O plano era simples, recorda à Lusa Carlos Antunes, fundador das Brigadas Revolucionárias (BR) e líder da operação em Fátima, e previa que os homens se infiltrassem nas instalações de som do santuário, disfarçados de engenheiros do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), cortassem o microfone ao cardeal húngaro que ia celebrar a missa e fosse emitida uma gravação com uma mensagem política.
“Fizemos uma mensagem sobre a paz, porque muita daquela gente ia a Fátima rezar para que os filhos viessem vivos e salvos das guerras coloniais”, segundo Carlos Antunes, que se refere àquele cardeal, József Mindszenty (controverso opositor do comunismo e que morreu no exílio em 1975 em Viena), como um “ultrarreacionário” e um dos chefes das extremas-direitas europeias, “com uma disposição política que não é habitual” em líderes católicos, ou pelo menos “fazem isso de uma forma mais disfarçada”.
A operação começou com a constituição de uma brigada de quatro ou cinco homens e o estudo prévio “muito cuidado” do local, com um técnico de som para adaptar a gravação ao sistema da basílica.
Depois, as BR usaram a criatividade para gerar um pretexto que justificasse a sua presença e assim nasceu a ideia de se fazerem passar por engenheiros do LNEC que iam avaliar as condições acústicas do recinto, porque tinham recebido uma encomenda nesse sentido do santuário da Aparecida, no Brasil.
A brigada escreveu então uma carta dirigida ao reitor do santuário, com a assinatura falsificada do diretor do LNEC, “exatamente como ele a teria feito”, e, no dia 13 de outubro estava em condições de entregá-la em mão, credenciando os homens das BR como quadros do laboratório e solicitando autorização para trabalhar no local.
O reitor, segundo Carlos Antunes, “ficou muito contente por prestar esse serviço ao LNEC e à Senhora da Aparecida e imediatamente chamou o padre responsável da cabina sonora” para acompanhar o grupo, como se pretendia.
“Tudo correu bem, mas, em vez de irmos para a cabina que já conhecíamos, levou-nos para outro sítio”, relata o antigo operacional das BR.
Afinal, prossegue, em dias de peregrinação, o sistema de sonoro ficava situado num torreão e cujo acesso era feito por uma escadaria sem saída conduzindo à cabina e a uma vista geral do recinto e da multidão.
A brigada passou o coro, que atravancava o acesso à escadaria, subiu-a até fim, mas poucos minutos depois entrou “um brutamontes, daqueles assim autênticos, que pesam 150 quilos e têm uma altura descomunal”, e que queria saber quem era aquela gente: “Percebemos imediatamente que era um tipo da PIDE.”
O padre que acompanhava a brigada explicou a história, o homem que os interpelou “olhou com um ar desconfiado e foi-se embora”, mas ficou claro para Antunes que a operação seria inviável a partir do momento em que a gravação soasse nos altifalantes do santuário e os homens infiltrados tivessem de sair pela mesma escadaria daquele torreão infestado pela PIDE.
“Era praticamente impossível fazer isto sem sermos atacados e teríamos de nos defender a tiro… porque iriamos ser com certeza atacados a tiro”, refere o líder da brigada e, nesse caso, a operação deixaria de fazer sentido, porque o efeito surpresa junto do inimigo estava comprometido e, se “um ato pacífico” fosse transformado “num ato de guerra”, acabaria por se virar contra quem o iniciou.
Decidiu interromper a ação de imediato, mas permaneciam duas adversidades: explicar ao padre que acompanhava os falsos engenheiros que, afinal, se iam todos embora – o que acabou por não ser difícil já que “brutamontes da PIDE” tinha dado o mote de que era precisa “máxima segurança -, mas também convencer todos os homens da brigada que a operação era para abortar.
No final, todos desmobilizaram sem tiros, nem baixas nem capturas. “Mas passámos por um ‘stress’ enorme, fizemos o que foi possível para realizar a ação, não a realizámos, e passámos por riscos terríveis”, assinala Carlos Antunes, descrevendo o caso de um homem das BR que abandonou na hora a organização: “Deve ter sofrido, como todos nós, um traumatismo forte”.
Por difundir ficou a mensagem, escrita por um padre ligado às BR, e dirigida às mães que rezavam no santuário pelos seus filhos na guerra colonial, e que, ao contrário do previsto, também nunca foi emitida a partir de Argel pela rádio Voz da Liberdade.
“Em síntese, dizia que os seus filhos estavam sujeitos a ser mortos e a matarem, mas aqueles que eles matam ou que os matam não são inimigos”, lembra o fundador das BR, e enfatizava que era preciso “acabar com aquele fratricídio, que não conduziria a nada, exceto à destruição do nosso país e dos outros povos”.
Mais de quatro décadas depois e em vésperas da visita do papa Francisco a Fátima, a 12 e 13 de maio para canonizar dois pastorinhos Francisco e Jacinta, Carlos Antunes, 78 anos, recorda ainda que, quando se especulava sobre o terceiro segredo supostamente revelado nas aparições marianas, nas BR evocava-se a ação no santuário, falhada mas sem sangue, como “o verdadeiro milagre de Fátima”.
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