Inicialmente eram 155 os candidatos, depois o número reduziu-se para 13, até que, na semana passada, foi anunciada uma lista final de seis livros de seis diferentes países, todos traduzidos para inglês, como mandam as regras do prémio. O nome do angolano José Eduardo Agualusa figura entre esta pequena elite de escritores, escolhida pelo júri do Man Booker International Prize de 2016, um dos mais conceituados galardões literários do mundo. O vencedor será anunciado a 16 de Maio, com o autor e o tradutor da obra a dividirem entre si um bolo de 50 mil libras. Mais do que o dinheiro, o que interessa mesmo é o reconhecimento além-fronteiras.
“O livro é sobre a xenofobia e conta história de uma mulher que se fecha em casa, que tem medo do outro, e que se vai transformando até se reconciliar com esse outro e consigo mesma”, salienta Agualusa. O júri elogiou o livro pelo que considera ser um retrato único de uma sociedade em fluxo, com a história de Angola, conforme explica o escritor, a ser contada a partir do apartamento em que a protagonista se encerra, indo “do período colonial ao pós-independência e do período socialista ao período capitalista”.
A história começa em 1975, em Luanda, na véspera da independência, com tudo a centrar-se em Ludovica (mais conhecida por Ludo), uma mulher portuguesa, amarga e preconceituosa, em torno da qual toda a trama se desenrola. Ludo fecha-se no seu apartamento, bloqueia a casa do resto do edifício onde vive (entretanto abandonado pelos portugueses que aí viviam), isolando-se de uma mundo que, lá fora, avança e se transforma. Tal e qual como se estivesse numa ilha, a personagem central de Teoria Geral do Esquecimento vê Luanda ao longe durante 28 anos, três décadas ao longo das quais a cidade cresce e muda, isto enquanto o povo angolano exulta e sofre.
“O nosso céu é o vosso chão”
A frase anterior, que surge no início do romance, resume o sentimento que os angolanos, depois de obterem a sua liberdade e independência, sentiam em relação aos colonos portugueses. Contudo, a história tem mesmo tendência para repetir-se, só mudam as personagens, pelo menos na opinião de Agualusa. “De uma forma muito triste, essa frase resume também os tempos atuais, porque a maioria da população vive sem condições, isto para que uma pequena minoria possa viver extremamente bem, tratando o resto com grande desprezo”, denuncia. “É um pouco como se passava no período colonial, em que uma elite colonial vivia muito bem enquanto a maior da população vivia muito mal.”
Publicado pela primeira vez em 2012, com a chancela da editora portuguesa Dom Quixote, «Teoria Geral do Esquecimento» esteve para ser inicialmente um filme. Há cerca de 15 anos, o realizador português Jorge António, que vive em Angola, pediu a Agualusa um guião, sendo que o escritor angolano tinha na sua cabeça, precisamente, a história de Ludo. Apesar de o argumento ter sido escrito, o filme nunca chegou a ser realizado.
A história, que acabaria por ver a luz do dia sob a forma de livro, é comparável a outra obra do autor, «O Vendedor de Passados», pelo menos a crer no que Agualusa chegou a explicar numa entrevista anterior. Neste caso, a narrativa está centrada numa personagem que criava passados falsos para clientes ligados a uma classe alta emergente, constituída por novos-ricos, dando-lhes identidades novas. Basicamente, nos dois livros temos personagens que tanto são esquecidas como querem ser esquecidas, acabando por reconstruir e assumir uma nova identidade.
Falta um epílogo: a reconciliação e a igualdade em Angola
Ao longo de «Teoria Geral do Esquecimento» perpassa o sentimento de que o amor para com o outro é o ingrediente capaz de quebrar o isolamento e curar o preconceito, facilitando a reconciliação e a reconstrução de uma nova sociedade.
Será que é precisamente isso o que falta neste momento em Angola? “Acho que sim”, responde prontamente Agualusa. “Penso que falta cumprir o ciclo de reconciliação, mas isso só se consegue se existir igualdade entre todos os angolanos, se todas as pessoas puderem falar e dar a sua própria versão dos acontecimentos. É preciso que as pessoas conversem sobre o passado e que chorem juntas, para depois ocorrer uma verdadeira reconciliação. Felizmente a guerra acabou, mas o processo de reconciliação não foi levado até ao fim. Para o levar a termo eu creio que é preciso democratizar toda a sociedade.”
É difícil entrar no mercado anglo-saxónico
Coube à editora britânica Harvill Secker a tarefa de difundir na língua inglesa o trabalho do autor nascido no Huambo. A tradução, essa, esteve a cabo de Daniel Hahn: foi ele quem traduziu «Nação Crioula», a primeira obra de Agualusa em inglês (e o primeiro livro que o britânico traduziu), numa parceria que entretanto se estendeu a outros escritores do mundo lusófono.
“A única coisa que peço a um tradutor é que tente respeitar o ritmo e a melodia das frases e o Daniel consegue fazer isso para o inglês”, elogia. “O que muitos leitores britânicos e norte-americanos me têm dito é que o livro parece ter sido escrito directamente em inglês. Creio que isso é o maior elogio que se pode fazer a um tradutor.”
Mas escrever em português e entrar no mercado global está longe de ser fácil, quanto mais não seja porque existe uma imponente barreira pela frente. “No mundo da língua inglesa, tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos, traduz-se muito pouco”, começa por explicar Agualusa. “Enquanto na maior parte dos países europeus mais de 50% dos livros publicados vem de outras línguas, no Reino Unido e nos Estado Unidos essa percentagem é inferior a 13%. É uma diferença abissal. É muito difícil ser-se traduzido para inglês. Aliás, poucos autores portugueses estão traduzidos para inglês, pese embora já estejam traduzidos noutras línguas.”
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