“Há aqui uma série de pormenores, que se fala na pronúncia, que no local, e quem estiver no local, percebe quem é que está a falar verdade”, disse à Lusa Hélder Cristóvão, defensor de um dos 17 agentes da PSP que começaram hoje a ser julgados no Tribunal de Lisboa Oeste, em Sintra.
Os 17 arguidos respondem por denúncia caluniosa, injúria, ofensa à integridade física e falsidade de testemunho, num caso que remonta a 05 de fevereiro de 2015, por alegadas agressões a jovens da Cova da Moura na esquadra de Alfragide, estando ainda acusados de outros tratamentos cruéis e degradantes ou desumanos, de sequestro agravado e de falsificação de documento.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), os elementos da PSP, à data dos factos a prestar serviço na Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Amadora, espancaram, ofenderam a integridade física e trataram de forma vexatória, humilhante e degradante as seis vítimas, além de incitarem à discriminação, ao ódio e à violência por causa da raça.
O MP considera que os agentes agiram com ódio racial, de forma desumana, cruel e tiveram prazer em causar sofrimento.
O processo, inicialmente, tinha 18 arguidos, mas a juíza de instrução criminal decidiu não levar a julgamento uma subcomissária – que requereu a abertura de instrução –, por não se encontrar na esquadra à data dos factos.
Depois do tribunal ter ouvido, durante a manhã, um dos agentes negar as acusações, durante a tarde prestaram declarações mais três arguidos.
Para Hélder Cristóvão, que defende um arguido, existem duas questões fundamentais para esclarecer, que é onde os agentes “estavam dentro da esquadra” e onde ocorreram os primeiros factos na Cova da Moura.
Perante as queixas de duas pessoas de que foram baleadas por via da atuação da PSP, o advogado espera que a reconstituição sirva para demonstrar que “da rua do Moinho para o sítio onde os factos efetivamente aconteceram vai uma distância que é impossível alguém ter sido baleado”, nem que “fosse inadvertidamente”.
“É no pormenor que se vai fazer a diferença, porque o MP acreditou nestas mentiras todas que serviram para fundamentar uma acusação e uma pronúncia, portanto, neste momento, é nos detalhes é que a gente tem de conseguir saber desmanchar tudo e mais alguma coisa”, admitiu.
Para a advogada que representa as vítimas, após a audição dos quatro arguidos, “ficou muito claro que os depoimentos estavam bastante concertados e, portanto, todas as versões foram absolutamente idênticas”, dando a sensação de foi tudo “bastante ensaiado”.
Lúcia Gomes apontou a insistência numa narrativa “inverosímil”, de que um grupo de pessoas tentou invadir uma esquadra de polícia, assegurando que também serão ouvidos “testemunhos credíveis de muitas pessoas do bairro e principalmente das vítimas”.
A advogada dos seis jovens que se queixam de terem sido agredidos e alvo de frases racista e xenófobas questiona-se como é que toda uma esquadra permitiu a prática dos crimes, admitindo que alguns “participaram ativamente” e outros “por omissão”.
Ao tribunal competirá julgar um caso que “tem de ser um exemplo”, demonstrando de que lado a justiça está, se da “proteção do cidadão comum” ou se irá validar uma versão que “não tem ponta por onde se lhe pegue”.
Já a advogada dos restantes 16 arguidos, Isabel Gomes da Silva, considerou à Lusa que “há uma grande discrepância entre o que consta da acusação e a realidade dos factos”.
“Há um desfasamento brutal entre o que consta da acusação e a verdade dos factos e é isso que nós vamos demonstrar dentro do tribunal, que é o local próprio para se decidir estas questões, não há outro”, afirmou a advogada do Sindicato Unificado de Polícia.
Um dos jovens foi detido na Cova da Moura, por alegadamente ter apedrejado uma carrinha da PSP, enquanto cinco foram também detidos na sequência de uma alegada tentativa de invasão da esquadra, tese refutada pelas vítimas e pelo MP.
A acusação refere que, além das agressões, os seis jovens foram alvo de frases xenófobas e racistas, alegadamente ditas pelos arguidos durante o período de detenção nas esquadras de Alfragide e da Damaia, bem como no trajeto para o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, onde pernoitaram "deitados no chão” e algemados.
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