Perto do pavilhão da junta de freguesia, onde estão colocadas as duas secções de voto, um grupo de pessoas junta-se para, de forma discreta, sensibilizar outros habitantes a não votarem ou a escolherem o voto em branco.

“Vais votar? Vota em branco”, desafia um dos presentes a um eleitor, ao que este lhe respondeu, depois de exercer o direito de voto, “votei em branco”.

Com um cão pela trela, Fernando Almeida passeia junto ao edifício da votação e, nas declarações à agência Lusa, avisa logo que não vai votar nestas eleições, porque não vai cumprir “um dever cívico” quando não o “respeitam como cidadão”.

O corte da Estrada Nacional (EN) 254 junto a Bencatel, cujo troço faz a ligação direta entre a aldeia e Vila Viçosa, sede de concelho, causa “um transtorno enorme”, diz, sublinhando que as alternativas aumentam “o dispêndio” para as famílias e que “mais 150 euros ao fim do mês é muito dinheiro”.

Enquanto outras pessoas formam fila para entrar, já que no interior só podem estar um eleitor de cada vez, devido à pandemia de covid-19, Fernando fica à porta e critica os empresários das pedreiras e as autoridades locais e nacionais.

“As pedreiras estão em cima da estrada e os que desde há dezenas de anos andam a fazer isto sabem que não podiam chegar a menos de 30 metros da estrada, as autoridades assobiaram para o lado e, agora, como solução, cortam a estrada”, afirma.

Pedro Branco também está no exterior e garante à Lusa que, desta vez, não vai votar “em protesto” pela interdição da circulação naquele troço da EN254, que o obriga a ter de “fazer mais 25 ou 30 quilómetros” por dia para ir trabalhar.

Além disso, critica, “numa semana fecharam a estrada e ninguém avisou as pessoas”.

Mas também há quem vote, como é o caso de João Capacete, de 77 anos, para quem a única preocupação foi sair de casa cedo para votar nas presidenciais “por causa do confinamento” provocado pela pandemia de covid-19 e evitar a aglomeração de pessoas.

Com gel desinfetante, caneta e cartão de cidadão na mão, João, um dos primeiros a votar em Bencatel, explica que não deixou de votar por causa da polémica em torno do fecho da estrada, mas considera que a Infraestruturas de Portugal (IP) “tem obrigação de tratar do assunto, porque a estrada é nacional” e exige “uma estrada nova e condições para passar”.

Acompanhada pelo filho, Geraldina Chouriceiro, que também votou, porque “antigamente não tinha oportunidade de dizer nada”, assinala que, tal como a população de Bencatel, também está dividida sobre o assunto do momento na aldeia.

“De uma maneira, acho bem, mas, de outra, acho mal, porque as pessoas têm de dar uma volta grande e gastar mais combustível”, refere e, como se diz que a pedreira “está por baixo do chão”, admite que tem medo, “ainda assim não abale alguma coisa”.

Questionado pela Lusa sobre se o descontentamento da população se reflete nas presidenciais, o presidente da Junta de Freguesia de Bencatel, José Cardoso, considera que “nem tanto” e que isso se observa nas “manifestações populares” que têm sido diárias.

“A abstenção que irá existir será aquela que já era para existir por estarmos com uma situação” de pandemia e em que “provavelmente muitos idosos não vão sair de casa para votar”, realça.

Segundo o autarca, a IP teve “dois anos para encontrar uma alternativa viável e segura para minimizar o impacto social e económico para a população” provocado com o corte definitivo da EN254 junto à aldeia.

Além disso, “não teve em conta o facto de estarmos em pandemia, em que está interdita a circulação entre concelhos”, pois “a única estrada que nos liga a sede de concelho é a 254 e, agora, estamos completamente isolados do país nestes fins de semana”, refere.

“Todas as outras vias a que Bencatel tem acesso são nos concelhos de Alandroal, Borba e Redondo”, acrescenta.

O corte da EN254 junto a Bencatel foi anunciado, na quarta-feira, em declarações à Lusa, por fonte oficial da IP, que alegou questões de segurança, devido à proximidade de uma pedreira.

A decisão está relacionada com a proximidade daquela estrada da pedreira “Monte d’el Rei”, que tem cerca de “134 metros de profundidade” e que se encontra a cerca de 30 metros da via, quando devia estar “a mais de 400 metros”, indicou então a mesma fonte.

A IP, que disse estar, juntamente com a câmara, a tentar “encontrar uma solução” alternativa para a circulação entre Vila Viçosa e Bencatel, indicou que a alternativa de circulação para veículos ligeiros deve ser a EN255.

Já a EN381, entre a EN4 e a vila de Redondo, é indicada pela IP como percurso alternativo dos pesados, durante as próximas duas semanas, enquanto não for feita uma intervenção na EN255.