O caos que se gerou na capital afegã durante a reconquista vitoriosa - e sem resistência - dos talibãs, pôs em evidência o vazio de poder por parte do regime apoiado pelas forças internacionais, vistas por muitos como ocupantes estrangeiros durante duas décadas.
Milhares de civis afegãos em pânico tentaram abandonar o país a bordo dos aviões militares dos Estados Unidos e de países aliados.
Durante a operação de exfiltração morreram espezinhados em acidentes ou foram vítimas de atentados 180 civis afegãos e 13 soldados dos Estados Unidos, que tiveram de reforçar a zona do aeroporto militar de Cabul.
Não faltaram as críticas, sobretudo entre os países da NATO, sobre o processo de retirada norte-americana, considerando-se que Washington não salvaguardou os direitos humanos, o bem-estar da população civil e, sobretudo, os direitos das mulheres afegãs.
No dia 17 de agosto, os talibãs que instauraram o Emirado Islâmico anunciavam uma amnistia geral para os ex-funcionários do Estado e exortavam as mulheres a fazerem parte do novo executivo.
Ao mesmo tempo que as declarações de Enmullah Samangani, membro da Comissão Cultural do Emirado Islâmico, sobre os funcionários públicos e as mulheres eram transmitidas pela televisão, as forças talibãs instalavam postos de controlo na capital que impediam os civis de alcançar o aeroporto.
Às 03:59 (hora de Washington) do dia 31 de agosto (22:59 do dia 30 de agosto em Lisboa), o general Frank McKenzie, chefe do Comando Central dos Estados Unidos, anunciava a partida do último avião militar norte-americano de Cabul.
O major-general Chris Donahue, oficial da 82nd Airborne Division, foi o último militar norte-americano a abandonar o Afeganistão, onde foi travada a mais longa guerra da História dos Estados Unidos.
A retirada dos norte-americanos começou a ser negociada por decisão do então presidente Donald Trump, em contactos entre os diplomatas de Washington e representantes talibãs em Doha, sob organização diplomática do Qatar.
No âmbito do acordo assinado em fevereiro de 2020, a partir do dia 01 de maio de 2021 os Estados Unidos e a Aliança Atlântica iniciaram a retirada dos últimos militares estrangeiros no Afeganistão, incluindo portugueses.
O início da retirada fez aumentar as ações militares dos talibãs nas 34 províncias do país, mas sobretudo no Norte e na região de Kandahar (sul), onde estava instalada uma das mais importantes bases aéreas norte-americanas.
Os acontecimentos militares sucederam-se com invulgar rapidez, tendo os talibãs controlado os postos fronteiriços com o Tajiquistão no final de junho para impedir a fuga de soldados do Exército Nacional Afegão (ANA).
O movimento fundamentalista ocupa também a base aérea de Bagram, a 50 quilómetros de Cabul, pouco tempo depois das forças do regime terem ficado responsáveis pelas instalações, no início de julho.
O dia 07 de julho assinala a tomada de Qala-i-Naw, no Noroeste, a primeira capital de uma província conquistada pelos talibãs.
Mesmo assim, o Presidente Joe Biden mantém que a retirada das forças norte-americanas tem de terminar no dia 31 de agosto.
Os talibãs passam a controlar - de facto - os acessos ao Paquistão e em pouco mais de 30 dias anunciam que controlam 90% dos postos fronteiriços de todo o país.
O Afeganistão faz fronteira com o Irão, Paquistão, República Popular da China, Tajiquistão, Uzbequistão e Turcomenistão.
Os Estados vizinhos reforçam a segurança nas fronteiras para evitar o fluxo de refugiados e a infiltração de combatentes de grupos terroristas, como a Al-Qaida e o Estado Islâmico, assim como dificultar a atividade dos traficantes de estupefacientes, do país que nunca deixou de ser o maior produtor de ópio do mundo.
A situação agrava-se em agosto: o general Bismillah Mohammad, ministro da Defesa do governo afegão é alvo de um atentado em Cabul e o chefe dos serviços de comunicação do executivo é assassinado.
Na mesma altura, as embaixadas dos Estados Unidos e do Reino Unido acusam os talibãs do massacre de dezenas de civis no distrito de Spin Boldak, no Sul.
A 10 de agosto, o chefe de Estado norte-americano diz não se arrepender da retirada e, 24 horas depois, as forças do ANA rendem-se aos talibãs em Kunduz.
No mesmo dia, regista-se um dos momentos mais dramáticos do ponto de vista militar: o Presidente Ashraf Ghani desloca-se a Mazar-i-Sharif, palco de um massacre de talibãs no início da guerra, para mudar a chefia militar e coordenar uma contraofensiva que falhou, tendo o antigo comandante, responsável pelo massacre, fugido sem deixar rasto.
Cinco dias depois, as forças talibãs hasteavam a bandeira branca do Emirado Islâmico em Cabul e proclamavam vitória no gabinete de Ashraf Ghani, que abandonara o país poucas horas antes.
Dados das Nações Unidos indicam que Washington despendeu mais de 2.000 milhões de dólares (1.778 milhões de euros) só em gastos militares, numa campanha que começou oficialmente no dia 07 de outubro de 2001, na sequência dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, organizados pela Al-Qaida.
O líder da Al-Qaida, o saudita Osama bin Laden, apoiado pelo regime talibã entre 1996 e 2001, acaba por ser localizado no Paquistão pelos serviços secretos de Islamabad, que mais tarde passam a informação aos norte-americanos. É morto em maio de 2011.
Na guerra do Afeganistão morreram oficialmente 2.455 soldados dos Estados Unidos e 20.660 ficaram feridos.
Mais de 64 mil soldados e polícias das forças nacionais do Afeganistão morreram durante a guerra, além de mais de 111 mil civis.
Por outro lado, cerca de 3,5 milhões de cidadãos afegãos foram obrigados a abandonar a residência devido aos combates e uma parte significativa procurou refúgio no estrangeiro.
A retirada constitui uma pesada derrota geopolítica para os Estados Unidos e deixa o povo afegão face a um futuro incerto, sob o regime do Emirado Islâmico. Alvo de sanções económicas, o regime talibã enfrenta uma grave falta de apoio financeiro internacional, numa altura em que grande parte da população não tem emprego e precisa de assistência.
Do ponto de vista regional, a Rússia, a República Popular da China e o Paquistão posicionam-se militarmente e admitem apoiar humanitariamente o país se o regime promover o "diálogo entre afegãos".
Numa altura em que as temperaturas no norte do país já baixaram para valores negativos durante a noite, a população de mais de 30 milhões de pessoas enfrenta uma crise humanitária que pode agravar-se de forma preocupante nos próximos meses.
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