Há poucos temas tão fraturantes como a TAP. A companhia aérea portuguesa, que já foi pública, privatizada e nacionalizada, gera em Portugal discussões tão acesas como a dos temas mais fraturantes do nosso tempo. Na Assembleia da República a troca de argumentos ganha vida de forma incisiva no confronto entre partidos de esquerda, de direita e o Partido Socialista.

Esta quinta-feira, no debate requerido pelo PSD sobre a privatização da TAP, no Parlamento, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, disse que a integração da TAP num grande grupo de aviação “pode ser mesmo a única maneira de assegurar a viabilidade de uma empresa estratégica para o país”.

“Foi sempre claro para nós [Governo] que, num mercado tão fortemente globalizado e competitivo, a TAP não conseguiria sobreviver, a médio prazo, sozinha. A integração da TAP num grupo criaria sinergias importantes e traria resiliência para enfrentar a volatilidade tão característica da aviação. Esta pode ser mesmo a única maneira de assegurar a viabilidade de uma empresa estratégica para o país”, afirmou.

O governante sublinhou que a abertura do capital da TAP “será decidida no tempo e no modo que melhor defenda o interesse nacional”, garantido que "não repetiremos a venda feita pela direita, finalizada à porta fechada, dois dias depois de saberem que o seu Governo ia cair, num negócio que ainda hoje não foi suficientemente bem explicado ao país”.

O ministro das Infraestruturas criticou a venda da TAP, no Governo liderado por Pedro Passos Coelho, por dez milhões de euros, mas o Estado assumiu a “responsabilidade por toda a dívida anterior à privatização, e também pela futura, caso o novo dono da empresa entrasse em incumprimento".

Pedro Nuno Santos acusou também o PSD de continuar a ser “incapaz de assumir uma posição clara” em relação à intervenção na TAP, sem dizer qual seria a sua solução para resolver a emergência que a TAP enfrentou durante a pandemia.

“A nacionalização da empresa em 2020 teria de ser feita mesmo que a TAP fosse, à altura, totalmente privada. A intervenção pública não foi feita para a empresa ficar do lado do Estado, ela foi feita para garantir que a empresa não fechava. O que estava em causa não era ter uma TAP pública ou uma TAP privada, o que estava em causa era a sobrevivência ou a falência da TAP”, reiterou o ministro das Infraestruturas.

Em resposta, da oposição vieram críticas à gestão socialista da companhia aérea. O deputado social-democrata Paulo Moniz acusou o Governo PS de ser responsável por ter revertido a privatização da TAP que, agora, pretende voltar a vender aos provados.

“Obrigou todos os portugueses a serem devedores da totalidade dos prejuízos, dinheiro que o país não tem e que fará falta nestes tempos de incertezas”, criticou.

“Os portugueses perdem três mil milhões de euros, aí já não vai ser suficiente o seu pedido de desculpas. Está convencido o senhor ministro que o comprador vai realizar mais-valias face aos 3,2 mil milhões de euros que os portugueses colocaram? Não, não vai ter, não tenha ilusões”, acusou Paulo Moniz, dirigindo-se ao ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.

O social-democrata criticou ainda o Governo por, agora, se “apressar a vender em 12 meses” a transportadora área nacional “sem nunca ter a humildade de assumir que errou em toda a linha”.

“Este é um debate pela decência da ação política, pelo rigor do Estado. Para gente decente, a culpa não morre solteira e quando se falha assume-se que se falha”, criticou.

Paulo Moniz recuou ao período do memorando da ‘troika’ para salientar que a privatização da TAP, concretizada pelo Governo PSD/CDS-PP liderado por Passos Coelho, já estava prevista no documento também assinado pelo anterior executivo socialista de José Sócrates.

“A privatização era uma emergência operacional agravada, não havia dinheiro para pagar combustível”, defendeu, lamentando que, mal tomou posse, o Governo liderado por António Costa em 2016 tenha levado a cabo “o PREC, programa de reversões ideológicas em curso”.

Já André Ventura, líder do Chega, deixou uma acusação: "o desastre da TAP ficará para sempre consigo e com o seu Governo".

À esquerda, PCP e BE defenderam uma TAP pública e manifestaram perplexidade com a opção do Governo.

A líder parlamentar comunista, Paula Santos, acusou o executivo de se render “à submissão da União Europeia às multinacionais”, defendendo que existem na Europa e no mundo companhias de aviação civil que não são privadas.

“Já vimos este filme com outras empresas fundamentais para o nosso país e o que causou de prejuízo para o nosso país”, alertou, questionando o Governo se a sua estratégia sempre foi “salvar a TAP para depois a privatizar”.

Pelo BE, a deputada Mariana Mortágua manifestou idênticas preocupações.

“O ministro diz-nos: a TAP é estratégica, o PS entende que para defender a TAP ela tem de ser pública, mas a União Europeia não deixa, então para salvar a TAP o Governo vai privatizá-la. É este o resumo do argumento que o senhor ministro aqui traz hoje”, lamentou, dizendo que o executivo não pode “ficar a meio da ponte”.

Pelo contrário, a Iniciativa Liberal defendeu que a TAP “não deveria ter sido nacionalizada e deve ser privada, como acontece na maioria dos países da Europa”, com o deputado Bernardo Blanco a desafiar o Governo a aceitar uma auditoria ao processo de nacionalização da companhia aérea.

“Esta é a brincadeira mais cara do Governo socialista e é preciso apurar responsabilidades”, defendeu.

Também o deputado único do Livre, Rui Tavares, lamentou que o Governo não tenha esclarecido no debate o modelo de privatização pretendido – “total ou parcial, já ou mais tarde” -, alertando que quem quer “privatizar depressa, privatiza ao desbarato e perde dinheiro”.

No final, ficou tudo mais TAPado que esclarecido. A maioria dos partidos sustentou o argumento de Pedro Nuno Santos, que os acusou de falta de alternativas realistas para salvar a companhia em 2020, ao mesmo tempo que o PS continuou na corda bamba do tema, sustentado num corrimão caído do céu de que este é um objetivo antigo.

“Nós não intervencionámos a TAP para que ela ficasse 100% pública, nunca dissemos isso, nunca foi essa a nossa posição. […] Nós intervencionámos a TAP para que ela não falisse”, disse o ministro.