Um retrato das gerações de lusodescendentes a viver no Brasil, que veem em Portugal uma oportunidade de fugir aos vários problemas que atingem o país que os viu nascer.

Foi em 1959 que o pai de Ernesto, determinado em conseguir uma vida melhor, decidiu rumar com toda a sua família de Esposende, no distrito de Braga, para o Rio de Janeiro, no Brasil, apesar de todas as dificuldades inicialmente encontradas.

Ernesto regressaria novamente a Portugal em 1981, e desde então visita as terras lusitanas com frequência, mas garante que o Portugal de hoje não tem comparação com o país que o viu partir há mais de meio século. Porém, frisa que não está ao alcance de qualquer pessoa viver em território nacional.

"Não há comparação. Portugal evoluiu muito, juntamente com o mundo. Portugal é o melhor país do mundo para se viver, mas apenas para quem tem condições para lá morar, naturalmente. Para se viver em Portugal é necessária uma situação financeira razoável. Arranjar um emprego lá, e trabalhar é complicado. É bom para viver sim, mas para quem pode", afirma à agência Lusa o português, que é presidente da Casa da Vila da Feira no Rio de Janeiro, uma organização que oferece atividades desportivas e culturais às comunidades portuguesas.

Para Ernesto Boaventura não foi apenas Portugal que se deixou moldar pelos tempos. Também o Brasil vive dias diferentes, momentos que considera de "transição", mas nem os problemas que afetam o país que o acolheu o levam a pensar num regresso definitivo a Portugal.

"Sem hipóteses. Eu, com 75 anos, não tenho condições de sair do Brasil. Por tudo, pela minha empresa, pela minha mãe que conta com 97 anos, pelas minhas irmãs. Para mim não há hipótese. Para visitar com certeza, mas para morar não. Tenho muitos anos de Brasil, já estou habituado às temperaturas do país, não posso regressar assim ao frio. É complicado, não vejo nenhuma possibilidade de viver em Portugal", garante.

Quem tem planos diferentes aos de Ernesto é a sua filha, Rose Boaventura, de 44 anos, que contou à Lusa pretender deixar o Brasil no próximo ano, rumo a Portugal. Quando questionada acerca dos motivos que a levaram a tomar tal decisão a resposta é imediata: "a insegurança que sentimos no Brasil".

"Considero ir para Portugal no próximo ano porque tenho uma filha pequena, com três anos, e sentimo-nos muito inseguros aqui. Temos uma educação pública que é ruim, o que nos leva a pagar uma educação privada, e o mesmo se passa com a saúde pública, que nos obrigada a recorrer aos privados. Mas em relação à segurança, não há solução. Sentimo-nos muito expostos. Já vivemos algumas situações diretas de violência, e temos essa necessidade de proporcionar uma melhor qualidade de vida para a nossa filha", relatou Rose.

A desvalorização do real face ao euro (atualmente um euro equivale a 4,40 reais) assustou Rose num primeiro momento, mas a lusodescendente acredita que não terá em Portugal as despesas que tem no Brasil com educação e saúde privadas.

Assumidamente eleitora de Jair Bolsonaro para a presidência brasileira, Rose, que trabalha como administradora do Real Gabinete Português de Leitura há 20 anos, garante ter plena confiança nos projetos do político, mas afirma que sozinho ele não conseguirá aprovar todas as suas propostas num "congresso contaminado" e, por isso, planeia já a sua ida para Portugal.

Tal como a lusodescendente, são cada vez mais os brasileiros, de todas as classes e perfis, que procuram uma melhor qualidade de vida em Portugal, mas Rose Boaventura considera que muitos vão "iludidos".

"Acho que muitos vão iludidos. Conheço pessoas que estão em Portugal e estão bem, mas também conheço pessoas que foram e regressaram sem conseguirem nada. Acho que por vezes falta preparação, uma formação adequada, e aí as pessoas acabam a sujeitar-se a determinadas coisas que depois já não servem mais", disse à Lusa, acrescentando que as informações vistas nos media brasileiros e nas redes sociais despertam a vontade de deixar o Brasil e voar para Portugal.