexo da Disney em Burbank também está restaurado, segundo a disposição original, o escritório onde Walt Disney trabalhou entre 1940 e 1966, ano da sua morte.

Embora raramente seja acessível ao público, é possível visitá-lo nalgumas condições. Ali estão a secretária, o telefone de disco, as notas, as miniaturas, o piano e várias outras preciosidades do fundador da empresa.

“Ele tinha um escritório de trabalho e um escritório formal para receber dignitários”, disse a especialista de 'tour' Julia Dimayuga.

As instalações em Burbank existem desde 1939 e, segundo ela, foram revolucionárias para a indústria naquela altura. “Ao contrário dos outros estúdios, isto foi construído de forma a acelerar o processo de animação”, referiu. “Tínhamos a montagem de um lado e o cinema do outro lado da rua”.

“Não estou preocupado com a IA generativa”, diz lenda da animação da Disney

Com a aproximação do centenário da Walt Disney, que será comemorado a 16 de outubro, o veterano da animação Eric Goldberg disse à Lusa não estar preocupado com a Inteligência Artificial generativa, que não considera poder substituir os humanos.

“Não estou preocupado com a IA generativa. O que eu faço não é tentar duplicar o realismo”, afirmou o desenhador, responsável por personagens icónicos como o génio da lâmpada em “Aladim” (1992) e por realizar filmes como “Pocahontas” (1995).

Exemplos de IA generativa na área visual são aplicações como o Dall-E da OpenAI ou a Lensa da Prisma Labs, que geram imagens artificiais com base em descrições.

“Estou a tentar fazer o personagem credível e engraçado ao mesmo tempo. Uso todo o tipo de técnicas de animação, que são difíceis de fazer quando se tenta ser realista”, continuou o artista. “Não estou preocupado com a IA”.

Eric Goldberg é um dos animadores responsáveis pela restauração de 27 curtas de animação clássica da Disney, que serão lançadas a partir de sexta-feira, 07 de julho, na plataforma de 'streaming' Disney+.

O lançamento faz parte das comemorações do centenário da empresa, fundada a 16 de outubro de 1923 por Walt Disney. Nos cem anos desde então, Goldberg disse que o que mudou foi fundamentalmente o tipo de ferramentas usadas, mas não o intuito.

“A grande diferença é a ascensão da animação por computador”, referiu. “Embora haja uma mudança de técnica na produção, os objetivos continuam os mesmos: ainda estamos a tentar criar personagens que as pessoas apreciam”.

O animador disse que a empresa faz sessões frequentes sobre o que torna a animação da Disney única, uma forma de passar a cultura original de geração para geração.

“Há muitas formas de dar personalidade aos personagens e a principal é na forma como se movem, que nos mostra o que estão a pensar e a sentir”, referiu. “É essa vida, a personalidade que conseguimos imbuir nos personagens independentemente de que ferramentas usamos para chegar lá”.

Goldberg, que cresceu “a adorar” a Disney, falou do legado de Walt Disney e de como o seu espírito se mantém na animação produzida até hoje.

“Não olhamos por cima dos ombros a perguntar o que é que o Walt faria. Quando ele morreu, muitos artistas fizeram isso, mas chegámos a um ponto em que entendemos o espírito do que o Walt começou”, sublinhou Eric Goldberg.

“Não fazemos exatamente igual, mas fazemos com o mesmo espírito de criar personagens que são credíveis e com que as pessoas se identificam”, continuou. “Foi isso em que Walt se tornou pioneiro, mais que qualquer outra coisa”.

A 08 de julho, a Disney marca 100 dias de contagem decrescente para a comemoração dos 100 anos da empresa.

“Todos encontramos um pouco de nós próprios no Rato Mickey”

A 100 dias da comemoração dos 100 anos da Walt Disney, o ator Bret Iwan, o quarto a dar voz ao Rato Mickey em inglês, refletiu sobre a influência do personagem na história da empresa e no imaginário dos fãs.

“Todos encontramos um pouco de nós próprios no Rato Mickey e isso está ligado à nostalgia”, disse em entrevista à Lusa. “Somos atraídos pelas memórias felizes da infância, que associamos ao Mickey”.

A Walt Disney Company comemora 100 anos a 16 de outubro e a 08 de julho começa a contagem decrescente dos 100 dias para o centenário.

Bret Iwan, voz do Mickey em inglês desde 2009, considera que o personagem é um reflexo do próprio fundador Walt Disney e isso dá-lhe uma aura duradoura de magia.

“Walt veio do nada e conseguiu criar esta marca experiencial com que tanta gente se conecta e adora. O Mickey é um embaixador disso”, afirmou Iwan. “O seu apelo, sucesso e legado durante quase 95 anos é que, no fundo, é muito simples e humilde. É alguém simples que espelha uma pessoa comum”, continuou.

“Toda a gente consegue identificar-se com ele; é um reflexo do Walt mas também de todos nós, que gostamos dele”.

Fã do Mickey e da Disney desde sempre, Bret Iwan tinha um profundo conhecimento da animação da empresa antes de conquistar este lugar, nunca tendo trabalhado como ator de voz anteriormente.

“Era constantemente bombardeado com o canal Disney, os parques temáticos, as séries televisivas, e isso influenciou o meu conhecimento de quem é o Rato Mickey, as suas características, como isso se traduz na sua personalidade e como a voz suporta isso”, explicou.

Tal terá ajudado a que fosse selecionado para substituir o anterior ator de voz do Mickey, Wayne Allwine, que ficou doente e acabou por morrer em 2009. Iwan estava a viver em Kansas City, Missouri, e candidatou-se ao lugar num golpe do acaso.

“Gosto de dizer que este trabalho me encontrou. Se acreditam em destino da Disney, foi o destino e encontrou-me”, gracejou.

Iwan consegue atingir com facilidade o falsete clássico concebido por Walt Disney mas disse que a componente física do trabalho vai perdendo centralidade na interpretação.

“Ao longo do tempo, dissipou-se o pensamento na fisicalidade da voz e comecei a pensar só no personagem”, sublinhou. “Quando estou no estúdio, imagino um pequeno Mickey animado a saltar na minha cabeça, da mesma forma que eu o via quando era pequeno”.

O ator disse também que não tenta trazer nada de inovador à forma como encarna o Rato Mickey, porque considera que não é esse o seu papel.

“Ser a voz do Mickey é continuar o legado de um personagem. É um personagem que existia antes de mim. Não estou a dar-lhe origem”, assentou. “Sou a quarta pessoa a fazer a voz do Mickey e haverá outros depois de mim. Só quero continuar esse legado vivo”.

*Entrevistas por Ana Rita Guerra, da agência Lusa, em Los Angeles