“Com base nas notícias que vieram a público na sexta-feira e no fim de semana, a CNPD abriu um processo para averiguar se efetivamente houve ou não aqui alguma ilegalidade ou algum incumprimento da lei na recolha e no tratamento de dados pessoais”, disse Clara Guerra à Lusa, em alusão à receção de pelo menos 160 refugiados ucranianos por russos simpatizantes do regime de Vladimir Putin, que teriam alegadamente fotocopiado documentos pessoais.
O caso foi revelado pelo jornal Expresso na sexta-feira, que adiantou que os refugiados teriam sido recebidos por Igor Khashin, antigo presidente da Casa da Rússia e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos e líder da Associação dos Emigrantes de Leste (Edintsvo), e pela mulher, Yulia Khashin, funcionária do município setubalense, que foi, entretanto, afastada dessas funções.
“Iremos averiguar se os procedimentos seguidos pela associação em causa, a trabalhar para a Câmara de Setúbal, estão efetivamente de acordo com a lei e com as instruções do SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], enquanto entidade que controla estes processos”, sublinhou, recusando antecipar cenários: “Não vamos pôr o carro à frente dos bois. Depois de apurados os factos, far-se-á a análise e aplicar-se-á a lei de acordo com o caso concreto”.
A confirmação surge um dia após o primeiro-ministro, António Costa, ter dito que o pedido de inquérito feito pela autarquia de Setúbal ao Ministério da Administração Interna (MAI) iria ser remetido para a CNPD e para o Ministério da Coesão Territorial. A porta-voz do organismo confirmou também que a CNPD recebeu hoje a resposta do MAI ao autarca setubalense, André Martins, esclarecendo que cabe à CNPD fiscalizar as questões sobre proteção de dados.
Questionada sobre as possíveis medidas a adotar perante um eventual incumprimento da lei neste âmbito, Clara Guerra lembrou que o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) contempla “medidas de correção” e que estas são aplicadas mediante os factos apurados.
“Pode ser desde mandar apagar dados, mandar corrigir procedimentos, uma repreensão ou uma sanção pecuniária”, explicou, continuando: “Ainda nem sequer sabemos quem é responsável por este tratamento de dados. Temos de apurar quem tem responsabilidade por este tratamento de dados e, do ponto de vista da proteção de dados, qual é o papel de cada uma destas entidades e a relação entre elas”.
A Câmara de Setúbal tem acusado o Governo de não ter respondido ao pedido de intervenção sobre as suspeitas de envolvimento de associações pró-russas no acolhimento de ucranianos, o que foi negado na sexta-feira pelo gabinete do primeiro-ministro e reiterado no domingo por António Costa.
Alto Comissariado: Governo e presidente da República prestaram informação "necessária"
A alta-comissária para as Migrações considerou hoje que o governo e o presidente da República já prestaram a informação necessária. “O senhor primeiro-ministro, assim como o senhor Presidente da República, já prestaram a informação que era necessária e que todos esperávamos sobre a situação em Setúbal”, disse Sónia Pereira, em declarações aos jornalistas, em Elvas (Portalegre).
Questionada se o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) já respondeu ao pedido de esclarecimento da secretaria de Estado da Igualdade e Migrações sobre o caso de Setúbal, Sónia Pereira, que falava aos jornalistas à margem da inauguração do Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM) de Elvas, apenas referiu que o comissariado desenvolve um trabalho “diário de acompanhamento e monitorização” pela rede.
“O nosso trabalho é diário de acompanhamento e monitorização, designadamente através dos nossos parceiros e, portanto, a rede CLAIM é tão importante, é esse o trabalho que continuamos a fazer e essa a comunicação que fazemos à nossa tutela relativamente ao acompanhamento que vamos fazendo diariamente com toda a rede CLAIM”, disse.
“Não conseguimos chegar a todos os CLAIM diariamente, mas fazemos um esforço muito grande de monitorização e acompanhamento e essa informação é transmitida regularmente. E, reforço, que o senhor primeiro-ministro já deu informação que importava sobre o trabalho que está a ser realizado a nível nacional”, acrescentou.
O primeiro-ministro, António Costa, anunciou no domingo que o pedido de inquérito feito ao Governo pela Câmara de Setúbal seria remetido para a Comissão Nacional de Proteção de Dados e para o Ministério da Coesão Territorial.
Segundo afirmou António Costa, estas são as duas entidades com "competência para fazer algum inquérito nesta matéria".
"A Comissão Nacional de Proteção de Dados, para saber se houve ou não violação das regras de proteção de dados”, e a ministra da Coesão Territorial, “que é quem tem a tutela sobre autarquias locais”, para que a inspeção faça um inquérito “para ver se houve algum comportamento ilegal da Câmara de Setúbal”, afirmou.
O primeiro-ministro pediu que, até à conclusão destes procedimentos, “haja serenidade”.
“Não vale a pena estarmos a alimentar suspeições e dúvidas, se houver algum comportamento ilegal, as instituições atuarão, se não houver, toda a ajuda é bem-vinda e não podemos estar sempre a levantar suspeições sobre tudo”, defendeu.
“Qualquer violação dos direitos fundamentais, seja de nacionais seja de estrangeiros, é da maior gravidade. Temos de ter bastante serenidade neste momento, é preciso compreender que a guerra também se trava através deste jogo de informações”, acrescentou.
A Câmara de Setúbal acusou o Governo de não ter respondido ao pedido de intervenção sobre as suspeitas de envolvimento de associações pró-russas no acolhimento de ucranianos, o que foi negado na sexta-feira pelo gabinete do primeiro-ministro e, no domingo, pelo próprio António Costa.
“A Câmara de Setúbal não nos pediu qualquer esclarecimento, nem sobre a associação, nem sobre o senhor referido na notícia do semanário Expresso. A carta [do município ao gabinete do primeiro-ministro, datada de meados de abril], o que contém são, essencialmente, vários protestos por declarações da senhora embaixadora da Ucrânia em Portugal, e nós remetemos para o Ministério dos Negócios Estrangeiros para os fins tidos por convenientes”, disse António Costa.
O presidente da República disse também no domingo que há autoridades competentes, designadamente judiciais e administrativas, para investigarem as suspeitas de recolha de informações a refugiados ucranianos por parte de uma associação pró-russa em Setúbal.
“Há autoridades competentes para isso [investigação], quer do ponto de vista judicial, quer do ponto de vista administrativo”, afirmou aos jornalistas Marcelo Rebelo à margem do Estoril Open, quando questionado se acredita numa investigação ao caso de Setúbal.
Caso enviado à Inspeção das Finanças
O caso foi enviado para a Inspeção Geral das Finanças, a quem competem os "inquéritos e sindicâncias", disse hoje o ministério da Coesão Territorial: "(...) enquanto tutela da legalidade da atuação do poder local, o Ministério da Coesão Territorial remeteu o caso para a Inspeção Geral das Finanças, entidade competente para a realização de inquéritos e sindicâncias", lê-se num comunicado do ministério de Ana Abrunhosa, que passou a ter a tutela das autarquias nesta legislatura.
O ministério da Coesão Territorial (MCT) acrescenta estar a "recolher informação adicional para posterior apreciação" sobre o acolhimento de refugiados da guerra na Ucrânia noutras autarquias, face a "denúncias sobre eventuais irregularidades".
No comunicado, o MCT lembra que, no caso de Setúbal, foi a câmara, presidida por André Martins (eleito pela CDU) que, "face às suspeitas de que é alvo quanto ao atendimento a refugiados ucranianos, tomou a iniciativa de solicitar às autoridades competentes uma investigação aos seus próprios serviços".
"Os municípios portugueses têm sido extraordinários parceiros do Governo no que toca à receção, acomodação e criação de respostas para refugiados sírios, afegãos e, mais recentemente, ucranianos, permitindo-lhes soluções de vida em Portugal, com segurança e dignidade", destaca o MCT.
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