Ao contrário do que é habitual, desde as 07:00, hora em que abriram as urnas, que o trânsito na turbulenta capital angolana se fazia de forma fluida e nem na sempre confusa zona de São Paulo eram visíveis os vendedores ambulantes. Com lojas, empresas e serviços do Estado encerrados, em cumprimento da tolerância de ponto dada no dia das eleições gerais, também os candongueiros, os populares transportes públicos azuis e brancos que fazem parte da paisagem luandense, circulam praticamente vazios.
Por volta das 09:00, na escola Anangola, no bairro Operário, (centro de Luanda), os eleitores iam chegando ordeiramente contando com a orientação de agentes eleitorais que, munidos de ‘tablets’, os ajudavam a encontrar as mesas de voto. Aziel Kavinda, escrutinadora da assembleia de voto n.º 39, verificava zelosamente os procedimentos da votação e disse à Lusa que “os eleitores estão bem convictos do seu papel”, exercendo o seu direito de voto “de uma forma muito bonita”.
Exibindo com orgulho o dedo marcado com tinta indelével, o jovem João Domingos Samalanga, que vota pela segunda vez, saiu com a sensação de dever cumprido. “Estou feliz por tomar uma decisão para quem vai governar o país daqui a cinco anos e acredito que quem estiver no poder vai fazer o possível por contornar a situação do sofrimento” dos angolanos, declarou à Lusa, antes de se dirigir a casa para “assistir a uns filmes”.
“Vou esperar pelos resultados, uma vez que a decisão também depende dos outros “, sublinhou.
A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) reportou no seu primeiro balanço que a votação decorre sem incidentes, mas algumas das pessoas reportaram à Lusa irregularidades, desde atrasos na abertura das mesas de voto, preenchimento de atas a lápis e a não credenciação de delegados de lista na assembleia de voto n.º 1030, nos Mulenvos de Baixo, em Cacuaco, um musseque com ruas esburacadas de terra batida e casas de autoconstrução nos subúrbios da cidade.
À entrada da escola Jericó, vozes irritadas denunciavam já que por ali nem tudo corria bem.
Francisco António Lopes contou à Lusa que a assembleia de voto começou sem os delegados da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido da oposição), que quer derrubar o rival Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no poder há quase 50 anos. Lopes apontou coação sobre pessoas idosas “que estão a ser induzidas a votar pelo 8 (número do MPLA no boletim de voto)” e defendeu que só com todos os delegados dos partidos pode haver “um pleito livre, justo e transparente”.
Na assembleia de voto 1030 deveriam estar oito delegados, mas a votação está a ser controlada apenas por representantes do MPLA, Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Partido Humanista de Angola (PHA), coligação CASA-CE e Aliança Patriótica Nacional (APN).
O presidente da assembleia reconheceu a ausência da UNITA, mas justificou que a delegada se apresentou com uma credencial que pertencia a outra mesa, pelo que não lhe foi permitido o acesso. Francisco António Lopes contrapôs que houve dificuldades em credenciar delegados, alguns dos quais completaram os seminários (de formação), mas não chegaram a ser credenciados, pelo que “não têm como trabalhar”. E garantiu que vai ficar por ali à espera dos resultados, junto com outros habitantes do bairro: “Não é crime nenhum, a população está fora da assembleia, sem confusão, sem briga, é só para vermos os nossos resultados”.
“Enquanto não há transparência, enquanto não há segurança do meu voto não posso sair daqui, pelo menos para inibir o que se pode fazer lá dentro. Esse é o motivo que nos faz ficar aqui”, justificou, aplaudido por outros eleitores que levantavam os três dedos em apoio ao número da UNITA no boletim de voto.
Nsakala Pedro “Ufolo”, ativista cívico, também circulava pela zona, depois de ter votado na assembleia de voto 1008, também nos Mulenvos, que abriu, segundo disse, uma hora depois do horário definido. “Há muita gente a votar”, afirmou, reclamando da lentidão no atendimento, sobretudo no caso das grávidas e idosos, obrigadas a permanecer muito tempo em filas.
O jovem de 28 anos, membro da Sociedade Civil Contestatária fiscaliza “de forma independente” as eleições, sendo aderente do movimento cívico Mudei, comprometendo-se a passar depois das 17:00 junto das assembleias para verificar a ata síntese e fazer uma foto com os resultados para enviar para o centro de escrutínio paralelo montado pelo Mudei.
Diz que o exercício do voto é o “mais destacado direito de cidadania” e sem referir se respondeu ao apelo do “Votou, Sentou”, lançado pela UNITA, salientou que pretende “fiscalizar de forma independente o seu voto, sem arruaça, sem escândalo, sem confusão”, cumprindo a distância de 500 metros da assembleia.
“Não estou sozinho, passei em muitas assembleias e constatei outros jovens, de forma voluntária, a sentarem-se a 500 metros da assembleia”, realçou, apelando a que a CNE faça alguma coisa para corrigir as irregularidades detetadas.
“Ufolo” sublinhou, apesar de tudo, que há uma maturidade política maior: “conseguimos mudar realmente a consciência do cidadão angolano”, que está “realmente consciente que o voto é uma responsabilidade, porque “é um dia que vai definir o modo de vida dos angolanos nos próximos cinco anos”.
Adelino Batista, votante no mesmo local, manifestou esperança de que “as eleições não sejam como no passado em que a multidão deu o seu máximo para um candidato, mas depois [o voto] foi transferido para outro candidato”.
“Pedíamos desta feita que as coisas sejam feitas de acordo com a vontade do povo e a vontade de Deus e que a CNE ao fazer a contagem não faça batota e a contagem seja credível”, apelou.
“Não é isso, meu povo?”, perguntou o jovem, dirigindo-se aos curiosos junto de si e que lhe responderam entusiasticamente que sim.
No Sambizanga, bairro pobre de Luanda onde nasceu o ex-presidente José Eduardo dos Santos, Clementina Vitorino vota desde 1992 e veio “pedir a Deus para que tudo corra bem” e “que o povo se alegre” com o novo governante.
Elogiou a organização do ato eleitoral em contraste com outros anos, “onde as pessoas passavam lá o dia”, despedindo-se para “ir preparar o almoço”.
A saída da mesa de voto daquele onde marcou, pela primeira vez, a sua escolha, numa estação de voto improvisada com cartão, Janete Alberto Cassoma, de 22 anos, explicou que o voto “é importante pela mudança” do seu país.
“Espero que o voto seja justo e tudo corra bem”, afirmou a jovem, que foi votar acompanhada do filho, o pequeno Nael.
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