Entre 26 de fevereiro e 5 de março, o MediaLab do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e a Empresa (ISCTE-IUL) identificou 160 publicações sobre a suspeita lançada pelo Chega, originada pela publicação no X, feita por um militante do Bloco de Esquerda (BE).
Questionar eleições “através de rumores e conteúdos desinformativos” é um dos elementos que mais preocupam os investigadores “em relação ao impacto da desinformação na democracia”, dizem os investigadores do MediaLab.
A primeira denuncia do ‘tweet’ do militante bloquista surgiu às 12:49 de 29 de fevereiro, mas o tema só “explodiu” na “bolha política” do X quatro dias depois, em 04 de março, quando Ventura e o Chega comentaram o tema, lê-se no relatório feito pela equipa do ISCTE, resultado de um projeto de parceria com a Lusa sobre as eleições nas redes sociais e os processos de desinformação na fase pré-eleitoral para as legislativas de domingo.
Se até esse dia e hora o número de publicações (20) que reforçavam “a narrativa da fraude eleitoral” atingiu 3.188 interações (soma de todos os “gostos”, comentários e partilhas), depois dos ‘posts’ de Ventura e do Chega tudo mudou.
Três publicações, duas de Ventura, que incluíam um vídeo em que explicava a alegada tentativa de fraude, e outro do Chega, somaram em poucas horas 4.700 interações. No conjunto, estas três publicações “alcançaram mais de 600 mil visualizações” entre 29 de fevereiro e 5 de março, segundo o MediaLab.
No dia seguinte, em 5 de março, Ventura e o Chega fazem novas publicações apontando “casos semelhantes”, somando mais 2.238 interações e 133 mil visualizações, o que soma mais de 733 mil visualizações.
No total, nestes sete dias, foram identificadas 69 publicações que “reforçam a narrativa de fraude nas futuras eleições”, alcançando 12.024 interações. Em sentido contrário, as 37 publicações que “desvalorizam a narrativa alcançaram 2.378 interações”.
Em síntese, no X “as contas que veicularam a narrativa da potencial fraude eleitoral foram sempre mais numerosas e com mais impacto (medido em interações) do que aquelas que desvalorizavam essa narrativa”.
O tema passou das redes sociais para a campanha num jantar-comício do Chega no sábado. André Ventura disse estar em curso uma tentativa para "desvirtuar o resultado" das eleições, que passaria por "anular os votos" do seu partido.
Aos jornalistas, mostrou uma publicação no X, que atribuiu a um “membro do BE” que disse fazer parte de uma mesa de voto de Aveiro, onde se lia “Mesas de voto ‘here we gooo’, votos do Chega e AD serão considerados nulos”.
O Bloco de Esquerda considerou tratar-se de uma “piada de mau gosto”, a coordenadora, Mariana Mortágua, rotulou Ventura de “aprendiz de Bolsonaro” e o membro do BE foi retirado da mesa. Contactada pela Lusa, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) começou por não ter em registo de qualquer queixa, mas depois abriu um processo de averiguações.
Apesar dos desmentidos, o presidente do Chega manteve as suspeitas e chegou a pedir a demissão do porta-voz da CNE.
As contas do Chega e de Ventura no X foram, novamente, o “elemento impulsionador” das publicações e interações na rede sobre a alegada fraude, tal como aconteceu com outros casos – o dos tiros em Famalicão que, afinal, eram ‘rateres’ de motores de motas, no início da campanha eleitoral.
O MediaLab detetou ainda outro efeito, o fenómeno da imitação, dado que tanto à esquerda como à direita identificaram-se publicações que, em forma de sátira ou não, “replicaram o ‘post’ original” do BE.
Alguns utilizadores “até começaram a fazer ameaças de interferência com boletins de voto” em sentido contrário, “nalguns casos exibindo o que parecem ser fotos reais de boletins adulterados”.
Outro traço deste caso remete para algo que é “um padrão recorrente” na divulgação de “conteúdos políticos, sobretudo quando eles alimentam rumores ou desinformação”: fazer referência a “rumores e avisos” que circulam no Whatsapp”.
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