“Os acontecimentos e as datas que unem devem ser comemorados, caso do 25 de Abril, e os acontecimentos e as datas que dividem não o devem ser, mas apenas recordados para com eles aprendermos. Sou adepto da comemoração do 25 de Abril e sou contra a comemoração do 25 de Novembro”, lê-se num texto divulgado por Vasco Lourenço sobre a data do movimento militar que ditou o princípio do fim da revolução, em 1975.

Numa resposta à Lusa, o coronel e presidente da Associação 25 de Abril (A25Abril) insiste que “as datas que dividem não devem ser comemoradas” e afirma duvidar que seja possível passar à prática outra das ideias do CDS — a distinção com a Ordem da Liberdade dos militares envolvidos nos acontecimentos de há 44 anos.

Vasco Lourenço faz a pergunta: “Além do facto de muitos capitães de Abril ainda não terem sido condecorados, apesar da sua ação relevante no 25 de Abril (conspiração e operação militar), pergunto: quem está em condições, isto é, tem competência para decidir sobre quem deve ser condecorado?”

As dúvidas prendem-se às divisões e às versões sobre os acontecimentos dos vários atores do 25 de Novembro, a começar pelas responsabilidades de cada um, havendo até uma polémica, que se arrasta há mais de 40 anos, sobre quem deu o primeiro passo, se a esquerda militar, Otelo Saraiva de Carvalho, com ou sem o apoio do PCP, ou se se tratou de uma tentativa de golpe.

“O 25 de Novembro continua a dividir os portugueses"

Para o capitão de Abril, e um dos atores nos acontecimentos de há 44 anos, “o 25 de Novembro continua a dividir os portugueses, mesmo os que, passados os tempos mais tumultuosos, esquecendo o que os divide, se voltaram a reunir, à volta do que os une, isto é, os genuínos valores de Abril”.

No texto distribuído pela associação, Vasco Lourenço dá a A25Abril como exemplo de fator de unidade, dado que tem associados “cerca de 90% dos militares de Abril, independentemente do grupo em que estiveram durante o PREC [Período Revolucionário em Curso]”.

O 25 de Novembro de 1975 ditou o fim do chamado “período revolucionário em curso”, conhecido pela sigla PREC, um movimento militar contra um possível golpe militar de extrema-esquerda, tese ainda hoje contestada pela chamada “esquerda militar”, que saiu derrotada.

Um dispositivo militar, com base no regimento de comandos da Amadora, sob a direção do então tenente-coronel Ramalho Eanes, futuro Presidente da República, travou a tentativa de sublevação de unidades militares conotadas com setores da extrema-esquerda. Há 44 anos, nesse dia, ao fim da tarde, foi decretado o estado de sítio em Lisboa.

“A Ordem da Liberdade, que não foi dada a muitos dos que tiveram um papel fulcral no 25 em Abril, querem dá-la agora a quem fez o 25 de Novembro?"

Também Mário Tomé, militar de Abril e ex-deputado da UDP, se mostra contra “o disparate” da distinção com a Ordem da Liberdade dos militares envolvidos no 25 de Novembro, o movimento que pôs fim ao processo revolucionário em 1975.

“A Ordem da Liberdade, que não foi dada a muitos dos que tiveram um papel fulcral no 25 em Abril, querem dá-la agora a quem fez o 25 de Novembro? É um disparate completo”, afirmou à Lusa, num comentário à proposta do CDS para que os envolvidos neste movimento, civis e militares, sejam agraciados com a distinção.

Mário Tomé é, igualmente, crítico de qualquer uma das propostas, do CDS, de direita, e do Chega, de extrema-direita, de propor uma sessão evocativa ou sessão solene para assinalar anualmente a data na Assembleia da República.

Para o militar, “quem anda a propor isso é porque não tem mais nada para propor” - o CDS “porque sofreu uma derrota nas eleições e o outro [Chega] quer mostrar que tem iniciativa política”.

Olhando para o passado, há 44 anos, Mário Tomé, que esteve do lado dos derrotados do 25 de Novembro, acha, aliás, que “não há nada a comemorar” pelo que a data representou.

Desde esses acontecimentos, “todas as grandes conquistas do 25 de abril foram todas paulatinamente, com mais ou menos luta, claro, sendo liquidadas” e o que existe hoje, acrescentou, é “uma memória, uma nostalgia” dessas “grandes conquistas” que vão “existindo talvez no papel” e “já não são a mesma coisa”. Uma delas é o Serviço Nacional de Saúde (SNS) que o Governo minoritário do PS, nos últimos anos, “deixou que se degradasse”.

Vasco Lourenço e Mário Tomé, protagonistas que viveram o 25 de Novembro em lados opostos

Vasco Lourenço e Mário Tomé são militares de Abril, estiveram, há 44 anos, em lados opostos no movimento militar do 25 de Novembro e continuam com olhares completamente opostos sobre o significado da data.

Mário Tomé, apoiante de Otelo Saraiva de Carvalho, estratego do 25 de Abril, deputado da UDP nos anos 1990, foi um dos comandantes da Polícia Militar que defendeu posições na sede do COPCON e esteve preso cinco meses, depois dos acontecimentos de 25 de Novembro.

Vasco Lourenço, um dos militares dos “moderados”, ou “grupo dos nove”, que saíram vencedores do movimento militar de há 44 anos, membro do Conselho da Revolução, é hoje presidente da Associação 25 de Abril.

Se as divergências de mais de quatro décadas quanto ao que aconteceu, se foi golpe da “esquerda militar” ou um contra-golpe dos moderados ainda se mantém, Vasco e Mário têm também visões diferentes sobre a forma como hoje é vista a data - ainda hoje divide ou não a sociedade portuguesa?

Vasco Lourenço acha que sim - que é uma "data que divide", e é isso que o leva a ser contra comemorações, como propõem CDS, de direita, e Chega, de extrema-direita.

Mário Tomé considera exatamente o contrário, que o movimento militar que marcou o princípio do fim do processo revolucionário, em 1975, não deve ser comemorado: “O 25 de Novembro já não diz nada ao povo.”

O antigo deputado da UDP e também fundador do Bloco de Esquerda considera, aliás, que “não há nada a comemorar no 25 de Novembro”. A data “foi a abertura do caminho para pôr o país debaixo da Alemanha, da França, da então CEE e para liquidar toda a nossa estrutura produtiva, a indústria pesada, os estaleiros navais”, disse à Lusa.