Depois de alguma polémica, Moscovo terminou com o suspense e colocou um ponto final na especulação ao tornar pública a sua decisão de participar na edição deste ano do Festival da Eurovisão, que se realiza, em maio, na Ucrânia.
Este ano a participação da Rússia no festival era incerta e algumas individualidades de várias áreas da sociedade pediam o boicote à edição da anfitriã vizinha. No entanto, o anúncio da participação foi feito esta segunda-feira, 13 de março, pelo canal estatal da televisão russa.
Com a música “Flame is Burning”, Yulia Samoylova foi a escolhida para representar o país das t.A.T.u no festival onde Salvador Sobral, o músico português e vencedor do Festival da Canção, é um dos favoritos à vitória.
A cantora de 27 anos sofre da doença de Werdnig-Hoffmann, um tipo de atrofia muscular espinhal, que a obriga a movimentar-se em cadeira de rodas desde criança. Yulia começou a cantar num restaurante na sua terra natal, Uktha, no norte da Rússia, e nos últimos anos tem ganho alguma fama dentro de fronteiras - foi finalista da edição nacional do festival de talentos “X Factor”, em 2013, e cantou na abertura dos Jogos Paralímpicos de Sochi, em 2014.
Para o canal estatal russo, a escolha de Yulia Samoylova é a prova de que “nem a idade nem as limitações físicas são um obstáculo para quem tem objetivos”.
No entanto, há mesmo um obstáculo que pode impedir Yulia de atuar em Kiev e a controvérsia já engoliu a candidata. Após o anúncio russo, a comunicação social ucraniana rapidamente lembrou que cantora russa atuou na Crimeia em 2015. E Samoylova já o confirmou.
Escreve a ABC News que Yulia andou em digressão pela Crimeia após a ocupação russa. A lei ucraniana permite às autoridades proibir a entrada no país a todos os que tenham visitado a Crimeia sem atravessar a fronteira de facto. Isto é, sem passar pelo controlo fronteiriço e alfândega ucranianos. Poucos dos que visitam a Crimeia o fazem, a maioria chega à península de avião ou de barco.
À conversa com jornalistas, esta segunda-feira, o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, rejeitou quaisquer insinuações de que Moscovo estava a provocar Kiev ao enviar uma cantora à Eurovisão que, aparentemente, violou as leis ucranianas. Peskov disse que "praticamente toda a gente foi à Crimeia" e insistiu que a Ucrânia, enquanto país organizador, tem a obrigação de se reger pelas regras do concurso.
Peskov garantiu ainda que o Kremlin quer “evitar politizar a Eurovisão” e que não vê nada de “provocador” nesta polémica.
De acordo com o The Guardian, uma porta-voz do governo ucraniano disse também esta segunda-feira que a sua atuação significaria que os serviços secretos ucranianos seriam obrigados a decidir se permitirão a entrada de Samoylova no país, baseando-se "na lei ucraniana e nos interesses da segurança nacional".
Em novembro, a Ucrânia baniu 140 agentes culturais russos cujas "ações ou declarações vão contra os interesses de segurança do Estado". Também proibiu outras figuras, como o ator francês Gérard Depardieu, por este se ter mostrado favorável à anexação da Crimeia.
Aider Muzhdabayev, diretor executivo da ATR, estação de televisão dos Tártaros da Crimeia, disse que Samoylova violou as leis ucranianas ao entrar na Crimeia, e que a sua participação na Eurovisão era "uma ação cínica e imoral" por parte de Moscovo. "Estão a usar esta rapariga como uma bomba na guerra de propaganda contra a Ucrânia", afirmou.
A Eurovisão já foi, por várias vezes, utilizada como palco de ajustes de contas políticos e esta não é a primeira vez que 'em cartaz' está a anexação da Crimeia pela Rússia.
Recorde-se que em 2016 a Rússia protestou pela vitória da Ucrânia. Jamala, a cantora ucraniana, levou à competição “1944” um tema que cantava a opressão russa sobre os Tártaros da Crimeia por Joseph Estaline, amplamente interpretado como uma crítica à anexação da península. O país dos czares tentou, sem êxito, que a canção fosse excluída. O tema, acusado de ser político e não artístico, violava as regras no entender dos russos. Ao receber o prémio, Jamala, que sempre defendeu que a música era sobre a história dos seus avós, pediu “paz e amor”.
Yulia Samoylova demarca-se da atual polémica, “a minha missão é cantar bem a música, e preparar-me [para o Festival]”.
As meias-finais do Festival da Eurovisão acontecem nos dias 9 e 11 de maio. O grande vencedor será conhecido na final no dia 13 do mesmo mês.
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