André Corrêa d'Almeida é professor na Universidade de Columbia e coordenador do livro "Reforma do Sistema Parlamentar em Portugal: Análises e Instrumentos para um Diálogo Urgente". Está nos Estados Unidos desde 2005, os dois primeiros anos em Denver, Colorado, os últimos 13 em Nova Iorque.
Vive-se hoje melhor ou pior nos EUA do que há quatro anos?
Pior, considerando a experiência do país como um todo e mesmo descontando o fenómeno COVID-19. Responderia da mesma forma se estivéssemos em fevereiro de 2020.
O que mais teme actualmente um estrangeiro a viver nos Estados Unidos?
Que Trump seja reeleito.
Duas razões para mudar de presidente ou duas razões para deixar como está (consoante a preferência de voto).
Mudar. Para recuperar e fortalecer o prestígio das instituições americanas e promover o diálogo/cooperação internacional para que o mundo saia mais forte no final da pandemia. Elevar a ética do discurso político para que se possa re-imaginar um novo sentido de desígnio nacional e global. No imaginário JFK, diria que temos de encontrar uma nova Lua como objetivo coletivo, ainda que as prioridades domésticas e internacionais sejam diferentes. Em segundo lugar, para promover uma administração federal mais racional, dialogante e inclusiva, que se foque na diminuição das desigualdades socioeconómicas que se vêm agudizando no país nas últimas décadas.
Uma palavra para descrever cada um dos candidatos.
Trump: Mau
Biden: Médio
O que têm os EUA melhor que Portugal?
Eficácia das instituições: regras, formas de aplicação das regras, formas de fiscalização do (in)cumprimento das regras, formas de penalização pelo não cumprimento das regras, formas de premiar quem cumpre as regras.
Diz-se que estas eleições são decisivas para os EUA e para o mundo. Concorda? Porquê?
Para temas como a cooperação com organismos internacionais (por exemplo, OMS ou NATO), igualdade de género, combate ao racismo, desigualdade económica e social, prestígio das instituições públicas norte-americanas, serviço nacional de saúde, “green deal”, medidas anti-gun violence [violência anti-armas], entre outras, estas eleições serão muito importantes. No entanto, o carácter mais decisivo destas eleições prende-se com as possibilidades de sucesso de uma abordagem global às alterações climáticas. Mais quatro anos a ignorar o problema poderá criar uma situação irreversível para o nosso planeta. Na realidade, para muitas formas de vida já ultrapassámos o limite da não reversibilidade.
Qual o cenário que mais receia para os EUA?
Receio que o povo americano não aproveite esta oportunidade para eleger o candidato que melhor representa a ponte entre republicanos e democratas: Joe Biden. Receio que o povo americano perca a grande oportunidade que tem para escolher o candidato que melhor representa pessoas de cores e credos diferentes, o candidato que melhor representa a depauperada classe média americana, o candidato que mais poderia ajudar a nação a sarar, a reformar-se e unir-se. Receio que o caminho continue a ser o de um país zangado consigo próprio e com os outros, um país sem um desígnio nacional, um país de países que não se consegue libertar do “now-media” para abraçar a luta contra as desigualdades, a luta contra a falta de esperança que se apoderou do sonho-adormecido americano. Um país em que apenas o capital comanda. Um país que sempre se caracterizou pela robustez das suas instituições públicas que elegeu em 2016 um presidente que não as respeita – que ironia e paradoxo, com possibilidade real de haver uma crise de legitimidade após as eleições no caso de Trump perder e não aceitar os resultados – o que é por si só revelador de uma ameaça institucional que o regime não tolerará. Isto é, apesar de todos os meus receios, estou convencido de que, tal como o sistema imunológico do corpo humano reage a partir de dentro para derrotar corpos estranhos ao seu normal funcionamento, também o sistema americano não vai permitir ser surpreendido duas vezes seguidas pela aberração de “líder” que Trump é.
Em tempos de pandemia, todos estamos mais sensíveis e os impactos sociais e económicos estão longe de estar estimados. Receio que os americanos não escolham o candidato que, melhor representando valores como a compaixão, decência, rigor, coerência, justiça, verticalidade humana e ética, poderia ser a vacina para o que corrói a sociedade americana. Temo que o povo americano continue demasiado dividido para representar a união que uns Estados Unidos invocam.
O que o faria regressar a Portugal?
Felizmente tenho tido cada vez mais oportunidades de trabalhar em/com/sobre Portugal e, com isso, cruzar o Atlântico mais vezes, ora para conferências, investigação, diálogos interinstitucionais, desenvolvimento de novos projetos, família, etc. O meu objetivo passa mais por continuamente identificar e desenvolver novas formas de colaboração com as instituições do meu país do que por um regresso físico “permanente”. De qualquer forma, nada é definitivo e nunca predefini barreiras para o meu trajeto de vida. Gosto de criar as condições para que a vida me surpreenda. Portugal precisa de todos e todos serão poucos.
Como vê as relações diplomáticas entre os EUA e Portugal e que relação mantém com o país?
Creio que as relações sempre foram muito saudáveis e, por vezes, saudáveis de mais, tal como ilustrado pela Cimeira das Lajes, em 2003. O caso recente das declarações de George Glass, embaixador dos EUA em Lisboa, são exceções que confirmam a regra. Mas são também um exemplo do que expressei antes. A administração Trump não favorece o diálogo e cooperação internacional num período da história em que, mais do que nunca, o bem-estar de todos depende de alianças globais.
O "sonho americano" é mito ou realidade?
Realidade. Mas não para todos, porque há um longo caminho a percorrer nos EUA, no mundo e em Portugal no que respeita à conceção, implementação e avaliação de soluções que promovam uma maior liberdade individual e igualdade de oportunidades. Por isso é preciso inovar - inovação inclusiva para que se criem ruturas com o status quo e se criem novas configurações institucionais que promovam uma sociedade mais livre e meritocrática. O combate à corrupção é, precisamente e acima de tudo, um combate pela (re)distribuição de recursos e poder pelo maior número possível de pessoas. O combate à corrupção é o combate pela democracia.
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