Um militar na presidência: uma exigência dos tempos?
Dois anos depois da revolução de 25 de Abril de 1974 e meses depois do 25 de Novembro, era "mais do que natural" que o primeiro Presidente da República fosse um militar, assinala a historiadora Maria Inácia Rezola, em declarações à agência Lusa.
As eleições presidenciais tinham sido debatidas no âmbito da revisão da Plataforma de Acordo Constitucional, desde a forma de eleição - ficaria por sufrágio universal e direto, embora tivesse sido inicialmente falada a eleição indireta - até à decisão de o cargo ter de ser ou não ocupado por um militar.
É que o 1.º Pacto Movimento das Forças Armadas/Partidos determinava que o Presidente da República fosse, por inerência de funções, presidente do Conselho da Revolução, composto por militares.
"Nós não temos nenhum documento, nenhuma evidência de que esse tenha sido o compromisso. Mas se nós virmos o que foram as negociações do pós-25 de novembro, o que foi o 2.º Pacto MFA-partidos, a transferência de poderes do Conselho da Revolução para o Presidente da República, essa é a chave da questão", defendeu Rezola, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
No 2.º Pacto, assinado a 26 de fevereiro, "houve uma redução substancial dos poderes políticos do Conselho da Revolução e muitos deles são transferidos para o Presidente da República. Tudo isto tem subjacente a ideia de que os vencedores do 25 de Novembro, os "Nove", negociaram com os vencedores políticos que o primeiro Presidente teria que ser um militar e um militar da sua confiança", sustentou.
Do lado do PS, Mário Soares, citado por Maria Inácia Rezola na biografia política de Melo Antunes, defendia que o cargo fosse preenchido por um militar, "dado que o país não estava ainda preparado - nem maduro - para ter um civil no topo da hierarquia do Estado".
Foi aliás Mário Soares que rompeu com uma "tradição" de décadas ao ser eleito Presidente da República em 1986, o primeiro civil a ocupar a chefia do Estado desde 1926.
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Nas presidenciais de 1976, a escolha no Conselho da Revolução recaiu sobre Ramalho Eanes, então Chefe do Estado-Maior do Exército, que logo recebeu o apoio do PSD, e em seguida do PS, CDS, MSD, PSDI, MRPP, da AOC e ainda organizações como a SEDES ou a CAP.
O ex-primeiro-ministro, almirante Pinheiro de Azevedo, que obteve 14,3% dos votos, e Otelo Saraiva de Carvalho, que estava em liberdade provisória depois de ter estado preso pelo seu envolvimento no 25 de Novembro, com 16,46%, foram os outros candidatos militares nas primeiras eleições presidenciais por sufrágio direto em democracia.
O PCP decidiu apresentar um civil, Octávio Pato, cuja votação, de 7,5%, o remeteu para o último lugar na corrida presidencial, que Ramalho Eanes ganhou com 61,59% dos votos.
Para a investigadora, as primeiras eleições presidenciais "significam o triunfo do modelo democrático".A Constituição da República tinha sido aprovada (a 02 de abril) mas era preciso instaurar os órgãos de soberania e havia ainda, frisou, que avançar para a "integração dos militares revolucionários, dos conselheiros da revolução no processo político".
"Ramalho Eanes assume a Presidência respondendo a uma Constituição civil", em que o "grosso da decisão política decorre do voto direto", da Assembleia da República e do Presidente, figura "que permite equilibrar a balança do sistema político". E uma das prioridades foi a recondução das Forças Armadas às suas missões tradicionais. A extinção do Conselho da Revolução, com a revisão constitucional de 1982, oficializou a saída dos militares do palco político. "Os militares foram fundamentais não só no derrube da ditadura como em todo o processo de democratização, que levou à Constituição de 1976 e à instauração do sistema parlamentar, democrático e ocidental", sublinhou.
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