Num balanço ao Público sobre os seis meses de trabalho, Pedro Strecht, pedopsiquiatra e coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI), avança que, dos testemunhos de abusos sexuais validados, 17 casos seguiram para o Ministério Público.

Além disso, todos estes casos envolvem padres que ainda estão no ativo.

Questionado sobre a possibilidade de a Igreja afastar estes padres, Pedro Strecht lembrou que "se de verdade houver indícios suficientes, a própria Igreja, pela lei canónica, pode avançar independentemente do direito civil. Desde que o queiram".

"São, no geral, situações extremamente difíceis de provar e em que muitas delas podem dizer respeito a coisas que aconteceram, por exemplo, há dez anos. Aliás, mesmo sobre situações em que já tenha prescrito a prova ou em que já não exista prova considerada fundamental, isso não significa que não se possa ter uma atitude de redobrada vigilância ou até de confronto com o alegado abusador para que o próprio possa explicar e defender-se", apontou.

No total, a Comissão validou mais de de 330 depoimentos. Contudo, o coordenador da CIEAMI admite que os casos possam chegar aos 1500, sendo este um "número mínimo".

"Não queremos agora dar um número seguro [de casos em Portugal], que já temos, até porque ainda vão chegar mais testemunhos e porque há também muita coisa que ainda temos em estudo dentro dos vários critérios", adiantou ainda.

O que se sabe sobre as denúncias?

Do trabalho feito até agora, a comissão revelou que recebeu 365 inquéritos, tendo validado 338, e que se, num primeiro momento houve uma vaga de denúncias, o ritmo agora tem sido menor. Foram também excluídos 29 testemunhos.

Dos testemunhos validados, 17 foram encaminhados para o Ministério Público para eventual instauração do respetivo procedimento criminal, apesar de a comissão admitir “poucas expectativas quanto ao êxito em matéria criminal”, uma vez que os testemunhos são dados de forma anónima e em muitos casos não é identificado o abusador ou o local em que ocorreram os abusos.

No entanto, Pedro Strecht garantiu que todos os nomes de abusadores referenciados serão enviados tanto para o Ministério Público como para a Igreja Católica Portuguesa.

Os dados apurados revelam que 56,9% das vítimas que deram testemunho à comissão eram homens e 39,7% eram mulheres e que 73% das vítimas têm atualmente até 65 anos.

Tendo em conta a faixa etária, há 2% de vítimas com menos de 18 anos, 5,1% com idade entre os 18 e os 25 anos, 7,6% entre 36 e 45, 21,2% entre 46 e 55 e 22,9% com idade entre 55 e 65 anos. Há também 16,4% de vítimas que hoje têm entre 66 e 75 anos e uma percentagem de quase 6% que tem 76 ou mais anos.

Quanto ao nível de escolaridade, os dados revelam que praticamente um em cada três das vítimas tem uma licenciatura.

A maior parte das vítimas caracterizou os abusos sofridos como “toque de outras zonas erógenas do corpo ou beijos nas mesmas zonas” ou “manipulação de órgãos sexuais”, mas há também casos de sexo oral (15,6%), sexo anal (10,8%) ou cópula consumada (5,9%).

É também uma maioria (61%) aquela que ainda hoje se considera católico praticante, e há diferentes razões para terem decidido dar o seu testemunho à comissão, variando entre a necessidade de contar um segredo, a vontade de que mais ninguém passe pelo mesmo ou a reposição da verdade, nomeadamente em relação ao número de possíveis vítimas.

Em relação aos abusadores, a maioria são homens, com predomínio de padres, mas há também mulheres, nomeadamente religiosas e catequistas.

O psiquiatra Daniel Sampaio, que também faz parte da comissão, apresentou um panorama global dos abusos sexuais e revelou que a tendência em todo o mundo é de 164 a 197 casos de raparigas vítimas em cada mil, enquanto nos rapazes o número anda entre os 166 e os 188 por cada mil.

Frisou, no entanto, que em contexto institucional os rapazes são mais frequentemente vítimas do que as raparigas.

Apontou também que a cultura do silêncio ajuda a perpetuar os crimes e a penalizar ainda mais a vítimas, sublinhando que em 60% dos casos as pessoas ficam com situações graves de psicopatologias, como ‘stress’ pós-traumático, ansiedade ou tentativas de suicídio.

“O abuso é algo que ninguém esquece ao longo da vida”, apontou, defendendo a necessidade de uma boa resposta ao nível da saúde mental para estas pessoas e apontando que isso ainda não existe em Portugal.

(Notícia atualizada às 14h32)

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