A viver desde 2020 na capital portuguesa, Faisal Khan contou à agência Lusa que, no Bangladesh, se está a “perder tudo” nas áreas de cultivo. Deixou, por isso, as “chuvas intensas, cheias e tempestades de granizo”, que disse estarem a comprometer as principais formas de sustento da região: a agricultura e a pesca.
“Num hectare, se investir 300 euros, o retorno não chega a 200 euros. De março a abril, a principal época de colheita de trigo e de arroz, [o terreno] fica destruído por conta das cheias”, contou.
As alterações climáticas provocam a subida do nível da água do mar e a isso junta-se a topografia plana do país e a elevada densidade populacional - o Bangladesh é o sexto país mais populoso do mundo com 164 milhões de habitantes.
Num estudo de setembro de 2021, o Instituto da Paz norte-americano concluiu que cerca de 90 milhões de bengaleses, 56% da população do país, vivem em áreas altamente expostas às alterações climáticas.
Shireen Akhter, imigrante do Bangladesh em Portugal desde 2020, uma vez aceite num doutoramento em Geologia, na Universidade de Lisboa, contou como viveu estes problemas na capital: "Com a subida das águas do mar, a população costeira procura em Daca um trabalho, qualquer que seja. No fundo, pensam que ali vão conseguir sobreviver."
À Lusa, Shireen Akhter disse que não se sente uma migrante climática - nem esse estatuto existe formalmente - por não ter perdido diretamente a sua casa e a sua vida, mas reconheceu o “peso” que as alterações climáticas tiveram no seu percurso.
“Daca tornou-se numa cidade má para se viver. Perdi qualidade de vida - a poluição está cada vez pior, à medida que chegam mais pessoas. O ambiente está a mudar dia após dia”, acrescentou.
Também Rasel Ahammed, 32 anos, afirmou que o clima é o “principal problema” para sair do Bangladesh, dado que “todos os anos chegam pessoas vindas do sul”, junto ao Índico, que “ficam com as suas casas destruídas".
“Por consequência da subida do nível do mar ou pela ocorrência de ciclones, cada vez mais frequentes e mais fortes”, precisou.
Mas as questões das alterações climáticas não são tidas em conta quando se trata de regularizar a condição de imigrante.
No caso de Faisal Khan, à luz da lei portuguesa e internacional, é um imigrante económico e voluntário, que se regularizou em território nacional graças a um visto turístico que obteve dois anos depois de ter chegado à Geórgia, em 2017.
Em 2020, o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) recomendou a atribuição do estatuto de refugiado àqueles que se deslocam de contextos em que os direitos humanos são comprometidos por fenómenos extremos, como o direito à propriedade.
“É apenas isso, uma recomendação - é como a nossa mãe nos pedir para chegarmos cedo a casa, obedecemos se calhar”, comenta a investigadora de Direito da Universidade Nova de Lisboa Emellin de Oliveira.
O principal entrave a um eventual estatuto de refugiado climático é a Convenção de Genebra, de 1951, que define internacionalmente um refugiado como alguém que se sente perseguido no seu país “em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social”, como está na lei de asilo portuguesa.
“Nenhum dos preceitos da lei diz respeito às alterações climáticas. Quando a Convenção de Genebra foi estabelecida, esta questão não era tão urgente”, esclareceu Manuel Cartaxo, especialista em Direito Internacional.
Neste contexto, acrescentou, “o perseguidor não é um Estado”, daí a necessidade de mudar a convenção ou de criar uma nova.
A investigadora Emellin de Oliveira defendeu que é difícil alterar, hoje, a convenção - “com o avanço da extrema-direita no mundo, corria-se o risco de perder direitos” -, mas há países a criar proteções especiais, como o Brasil que concede vistos humanitários a haitianos que sofrem da atividade vulcânica e cheias.
A mais de 9.000 quilómetros de distância de Daca, capital do Bangladesh, Faisal Khan já não se depara com problemas de cheias, mas há outros e a habitação foi uma das principais dificuldades.
“A renda da minha casa é maior do que o meu salário, o que me obriga a partilhar quarto”, disse.
E foi na associação Portugal Multicultural Academy, no Martim Moniz (Lisboa), que está a mitigar as dificuldades: “Ajudam-nos em tudo, a candidatarmo-nos a um trabalho, no processo de legalização e a aprender português.”
Já Rasel Ahammed foi co-fundador e é secretário da Portugal Multicultural Academy nascida em 2018 e conjuga o trabalho como correspondente em Portugal do Daily Star, jornal do Bangladesh, com o apoio a imigrantes.
“Saí do Bangladesh para a Holanda, em 2015, para estudar Gestão Turística, mas vim para Portugal, no ano seguinte, por ser um país com uma política de imigração mais acessível. Mesmo assim, demorei um ano e meio a legalizar-me, o que só consegui uma vez inscrito no curso de Jornalismo, na Universidade Nova de Lisboa”, contou Rasel Ahammed.
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