O Porto é uma Nação. O cântico bradado aos quatro ventos por quem é ou se fez “tripeiro” parece estar a ganhar eco muito para além da travessia da Ponte D. Luís. A carregada pronúncia começa a ser traduzida em diversas línguas e a ser escutada de dentro para fora, chegando a todos os pontos do mundo.
Ricardo Valente, vereador da Câmara Municipal do Porto, e Gonçalo Hall, CEO da NomadX, plataforma direcionada a nómadas digitais e fundador da Digital Nomad Association Portugal, conversaram com o SAPO24 depois de o segundo ter apresentado na Web Summit a nova Invicta. O digital nomads Porto, em bom português, a cidade do Porto de e para os Nómadas Digitais.
A apresentação da “nova” cidade foi feita durante a cimeira tecnológica em Lisboa. Não é, contudo, um mundo novo para a segunda urbe de Portugal. “Os nómadas digitais surgiram em 1987. Em 2013, dados da Nomad List, tínhamos perto de 1400 nómadas digitais. Atingimos o pico aos 38 mil e iremos terminar o ano à volta dos 20 mil”, contabilizou Ricardo Valente. “Os números indicam cerca de duas, três mil chegadas por mês ao Porto”, acrescentou Gonçalo Hall.
“Mais importante que os números é o que queremos ser do ponto de vista daquilo que é o futuro da economia de trabalho”, assinalou o vereador da CM Porto, cujos pelouros dos três “E’s”, Economia, Emprego e Empreendedorismo cabem neste objetivo camarário. “Queremos ser uma cidade de economia. E para tal precisamos de estar ligados àquilo que são as novas tendências do mercado de trabalho”, disse.
“O talento vai estar no centro daquilo que é a economia no mundo. E, portanto, vamos deixar de ter organizações que conduzem o talento e vamos passar a ter talento que conduz as organizações”, explicou Ricardo Valente.
“Os nómadas digitais passam um bocado por isto e ajudam. São uma nova forma, um novo mercado de trabalho e desempenham atividades muito ligadas àquilo que é a nova economia”, explicitou.
Os Portonautas, os novos habitantes da Invicta
Ricardo Valente avança para exemplos que compõem o novo melting pot portuense. “Temos cinco pessoas de uma grande multinacional americana, vivem no Porto, comandam o centro de cybersecurity da empresa”, exemplificou. “Agora, se me perguntam, estas cinco pessoas têm um escritório no Porto? Não! A multinacional escolheu esta filosofia de trabalho: o teletrabalho”, elucidou.
“Andaram pela Europa, Munique, Milão, Barcelona e agora estão no Porto. Não me interessa quanto tempo vão ficar. Interessa-me é que eles estão. Hoje já têm filhos, cartão de identidade com born in Porto, Portugal. É incrível”, exclamou.
“Os nómadas mudam as cidades. E mudam as pessoas. No Porto, temos russos, uma comunidade de 120, ucranianos, uma empresa ucraniana de intelligence, empresa americana (Five9), startup australiana, uma comunidade iraniana ligada à tecnologia, israelitas e todos convivem”, assegurou, num mapa em que estão identificadas “120 nacionalidades diferentes”.
Os novos habitantes ajudam a resolver o problema de sangria de população que a cidade sofreu. “Podemos ter o que eu chamo de Portonautas que irão levar a marca do Porto por esse mundo fora”, disparou, explicando que estes nómadas digitais são um importante veículo de promoção da cidade.
O que é que o Porto tem?
Gonçalo Hall, o ideólogo da Nomad Village na Ponta do Sol e do projeto Digital Nomads Madeira, estabelecido em parceria com o governo Regional da Madeira, explica a estratégia para a edilidade nortenha que, muito facilmente, se pode replicar no país.
“Portugal tem a localização certa, tenho amigos de Nova Iorque que estão cá e qualquer assunto podem ir a casa em oito horas, temos a cultura, gastronomia, segurança, temos as pessoas e uma oportunidade única”, relembrou.
A aterragem desta comunidade pode assentar por duas vias. “Podemos trazer nómadas e eles ficam na sua bolha e são muito interessantes, mas relativamente inúteis. Ou podemos integrá-los e fazer uma coisa completamente mágica como aconteceu na Madeira e poucos destinos conseguiram fazer até hoje”, comparou.
A partir dessa base, no Porto “temos de criar eventos diários, integrar espaços de cowork, coliving e startups, criar um ecossistema inteiro em que os nómadas sintam que fazem parte do ecossistema quando chegam ao Porto”, rematou.
“O grande desafio dos nómadas, quando chegam ao destino, é como vamos integrá-los”, identificou. “Raramente é construída a ponte com a comunidade local”, lembrou. “Todos os nómadas querem ter impacto local, conhecer, aprender e apresentar-se às startups locais”, lembrou.
“Sem esta ponte, isto não acontece”, realçou. “Nós construímos essa ponte”, um tapete que leva a apresentar a cidade, a parte cultural, social e gastronómica a quem chega. E a cidade terá de estar preparada para os receber.
“No Porto, comemos o melhor prato do mundo: a francesinha”, sorriu. O histórico e picante petisco cuja receita poderá ter de se adaptar às novas línguas, que, segundo Gonçalo Hall, são 30% vegetarianos ou vegans, estimativa adiantada igualmente na apresentação que precedeu a entrevista ao SAPO24.
“Fazemos a parte da atração, criamos os eventos. Garantimos que as startups locais, as pessoas que já vivem cá, os próprios negócios locais, vão estar 100% integrados nisto. E é aqui que a magia acontece”, exaltou.
O Porto tem um bom cardápio para oferecer. Gonçalo Hall identificou os pontos fortes. “Tem a vantagem de ser um dos melhores destinos em Portugal para startups, tem uma câmara muito dinâmica que fez dos melhores trabalhos em Portugal em termos de atração de startups, de investimento direto estrangeiros e de talentos”, louvou.
“Perceberam muito cedo que, hoje, para criar investimento direto estrangeiro já não temos de criar empresas. É com talento”, esclareceu. “Ao trazermos nómadas digitais, estamos a trazer talento, mas mais importante, estamos a transformarmo-nos num destino atrativo para o talento”.
O talento que se muda para o Porto vai, segundo o presidente da Digital Nomad Association Portugal, trazer algo disruptivo. “O próximo grande tema é wellness, saúde e longevidade. Os nómadas já há dois anos que estão a investir e é a conversa mais comum”, notificou. “Daqui a dois anos, o Porto vai ter uma comunidade gigante de longevidade, vamos ter icebergs, porque aquilo que os nómadas estão a fazer agora vai ser a tendência do futuro”, antecipou.
A mudança da paisagem urbanística do Porto
Para atrair gente, é necessário ter oferta para hospedar esse talento itinerante. Seja três, seis ou mais meses. A habitação é um dos temas mais quentes a nível mundial e uma das maiores equações que junta o pensamento político e económico. No Porto, poder público e setor privado têm tentado responder a esse desafio que promete mudar a paisagem da cidade.
“Temos um espaço coliving, o Outside. Temos o Social Hub, o primeiro em Portugal, que vai abrir no Porto, no centro, em vez abrir em Lisboa, 200 ou 300 quartos, uma coisa irreal”, reconheceu Gonçalo Hall.
“O Porto é a cidade portuguesa e uma das cidades da Península Ibérica com mais camas para estudantes, 5500 mil. Queremos talento e temos de oferecer condições para termos estudantes internacionais”. Ricardo Valente introduz o mundo académico para justificar a política para atrair quem vem trabalhar e vai bater à porta destas “habitações dos tempos modernos”.
“A nossa política urbanística permitiu que empresas que exploram o coliving olhassem para o Porto e vissem que era uma cidade onde a facilidade era maior do que em Lisboa, que continuava na lógica tradicional urbanística”, confrontou.
Em números, “estamos a falar de dez projetos de coliving”, quantificou o responsável dos pelouros Economia, Emprego e Empreendedorismo. “O Porto deve ser, neste momento, a cidade de Portugal com mais camas e espaços de coliving”, perspetivou Gonçalo Hall, CEO da Nomax.
Porto, o melhor sítio para um nómada digital fazer coisas
No desenho de Ricardo Valente, “a cidade tem de ser tolerante, uma cidade aberta, com capacidade de aceitar a diferença. O Porto tem isso no seu ADN”, enalteceu. “As cidades são pontos de vibração, de socialização e construção de comunidades, logo têm de ser completamente abertas”, sinalizou.
“O Porto foi sempre um ponto de partida e chegada, o sítio onde os estrangeiros, em geral, se sentiram confortáveis. Não vou entrar em questões políticas, mas sempre foi onde os portugueses se sentiram confortáveis. E porquê? Porque o Porto sempre aceitou essa diferença e sempre foi a cidade com uma visão para fora do país”, gabou.
“O Porto quer ser uma cidade e para ser cidade tem de ter economia. Temos de trazer de volta a economia para a cidade, porque é a economia que regenera património e pessoas, que dá a hipótese que possamos construir sonhos dentro do nosso território”, especificou.
Sem bairrismo ou regionalismos, “o Porto não quer ser a capital dos nómadas digitais, não quer ser capital de coisa nenhuma, mas sim quer ser o melhor sítio para que o nómada digital tenha a capacidade de fazer alguma coisa. É isso que queremos e não queremos perder esta oportunidade”, garantiu Ricardo Valente.
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