Às 16:05 do último sábado, 19 de março, um sismo assinalava o início de uma crise sismovulcânica em São Jorge. Desde então, o Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA) já registou milhares de sismos de baixa magnitude, sendo que mais de 170 foram sentidos pela população.

De acordo com o CIVISA, entre as 22:00 locais (23:00 em Lisboa) de quinta-feira e as 10:00 desta sexta-feira, teriam sido sentidos cinco sismos pela população da ilha de São Jorge e a atividade sísmica continuava “acima do normal”.

Os cinco sismos sentidos pela população – na vila das Velas e nas freguesias de Urzelina, Rosais, Santo Amaro e Norte Grande, na ilha de São Jorge – apresentaram magnitudes entre os 2,1 e os 2,8 na escala de Richter e uma intensidade máxima entre III e IV na escala de Mercalli modificada.

Segundo o CIVISA, a atividade sísmica na parte central da ilha de São Jorge, que se regista “ao longo de uma faixa com direção WNW-ESE [oés–noroeste/lés–sudeste], num setor compreendido entre Velas e Fajã do Ouvidor, continua acima do normal”.

  • O que está a acontecer em São Jorge?

A crise sísmica teve origem no sistema vulcânico fissural das Manadas, em São Jorge, que coincide com os principais cones vulcânicos da ilha, e que se encontra ainda ativo e tem agora registado uma libertação de energia incomum nos últimos anos.

Uma vez que a crise sísmica se localiza sobre um sistema vulcânico ativo deve ser denominada crise sismovulcânica. No que diz respeito à evolução da situação, devem assim ser considerados vários cenários em termos de atuação da Proteção Civil, nomeadamente: a possibilidade de ocorrência de um sismo de maior magnitude ou, devido ao facto de esta sismicidade ocorrer num sistema vulcânico ativo, a possibilidade ocorrer uma erupção vulcânica.

Perante uma atividade sísmica "muito acima" dos valores de referência, o CIVISA não excluía a possibilidade de um evento de maior magnitude ou possível erupção.

“Temos de colocar todos os cenários possíveis em cima da mesa, não descartando qualquer um, ao nível de proteção civil de planeamento de emergência, de gestão de riscos”, explicou, no início desta semana, o presidente do CIVISA, Rui Marques, reiterando que se trata de “um sistema vulcânico ativo” que “teve uma erupção em 1580 e outra em 1808”.

Ao SAPO24, Miguel Miranda, professor Catedrático de Geofísica e presidente do IPMA desde 2013, explicou que, “do ponto de vista geofísico, o que se está a passar é, de certa forma, expectável”.

“Os Açores são uma zona de extensão/extensional, ou seja, é uma zona que acomoda a separação entre a placa euroasiática e a placa africana. Ao criar-se esses espaços, existem dois fenómenos que se vão juntar: um que tem a ver com a tectónica, com os movimentos das tais falhas tectónicas; e depois existe vulcanismo, porque, havendo uma variação da pressão, o material que está sob as ilhas tende, ao diminuir a pressão, a transformar-se naquilo que se chama lava”, explicou.

Miguel Miranda detalha ainda que estas falhas, criando espaços, permitem que o sistema magmático se desenvolva: “Havendo este movimento de abertura, depois temos uma crise sísmica porque as áreas mais frias da litosfera vão libertar energia elástica e podemos ter uma crise vulcânica no caso de haver um movimento significativo de lava. E a crise vulcânica pode chegar à superfície”. Mas alerta que tal também pode não ocorrer.

Apesar de, desde sábado, o CIVISA já ter registado milhares de sismos, estes têm sido de baixa magnitude – o maior, até ao momento, ocorreu nesse mesmo dia, às 18:41, registando 3,3 na escala de Richter.

“Não só a magnitude dos sismos não é muito alta, como estão a ocorrer em profundidade. Portanto, independentemente ou não de ter havido um pequeno ajuste tectónico que levou ao desenvolvimento do sistema magmático, neste momento esse sistema é talvez o ator principal do processo”, explicou o professor de Geofísica.

Questionado sobre se a um aumento de atividade sísmica poderia desencadear uma resposta magmática, Miguel Miranda explica que “teoricamente, a natureza tem sempre imprevisibilidade”, mas que “os sismos, neste momento, têm-se mostrado praticamente a profundidades constantes, portanto, do ponto de vista estrito da geofísica, não parece haver uma evidência de qualquer situação iminente". Salienta, porém, que as "só o CIVISA tem essa capacidade porque juntam observações simológicas a observações vulcanológicas”.

O professor de Geofísica relembrou ainda que “o CIVISA está completamente sobre o assunto” e “todas as equipas que têm equipamentos de geofísica ou de observações geodésicas, que estão a convergir para São Jorge, têm de se articular com o CIVISA e eles fazem um balanço da situação, tendo em atenção todos os elementos”.

“Os Açores têm uma grande experiência neste tipo de fenómenos, têm uma equipa com muita experiência em vulcanologia e, seguramente, se houver a iminência de uma situação ela será tratada como tal”, destaca. Por sua vez, acrescenta que “a Proteção Civil tem de ser mais prudente e preparar-se para cenários que possam ser de maior complexidade, mesmo que do ponto de vista científico se diga que a probabilidade é baixa”.

  • Há sinais que permitam antecipar estes eventos?

Neste momento, não há capacidade para antecipar a ocorrência de sismos, as o caso muda quanto à atividade vulcânica. "Existem sinais que têm a ver com deformações à superfície, emissões de gases, que normalmente são utilizados pelas organizações de vigilância para determinar a iminência ou não de uma situação extrema”, explicou Miguel Miranda.

“De uma coisa tenho a certeza: estas evoluções não são tão rápidas quanto os sismos, que são uma coisa quase instantânea. Em contrapartida, havendo um grande esforço tanto de instrumentação como de pessoas na área, o CIVISA há de emitir os comunicados que considerem relevantes para avisar dos acontecimentos que são esperados”, rematou.

Já na quarta-feira, o CIVISA elevou o nível de alerta vulcânico na ilha de São Jorge para V4 (de um total de cinco), o que significa “possibilidade real de erupção”.

  • Nível de alerta vulcânico e a resposta que está a ser preparada

Na quinta-feira, Rui Marques explicou que o nível de alerta vulcânico de V4 é o mais alto possível para a atual situação, porque o nível V5 só pode ser acionado em caso de erupção.

No entanto, o presidente do CIVISA, informou esta sexta-feira que a atividade sismovulcânica de São Jorge tem registado uma “diminuição da energia libertada”, afastando, no entanto, falar numa “evolução positiva”.

“O que se tem observado desde a meia-noite de anteontem [quarta-feira] é uma diminuição da energia libertada por esta atividade sismovulcânica, que se reflete numa diminuição das magnitudes médias dos sismos que têm sido analisados pelo CIVISA”, explicou, acrescentando que a ilha continua a registar “milhares de sismos” e que pode voltar a acontecer um “incremento da energia libertada” nos próximos dias.

“Não podemos falar de evolução positiva. Nesses casos específicos temos que nos basear em factos. O único dado que temos neste momento é que há claramente uma redução da energia libertada que diretamente tem influência na magnitude dos sismos e, por conseguinte, tem implicações nos sismos sentidos pela população”, reiterou, salientando que esta diminuição da energia “pode ser uma questão pontual”.

Em conferência de imprensa – após uma reunião com o presidente da Câmara Municipal das Velas, Luís Silveira, e com o presidente do CIVISA –, o presidente do Governo dos Açores, José Manuel Bolieiro, acrescentou que o “planeamento”, em caso de um possível sismo de maior magnitude ou de uma erupção, está a decorrer com a “máxima proficiência” e anunciou um “reforço de meios” para a ilha na área da saúde, composto por quatro médicos, cinco enfermeiros e um psicólogo e “assegurar transitoriamente” que o centro de saúde da Calheta funcione “24 horas sem interrupção”.

O presidente do Governo Regional reiterou ainda que não “existe nenhuma declaração de evacuação” do concelho das Velas, com a “exceção” da retirada de pessoas de mobilidade reduzida e dos habitantes das fajãs: “Relativamente às fajãs, o despacho é bem claro. São todas as fajãs e só as fajãs do concelho das Velas […]. As fajãs toponimicamente assim identificadas. Não se trata de uma questão de orografia, mas sim de toponímia e que é do perfeito conhecimento de toda a população”, especificou.

As ilhas do grupo central dos Açores, onde se inclui a ilha de São Jorge, estão também sob aviso amarelo devido às previsões de chuva, entre hoje e sábado e, segundo o presidente do CIVISA, a precipitação, conjugada com a crise sísmica, pode provocar desabamentos em São Jorge. O executivo açoriano decidiu, por isso, proibir o acesso às fajãs do concelho das Velas e retirar os habitantes que lá vivem.

O presidente da Câmara das Velas, Luís Silveira, realçou ainda que a eventual evacuação de todo o concelho está “preparada” e que estão definidos "os corredores e os caminhos que cada uma das freguesias deve percorrer, até aos edifícios que vão rececionar em primeira instância a população”.

O autarca acautelou, contudo, que, em caso de erupção ou de um sismo de maior magnitude, a população não ficará realojada nos “pontos de receção”. “Esses pontos de acolhimento no concelho da Calheta já estão preparados e dotados dos meios necessários para essa receção, nomeadamente com bens alimentares de primeira necessidade, água, etc. […] Não quer dizer que serão nesses locais que as pessoas serão realojadas. Esses são os pontos de receção no concelho da Calheta”, explicou.

O município das Velas já divulgou os “pontos de referência” (para quem precisa de transporte), os “pontos de receção" (destinos finais) e os “caminhos de referência” a utilizar em caso de ordem de evacuação das freguesias de Manadas, Urzelina, Santo Amaro, Velas, Norte Grande e Rosais. Caso haja um “alerta de evacuação”, este “será transmitido através da rádio local, das redes sociais das entidades competentes e também através dos sinos das igrejas”.

O Plano Regional de Emergência da Proteção Civil dos Açores e os planos de emergência municipais dos dois concelhos da ilha — Velas e Calheta — foram ativados.

  • Cerca de 1.250 pessoas já abandonaram São Jorge

Cerca de 1.250 pessoas já abandonaram São Jorge por via marítima e aérea, desde o início da crise sismovulcânica, adiantou José Manuel Bolieiro.

“Neste instante, a informação que posso prestar quanto ao realizado e não quanto às reservas em curso, [é que] a Atlânticoline [empresa de transporte marítimo], relativamente aos dias de 23 e 24, transportou 653 pessoas, creio que 39 viaturas. A SATA aponta para, nos dias 20 até 24, cerca de 600 pessoas”, informou.

José Manuel Bolieiro acrescentou que o mau tempo registado na ilha não cancelou nenhuma ligação aérea e marítima e que não existem “previsões de cancelamento”.

“No entanto, nós açorianos estamos muito familiarizados com as nossas condições atmosféricas e com a nossa condição arquipelágica e ultraperiférica. Não podemos deixar de parte a possibilidade de, repentinamente, essas condições se alterarem. No entanto, o esforço é de manter o programado”, alertou.

Foi ainda anunciada uma “suspensão temporária” da atividade curricular na Escola das Velas: “Haverá uma suspensão temporária de atividade curricular, de modo que, para os alunos que queiram frequentar a escola, está assegurado o funcionamento da escola. Os que optarem, neste período, por não frequentar a escola não têm um prejuízo curricular porque não ficam em situação de falta”.

Bolieiro assegurou que as políticas adotadas têm procurado promover a “normalidade de funcionamento” da vila, mas reconheceu a dificuldade em encontrar o “ponto de equilíbrio” que permita assegurar “vigilância” sem gerar “alarme”.

“Bem sei que o ponto de equilíbrio é muito difícil. Por um lado, estamos responsavelmente, enquanto autoridades públicas e políticas, a fazer o alerta para a vigilância das pessoas e, por outro lado, também não queremos, porque não há razão para isso, gerar alarme social quanto à matéria”.

  • Ligações aéreas e marítimas à ilha de São Jorge reforçadas

Desde o início da crise sismovulcânica, várias pessoas decidiram abandonar a ilha, o que exigiu um reforço do número de ligações aéreas e marítimas na quinta-feira, estando ainda previstos novos reforços se necessário.

Segundo informou a Lusa, na quinta-feira, a Atlânticoline, empresa pública responsável pelo transporte marítimo de passageiros e viaturas nos Açores, transportou perto de 400 pessoas de São Jorge para outras ilhas.

De acordo com fonte do gabinete de comunicação da empresa, na quinta-feira à noite foi realizada uma viagem extraordinária com partida de São Jorge, a somar-se à realizada durante a manhã.

Na viagem da manhã foram transportados 154 passageiros e 13 viaturas e, na da noite, 234 passageiros e 14 viaturas. Segundo a Atlânticoline, “a média de passageiros embarcados nas Velas por viagem em fevereiro foi de 32” e “a média de viaturas foi de cinco”.

No âmbito do reforço de viagens na operação que liga São Jorge, Pico e Faial, a empresa indicou que, para hoje, estavam programadas duas viagens, mas já teria sido adicionada uma terceira, a meio da tarde. “A título excecional e tendo em conta a dificuldade dos jorgenses em conseguir caixas de transporte para animais”, a Atlânticoline está “a permitir o embarque dos mesmos sem caixas”.

A SATA, única companhia aérea que voa para São Jorge, também reforçou o número de voos: “Estamos a reforçar os voos para quem queira e já há manifestações de intenções de saída da ilha de São Jorge. Estamos já a alocar os meios e está tudo preparado. Por isso uma palavra de tranquilização”, adiantou, na quinta-feira o presidente do Governo Regional dos Açores, dizendo compreender a “ansiedade” dos cidadãos e reiterando que “antes excessivo na prudência do que negligente na ação”.

  • Grupo de Facebook disponibiliza alojamentos na Terceira para quem sair de São Jorge

Além dos reforços de a Proteção Civil dos Açores ter ativado o Plano Regional de Emergência, devido à elevada atividade sísmica, e da ativação dos planos de emergência municipais dos dois concelhos da ilha, Calheta e Velas, além dos reforços das ligações, há já também vários grupos de apoio criados através das redes sociais.

Um dos casos é o de seis mulheres da ilha Terceira que reuniram, em menos de 24 horas, uma base de dados com ofertas de alojamento para pessoas que saiam de São Jorge devido a esta crise.

Sofia Ferreira, que vive na Praia da Vitória, na Terceira, Açores, disse à Lusa que criou com outras cinco voluntárias, na quinta-feira, o grupo "Acolhimento na Terceira - Evacuação S. Jorge", na rede social Facebook, que em "menos de 24 horas" já tem 1.800 membros e oferta de alojamento para cerca de cem pessoas.

Além do alojamento, o grupo reuniu ainda ofertas de transporte do aeroporto da Terceira para quem chega de São Jorge e está a preparar o envio de transportadoras de animais domésticos para quem quer sair da ilha afetada pela crise sísmica "e não consegue por não ter onde levar os animais", disse Sofia Ferreira.

O grupo está hoje a fazer contactos para divulgar a oferta de alojamento que há na Terceira, disse Sofia Ferreira, que deu como exemplo os contactos que fez para as duas câmaras municipais de São Jorge (Velas e Calheta).

Além deste, um outro grupo “Acolhimento no Pico - São Jorge”, que conta com mais de 3.100 membros em apenas 24 horas, também procura disponibilizar ofertas de alojamento, bem como partilhar informações da Proteção Civil e autarquias.

* Com Agência Lusa

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