Foi neste bairro que a Lusa encontrou José Santos. Angolano, como a maioria dos moradores, tem 39 anos e está em Portugal desde os 17.
“Tenho mais anos em Portugal que em Angola”, explicou, José que, tal como muitos dos seus conterrâneos, ambiciona regressar um dia a Angola, mas apenas com uma melhoria das condições de vida no país.
“A vida em Portugal para os angolanos também não está assim grande coisa. Nós queremos regressar, mas tem de haver trabalho para a gente. Tem de haver condições. É uma vergonha. É uma vergonha enorme”, lamentou José.
Foi a doença que inicialmente o trouxe a Portugal - onde acabou por ficar -, e garante que não volta a Angola enquanto as condições naqueles hospitais não mudarem.
Por este bairro concentram-se, também, as atenções à visita do Presidente de Angola, João Lourenço, a Portugal, de quinta-feira a sábado, a primeira de um chefe de Estado angolano nos últimos 10 anos.
José António Bento – ou “Relâmpago”, como é conhecido no bairro -, esteve na Quinta do Mocho desde 1983 e viveu o realojamento iniciado em 1999, orientado para a Urbanização Terraços da Ponte. Na vida de quem lá mora, a urbanização não deixou de ser a Quinta do Mocho.
“Relâmpago” diz que os tempos mudaram, que a Quinta do Mocho já não é o problemático bairro palco de confrontos de outrora, e confessa que voltar a Angola é um objetivo na mente de todos.
“Todos nós almejamos isso, o regresso para a pátria, nisso não há dúvidas nenhumas, só que há muitas dificuldades. Há muitos problemas dentro de Angola. A situação económica está mesmo muito abaixo. Entretanto, antes de pensar em regressar temos de pensar em como é que está a situação, porque os que lá estão têm grandes dificuldades”, considerou “Relâmpago”, ex-militar angolano e que agora trabalha como rececionista numa clínica de saúde.
“Relâmpago” criticou a representação diplomática, que “nem sempre está à altura de resolver os problemas do povo”.
“Do Estado português temos tido apoio. Não tanto conforme desejávamos, mas temos tido, e é de agradecer, porque o Estado português tem os seus problemas, tem o problema com o seu próprio povo, e já tem sido muito, ao estender a mão para nós", aponta.
“Relâmpago” assume que há uma boa relação entre todos no bairro, desde logo portugueses e angolanos.
“Fazemos determinados encontros, para trocas de ideias (…) principalmente no verão, em que o tempo está melhor para todos nós, visto que somos todos de países com climas tropicais”.
No bairro é possível ver alguns dos locais em que a comunidade do “novo bairro da Quinta do Mocho” se reúne. Em quase todas as esquinas das principais há um conjunto de cadeiras e frigoríficos.
É aqui que se reúnem, aos fins-de-semana, para organizar churrascos e até para celebrar as datas angolanas, como a Independência, a 11 de novembro, o dia da paz, a 4 de abril, ou o início da luta armada, a 4 de fevereiro.
Domingos Piedade, de 54 anos e em Portugal há 25, enaltece este convívio: "Quando há encontros nós participamos, eles nos nossos, nós nos deles, e assim se vai vivendo na Quinta do Mocho”, disse à Lusa este também antigo militar.
“Dei o meu contributo para que se tornasse independente, mas a determinada altura tive que largar, porque as coisas não melhoravam”, justificou.
Domingos Piedade enalteceu o Presidente João Lourenço, em funções há pouco mais de um ano, que acredita trazer uma nova vitalidade para Angola.
“O novo Presidente quer mudar o rótulo que Angola nos últimos trinta e tal anos acarretou, e é muito bom, porque na verdade nós não merecemos o que nós vivemos até agora. Então é de louvar e de apoiar o espírito do novo presidente de Angola”, disse Domingos, que ainda carrega mazelas do serviço militar.
“Vim de Luanda sem nenhuma junta médica, estou aqui a fazer fisioterapia, porque já não trabalho há algum tempo e sou isento”, explicou, acrescentando: “Temos uma chancelaria militar que não resolve (…) estou aqui há quase oito meses e não tenho dinheiro. Estou a viver da solidariedade da comunidade e das associações”.
Adriano Pedro, de 54 anos, está em Portugal desde os 17 e é coordenador do projeto Comunidade Ativa, uma iniciativa que conta com a parceria da Câmara Municipal de Loures e da Junta de Freguesia de Sacavém, bem como da União da Juventude Angolana em Portugal.
O principal objetivo é “envolver a embaixada e o consulado”, e lembra que a última visita que aquela comunidade angolana recebeu foi feita por José Patrício, embaixador de Angola em Portugal há mais de vinte anos, ainda na antiga Quinta do Mocho.
Pelas notícias que chegam do país, o responsável pela Comunidade Ativa diz que algo está a mudar.
“Eu acredito que as coisas em Angola mudaram, mudaram e graças à coragem do Presidente”, disse Adriano, assumindo que João Lourenço “tem tido um sinal de abertura com todos os angolanos".
"O que quer dizer que ele pretende ser o Presidente de todos os angolanos”, atira, também ele a pensar num regresso, um dia, ao país da terra vermelha.
Para já, Adriano Pedro mostra-se esperançado numa mudança quanto à participação da diáspora nos atos eleitorais, algo que atualmente está limitado.
“Tenho fé que depois da visita de João Lourenço a Portugal, as coisas vão mudar em Angola e os angolanos vão, no fundo, ter a esperança de poder votar a partir da diáspora”, disse.
Armindo Laureano, jornalista e escritor de 42 anos, conhece Portugal desde a década de 1980. Atualmente tem em mãos o projeto “Vivências”, no qual fala com angolanos na diáspora em diversos países.
Não há fim de semana que não passe para falar com os amigos da Quinta do Mocho e acredita que, no geral, as muitas dezenas de famílias angolanas que por ali vivem estão satisfeitas com as infraestruturas cedidas pelo Estado português. Ainda assim, salienta que a comunidade pretende uma maior presença de serviços no bairro.
“Querem tratar dos seus documentos, querem estar muito mais próximos das suas autoridades e arranjar melhores formas de integração cultural, social e até profissional”, disse Armindo Laureano.
A solução, segundo o escritor, passa por acabar com a ideia de que o bairro é um local problemático. Para isso, a visita de uma entidade oficial seria fundamental. Até mesmo do Presidente angolano.
“Era preciso começar a elevar muito mais a nível até da própria embaixada, a nível de ministros, para chegarem aqui e para conhecerem, porque a mensagem passa de outra forma”, rematou.
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