Em frente à Paróquia Santo António, nesta microrregião do Planalto Goiano com cerca de 3.000 habitantes, há um pequeno estabelecimento, o Bar Museu, que à entrada chama os visitantes com orgulho: “Atenção Turista! A linha de Tordesilhas passa aqui! Em frente a esse bar”.

António, dono do Bar Museu, conta à Lusa que foi a sua mulher, que morreu no início de julho, quem ‘descobriu’ que a linha atravessava aquele local: Em “2001, que a minha mulher descobriu”, atira, sem ter muito a certeza da data exata.

A sua mulher, Cecília, foi perguntar a um homem, que estava a fazer medições o que estava a fazer e ele disse-lhe: “Aqui passa a linha”, detalha.

“Para mim e para a minha esposa foi bom, porque aqui era parado demais, quando abriu essa linha aqui deu mais movimento, turistas entrando aí todo o fim de semana. Para nós foi bom essa linha”, explica.

António vai buscar ‘as provas’ de que a linha passa ali e mostra um livro. Na obra do historiador Paulo Bertran (1948-2005) detalha-se a exata localização desta linha: Meridiano 48;35;25; que passa em Olhos D'Água.

“Aqui deste lado está Portugal, do outro lado Espanha”, diz, apontado para o lado direito e esquerdo.

O meridiano 48 W é um meridiano que, partindo do Polo Norte, atravessa o Oceano Ártico, Gronelândia, Oceano Atlântico, América do Sul, Oceano Atlântico, Oceano Antártico, Antártida e chega ao Polo Sul. No Brasil, atravessa o Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Distrito Federal e passa a oeste de Brasília e Goiás.

Já dentro do pequeno bar museu, coberto de posters, fotografias e recortes de jornais, António mostra com orgulho as várias imagens sobre a linha imaginária, tornada ‘real’ a 07 de junho de 1494, quando Portugal e Castela assinaram o Tratado de Tordesilhas, nesta vila da província de Valladolid, dividindo entre si as terras ‘recém-descobertas’ e por ‘descobrir’ do Globo.

O acordo que traçou uma linha imaginária no Atlântico de polo a polo serviu de fronteira às futuras conquistas territoriais dos dois reinos.

No seu bar museu, que vive da venda de pingas caseiras, são também visíveis duas bolas cativeiro, usadas pelos fazendeiros da região para prender os escravos para evitar que eles fugissem. Segundo António, cada bola pesa 10 quilogramas e foram compradas pela sua mulher, para compor o museu, a um fazendeiro da região.

“Nessa época os mais ricos compravam um negro para trabalhar”, explica, detalhando: “A bola do cativeiro, eles trabalhavam com aquela bola no pé que era para não fugirem, com fome e apanhado. O coitado sofria muito”.

Caminhando uns metros em direção à Paróquia Santo António, encontra-se a sede da subprefeitura de Olhos d'Água. À Lusa, o subprefeito de Olhos D’Água, Christian Bublitz, que nas escolas brasileiras ensina-se o Tratado de Tordesilhas mas que só soube que a linha atravessava quando o “historiador chamado Paulo Bertran escreveu um livro e ele fez a descrição da linha do tratado no planalto central”.

“A gente descobriu por meio desse historiador que essa linha passava aqui no distrito de Olhos D’água e na cidade vizinha de Corumbá”, recorda, acrescentando que “a partir daí as conversas começaram, as pessoas começaram a interessar-se um pouco mais”.

“Sabemos de facto da história de que fomos agraciados com essa famosa linha passando no nosso querido distrito”, diz, recordando também Cecília, a mulher de António, como a grande responsável para que a linha continuasse no imaginário da população.

“Tivemos aqui uma senhora que tinha um comércio que abraçou essa causa e manteve essa história viva”, diz.

“Aqui temos na cidade de Alexânia um membro, eu diria uma célula, que ainda mantém as tradições dessa sequência da família real"

Christian Bublitz explica ainda que o município do qual Olhos d'Água faz parte, Alexânia, mantém e respeita as tradições monárquicas.

“Aqui temos na cidade de Alexânia um membro, eu diria uma célula, que ainda mantém as tradições dessa sequência da família real e caso acontecesse em algum momento a gente voltar para a monarquia essa lógica e essa sequência ainda está viva desde então”, explica.

Christian Bublitz lembra que Dom Luiz de Orleans e Bragança visitou a cidade e que foi recebido com muita honra. O chefe da Casa Imperial do Brasil e herdeiro da família real morreu no dia 15 de julho aos 84 anos.

Assim que a cidade soube da morte do descendente de D. Pedro I de Portugal, IV do Brasil, o município decretou luto oficial de três dias.

Ao se atravessar a rua, já do lado ‘espanhol’, Soledade diz à Lusa que há cerca de seis anos chegou a ser organizado um evento no qual se tocaram os hinos de Portugal e Espanha e que o já falecido artista plástico brasileiro Henrique Gougon criou um mosaico com os brasões dos dois países para oferecer à vila.

Problemas com um pequeno grupo de residentes fizeram com que o mosaico nunca fosse exposto em frente à paróquia.

"Perdemos uma divulgação do lado histórico e de a cidade ficar mais bonita”, diz à Lusa Soledade.

“Não só para a renda como também pela parte cultural porque iríamos trocar informações com um grupo maior de pessoas que viessem para conhecer a cidade, seria mais um atrativo”, afirma.

“Inclusive até a culinária poderia ficar mais desenvolvida, ficaria melhor, iríamos ter um prazer muito grande em trazer pessoas de fora aqui”, conclui.