A chamada de atenção surge no mais recente relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da UE (FRA, na sigla em inglês), divulgado hoje, que analisa como uma diretiva europeia adotada em 2009, que estabelece normas mínimas sobre sanções e medidas contra os empregadores de cidadãos de países terceiros em situação irregular, tem sido usada pela maioria dos Estados-membros do bloco europeu para proteger os migrantes contra a exploração laboral e outros abusos e para garantir que estes trabalhadores obtenham justiça.
A diretiva em questão aplica-se a um total de 25 Estados-membros do bloco europeu, ficando de fora apenas a Dinamarca e a Irlanda.
“Todos os trabalhadores têm o direito de procurar e obter justiça face a empregadores exploradores. Os migrantes irregulares não são exceção”, afirma o diretor da FRA, Michael O’Flaherty, citado no relatório, que ao longo de mais de 60 páginas identifica lacunas e aponta caminhos para o futuro porque, segundo a agência europeia, “os países da UE devem fazer mais e melhor para proteger os direitos dos trabalhadores migrantes ao abrigo das regras comunitárias existentes”.
Apesar de reconhecer algumas melhorias ao longo dos últimos 10 anos, a FRA lembra que na Europa do século XXI “milhares de trabalhadores explorados são forçados a trabalhar horas intermináveis com pouco ou nenhum pagamento e sem equipamento de segurança adequado”.
A agência europeia, com sede em Viena (Áustria), frisa que muitos destes trabalhadores são migrantes em situação irregular, pessoas “sem qualquer ‘status’ oficial” que são um alvo fácil para empregadores exploradores.
E indica ainda que muitos destes trabalhadores não conhecem os seus direitos ou como reclamar, notando que, mesmo quando o fazem, existem grandes probabilidades destas pessoas não receberem a compensação devida.
“As regras da UE protegem os direitos dos trabalhadores a obter justiça. Os países da UE precisam de intensificar os seus esforços para proteger migrantes irregulares da exploração laboral, compensar as vítimas e garantir que os empregadores paguem todos os salários devidos, especialmente agora durante a pandemia [da doença covid-19]”, insiste Michael O’Flaherty.
No relatório, a FRA aponta quatro pontos-chave que devem constar nos futuros esforços europeus nesta matéria, sendo o primeiro a necessidade de “melhorar os sistemas de reclamação”.
Por medo de serem detetados, detidos ou repatriados, os trabalhadores migrantes explorados raramente recorrem aos sistemas de queixa existentes, situação que se agrava, segundo indica a FRA, devido à falta de informação e de conhecimento que têm sobre os seus próprios direitos.
Sobre esta questão específica, a agência defende que os migrantes deviam poder contar com a ajuda de “terceiros elementos”, como sindicatos e organizações não-governamentais (ONG).
“Os países da UE devem permitir que estas partes apoiem os trabalhadores migrantes irregulares a reclamarem os seus direitos”, afirma a agência, alertando ainda para a necessidade de os Estados europeus recolherem e centralizarem dados (prática que atualmente não é verificada em nenhum país) sobre os processos relacionados com a exploração laboral de migrantes irregulares.
Outro ponto apontado pela FRA é a necessidade de alterar leis e práticas, focando a atenção nas inspeções aos locais de trabalho que, de acordo com a agência, “podem desempenhar um papel fundamental na prevenção e na identificação da exploração laboral”.
A FRA lembra que, em 20 dos 25 Estados-membros da UE analisados no relatório, os serviços de inspeção partilham os dados pessoais dos migrantes com a polícia ou com as autoridades de imigração, ação que desencoraja, segundo sustenta a organização, os trabalhadores de denunciarem abusos durante as inspeções.
Como tal, a agência comunitária defende o fim de tal requisito e apela a um maior foco na proteção dos trabalhadores.
Garantir que os trabalhadores explorados são devidamente e eficazmente compensados é outra vertente essencial apontada pela FRA.
“Os países da UE deveriam garantir que todos os trabalhadores migrantes irregulares recuperem os salários pendentes. Isto poderá passar pelo acesso a uma indemnização estatal ou pelo congelamento e confiscação dos bens dos empregadores”, defende.
Ainda neste campo, a agência europeia entende, e de forma a garantir que as vítimas de uma exploração laboral grave recebam todos os pagamentos retroativos, que “os tribunais criminais também devem decidir sobre as ações judiciais civis”.
O quarto ponto identificado pela FRA é a necessidade de aumentar a emissão de autorizações de residência temporária às vítimas de situações graves de exploração laboral.
“Um terço dos países da UE não emitiram autorizações de residência para vítimas de exploração laboral grave nos últimos anos”, enumera a agência.
O relatório da FRA foi fundamentado em análises jurídicas e em informações fornecidas por autoridades nacionais, tribunais e organizações de apoio a vítimas e a migrantes irregulares.
Criada em 2007, a FRA tem como missão aconselhar as instituições da UE e os Governos nacionais sobre questões relacionadas com os direitos fundamentais, em especial em temas como a discriminação, o acesso à justiça, o racismo e xenofobia, a proteção de dados, os direitos das vítimas e os direitos das crianças.
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