“Chegou o momento de dar lugar aos mais novos e a outros camaradas que vão dar continuidade ao nosso projeto sindical e eu vou poder fazer outras coisas na vida de que gosto e para as quais não tenho tido muito tempo”, disse Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, em entrevista à agência Lusa.

Funcionária pública há 44 anos, sempre trabalhou na área da Segurança Social, onde mantém o seu posto de trabalho, no departamento de recursos humanos do Instituto de Segurança Social.

A licenciatura em Direito, que terminou há 11 anos, permitiu-lhe concorrer a uma lugar de técnica superior, que não irá ocupar de facto dado que se irá aposentar em fevereiro, aos 66 anos.

O percurso sindical começou em 1982, quando foi eleita delegada sindical pelos seus pares, e quatro anos depois passou a ser dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública do Sul e Açores a tempo inteiro, integrando, nessa qualidade, a partir de 1993, a direção da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública (FNSFP).

Ana Avoila coordena a FNSFP há cerca de 16 anos, assim como a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública.

Enquanto coordenadora da federação passou a integrar a Comissão Executiva da CGTP em 2004, lugar que também abandona no próximo congresso da central sindical, que se realiza em fevereiro.

“Mas não vou ficar parada, vou trabalhar na área do Direito, pretendo fazer pareceres jurídicos, gosto sobretudo do Direito Constitucional e já tenho algumas propostas”, disse Ana Avoila, explicando que até agora nunca exerceu advocacia porque considerava que não o devia fazer por estar no sindicalismo a tempo inteiro.

Apenas tratou de alguns casos de forma gratuita, para ajudar algumas pessoas que lhe pediram apoio.

Mas, agora, pretende dar mais uso ao escritório que tem no Barreiro, onde reside.

Ana Avoila disse à Lusa que deixa o sindicalismo com a convicção de que a FNSFP, e o movimento sindical unitário em geral, estão preparados para os desafios futuros e para dar resposta aos problemas dos trabalhadores.

"O que está no programa do governo vai agravar os problemas dos trabalhadores"

A sindicalista Ana Avoila prevê que 2020 vá ser um ano difícil para os funcionários públicos, com um programa do Governo que lhes agrava mais os problemas, o que irá aumentar a conflitualidade laboral, que começa já no dia 31.

"Acho que o ano de 2020 vai ser um ano de muita conflitualidade laboral. (...) O que está no programa do Governo vai agravar os problemas dos trabalhadores, em vez de os resolver. Não vai ser um ano fácil", disse a coordenadora da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública (FNSFP), Ana Avoila.

Ana Avoila lembrou, a propósito, que o Governo quer negociar com os sindicatos da administração pública um plano estratégico que contém medidas que os sindicatos consideram inaceitáveis.

"Mas, os trabalhadores da administração pública já perceberam que é preciso lutar, nomeadamente por melhores salários", afirmou a sindicalista, reafirmando que a FNSFP reivindica aumentos de 90 euros por trabalhador.

Este é o aumento salarial que a CGTP defende para os setores público e privado.

"Este aumento é necessário porque não podemos continuar a viver num país, que apesar de estar na União Europeia, continua a ter salários muito baixos e impostos sobre o rendimento do trabalho elevadíssimos", defendeu Ana Avoila.

Segundo a sindicalista, para haver de facto uma aproximação às condições de vida da União Europeia, "tem que haver um paradigma diferente".

"Não vale a pena dizer que não há dinheiro", disse, acrescentando que o Governo destinou este ano 70 milhões de euros para aumentos salariais na função pública, mas destinou 120 milhões de euros para aquisições, ou seja para pagar a advogados externos, projetos técnicos ou secretárias dos gabinetes", disse.

Na sua opinião, os aumentos salariais de 0,3% propostos pelo Governo para a administração Pública, ou mesmo que venham a ser acima, não resolvem nada, nem tão pouco uma subida dos salários mais baixos, o que cria muitas injustiças e distorções.

"Por isso, as lutas são necessárias", defendeu.

Para Ana Avoila, a manifestação nacional que está marcada para 31 de janeiro, com emissão de pré-aviso de greve para possibilitar a deslocação dos trabalhadores a Lisboa, mostra já a predisposição dos trabalhadores para combater as propostas do Governo socialista.

"A luta do dia 31 não é um pontapé de saída, é uma marca, porque estamos convencidos que vai ter muitos milhares de trabalhadores, e é um sinal para quem quiser ver", afirmou a sindicalista, recomendando sensatez ao Governo de António Costa.

Aos sindicatos da administração pública recomendou que continuem a apostar na organização e na "forte ligação aos trabalhadores", nos seus locais de trabalho, para melhor responderem aos desafios futuros.

"É impensável que o movimento sindical não esteja organizado para enfrentar o que aí vem, sem organização não se consegue nada", considerou, defendendo que os trabalhadores e os seus sindicatos têm de se organizar para evitar que o Governo consiga dar "mais um passo contra os trabalhadores".

"É preciso discutir o futuro da administração Pública e os seus problemas estruturais, mas o Governo não o quer fazer"

Ana Avoila acusa o Governo de pretender desmantelar os serviços do Estado, sem respeitar a Constituição da República e as necessidades da população e de fugir a um debate sério sobre o futuro da Administração Pública.

A coordenadora da Nacional dos Sindicatos da Função Pública considerou que a proposta de Orçamento do Estado para 2020 (OE2020), que foi aprovada na generalidade no parlamento, deixa clara a intenção de "consolidação do desmantelamento dos serviços do Estado", prejudicando a população e desrespeitando a Constituição da República, dado que grande parte das competências do Estado estão ali definidas.

"O OE2020 vai mais longe e diz que será transferida em 2029 uma quantidade de competências para as autarquias locais, de forma imperativa, sem que tenha havido um processo de regionalização", disse.

Para a sindicalista, a transferência de competências nas áreas da segurança, saúde, cultura, educação e obras públicas põem em causa as funções sociais do Estado, pondo em causa a Constituição da República e deixando sem cobertura boa parte da população", acrescentou.

Ana Avoila criticou a política desenvolvida pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, e defendeu que o país tem que progredir.

"Não podemos viver assim, isto não é solução para um país que precisa de progredir e que tem condições para evoluir", disse.

A coordenadora da FNSFP e da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública acusou o Governo de ter "uma opção clara, que é governar para o grande capital, para o grande poder económico".

Por isso, o balanço que faz da governação socialista relativamente à função pública, com ou sem 'gerigonça', não é positivo.

Reconheceu que os anos de governação com a 'geringonça' não foram iguais aos anos de governação com a 'troika', dado que foram repostos os salários dos funcionários públicos que tinham sido cortados, assim como o horário de trabalho semanal de 35 horas, e foram descongeladas as carreiras, ainda que de forma progressiva.

Mas, segundo considerou, as questões estruturais continuam por resolver, como a elevada carga fiscal, carreiras desajustadas e salários sem atualização há 10 anos.

"Este Governo não resolveu os problemas existentes e piorou algumas coisas, como as carreiras subsistentes, por isso não podemos fazer um balanço positivo da governação socialista e não podemos esquecer que António Costa se juntou à direita para piorar o Código do Trabalho", considerou.

Ana Avoila referiu ainda a persistência da precariedade laboral na Administração Pública, apesar do Programa de Regularização de Vínculos, que considera ter sido um processo "muito burocrático e complicado", com muito casos ainda por resolver, à espera de homologação ou de abertura de concurso.

Segundo a sindicalista, a precariedade já aumentou 12% após o início do Programa de Regularização, com o Governo a dar "o pior exemplo ao setor privado" em termos de contratação.

"É preciso discutir o futuro da administração Pública e os seus problemas estruturais, mas o Governo não o quer fazer", concluiu.

* Entrevista de Rosária Rato, agência Lusa