Os politólogos António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e André Azevedo Alves, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica foram ouvidos pela agência Lusa sobre o aumento da contestação social em muitos setores de atividade.

Para André Azevedo Alves, uma das explicações passa pelos "resultados bastante favoráveis do PS" nas sondagens aumentarem "a necessidade e o sentimento de urgência de fomentar alguma contestação social para os partidos mais à esquerda e em particular para o PCP".

"À medida que as eleições estão mais próximas, há quase uma necessidade de fazer uma espécie de prova de vida de relevância", sugere.

Já António Costa Pinto prevê que "o aumento da conflituosidade social em Portugal, atingindo aliás um pico relativo, é muito provável que continue em 2019", sendo um dos fatores aquele que o próprio Presidente da República já avançou, ou seja, "as expectativas criadas por uma conjuntura económica mais positiva".

"Por outro lado, e este é um facto relativamente novo, nós vimos inclusivamente uma posição de direita a apoiar algumas reivindicações, nomeadamente dos professores, sugerindo ao Governo o regresso à mesa das negociações, o que faz com que outros setores da função pública e do setor público em geral aumentem essa reivindicação", defende.

Para compreender este fenómeno, na opinião de André Azevedo Alves, é preciso olhar para a "própria arquitetura política da geringonça" e para a "posição específica de BE e mais ainda de PCP, estando, nesta fase, bloquistas e comunistas "numa situação muito mais desconfortável" do que socialistas.

"[BE e PCP] não criando crises políticas estão numa posição extremamente difícil que é de simultaneamente contestar um conjunto de aspetos na saúde, na educação, nos transportes, e ao mesmo tempo serem as forças políticas que viabilizam, por exemplo, o Orçamento do Estado", justifica.

Avizinhando-se um período eleitoral em 2019, com europeias e legislativas, "não é extraordinário o nível de contestação", segundo o politólogo, afirmando que "o que pode ter sido mais fora do normal foi de facto o quase total adormecimento sindical nos primeiros dois anos desta solução governativa", ideia partilhada também por António Costa Pinto.

No entanto, as respostas, na ótica de André Azevedo Alves, não estão só nos partidos à esquerda, mas também, em grande parte, no PSD.

"Neste momento, por estranho que pareça, com o estado em que está o PSD, a principal preocupação de António Costa acabam por ser os partidos à sua esquerda, o que é uma situação, essa sim, verdadeiramente extraordinária", observa, acrescentando que na reta final desta solução governativa não há uma crise interna do PS, mas, pelo contrário, "uma crise existencial do próprio PSD".

Por seu turno, António Costa Pinto destaca que "em grande parte o PCP, a intersindical e os sindicatos em geral vão, ao longo de 2019, reforçar a sua autonomia perante o Governo".

"A ironia é que, no caso português, o PS e a sociedade estão habituados a que o PS e os seus governos sofram muitas vezes grandes contestações sindicais e isso nunca perturbou muito eleitoralmente os resultados dos socialistas", contrapôs.

Para o especialista, "o que demarca mais Portugal de outras democracias" é que o movimento sindical organizado "num certo sentido tem um controlo político", o que faz com que, no geral, "enquadre as movimentações sociais".

Expectativas goradas e má distribuição da riqueza

Para Silva Peneda e Carvalho da Silva a persistência da contestação social ao longo de 2018 se deve à frustração das expectativas criadas nos trabalhadores e à deficiente distribuição da riqueza e alertam para um provável agravamento da situação.

"Existem vários fatores que contribuíram para a contestação social que tem ocorrido ao longo do ano, mas o principal motivo foram as expectativas muito elevada para a realidade, criadas pelo Governo, com um ministro das Finanças sempre muito otimista, que não se refletiram nos rendimentos", disse o antigo presidente do Conselho Económico e Social Silva Peneda.

Segundo Silva Peneda, Portugal tem tido uma conjuntura muito favorável e irrepetível, com taxas de juro baixíssimas e um grande crescimento do setor do Turismo.

"Mas, no futuro, vamos ter um novo período de contenção, pois a ideia de que vivemos uma fase fantástica da economia não corresponde à realidade ", disse, lembrando que Portugal foi dos países que menos cresceu na União Europeia.

"É que não houve reformas de fundo, mudanças estruturais", acrescentou.

Para o antigo ministro do Emprego, "as pessoas estão a bater o pé para fazer vingar as suas reivindicações porque lhes fizeram acreditar que era possível concretizá-las".

Silva Peneda considera que a contestação social e a turbulência também têm aumentado por influência externa.

Referiu, como exemplo, os protestos que têm ocorrido em França, dos chamados 'coletes amarelos', que "ultrapassam as organizações sindicais".

Silva Peneda considerou também que existe falta de estratégia de médio e longo prazo na UE.

"Isto é muito preocupante, tirando o ‘Brexit’, não vejo união, só desunião", disse.

O antigo político considera que em 2018 houve um excessivo otimismo, que criou nas pessoas elevadas expectativas que saíram goradas e, por isso, têm protestado e vão continuar a protestar, o que vai prejudicar a economia do país.

Silva Peneda prevê que no próximo ano o crescimento económico seja menor e, por isso, "os tempos serão piores em todos os aspetos".

Para o sociólogo Manuel Carvalho da Silva, a persistência da contestação social, num altura em que tanto se fala no crescimento económico do país, deve-se à deficiente distribuição da riqueza.

"Embora estruturalmente a economia portuguesa não tenha tido melhorias significativas nos últimos anos, porque não houve valor acrescentado nem criação de emprego de qualidade, alguns setores e empresas estão melhor e, por isso, devia haver uma melhor distribuição da riqueza", defendeu o ex-secretário geral da CGTP.

Segundo o antigo sindicalista, a luta dos trabalhadores portugueses tem sido persistente ao longo do ano porque eles veem que a economia no geral está melhor, mas isso não se reflete nos seus rendimentos, nem nos empregos que têm sido criados.

"Os trabalhadores são credores de um conjunto de reacertos e direitos que lhes foram retirados com o argumento do combate à crise, mas este ano não houve essa reposição, nem melhorou a capacidade negocial com os patrões", considerou.

Carvalho da Silva responsabilizou o Governo e as entidades patronais pela persistência da contestação social, "porque não têm respondido às reivindicações dos trabalhadores com a desculpa de não terem dinheiro, fazendo aumentar o descontentamento e, consequentemente, as greves".

"O movimento grevista nesta fase final do ano mostra isso", disse, dando como exemplo a greve dos estivadores do porto de Setúbal, que "teve origem na necessidade de combate à precariedade prolongada e foi acusada de estar a prejudicar a economia em milhões de euros quando foram as empresas as responsáveis pelo protesto, por insistirem ao longo dos anos no trabalho precário".

Referiu ainda a 'greve cirúrgica' que os enfermeiros têm em curso, depois de terem feito outras ao longo do ano, para criticar a atuação do Governo nos conflitos laborais.

"O Governo tem arrastado durante muito tempo os problemas e tem desvalorizado a negociação com os sindicatos, mas tem obrigação de o fazer e neste caso ainda mais porque tem de garantir a saúde aos portugueses", considerou.

O sociólogo alertou ainda para um previsível agravamento dos conflitos sociais caso as entidades patronais, públicas e privadas, continuem a ignorar as reivindicações dos trabalhadores e não melhorem a distribuição da riqueza.