As novas medidas tomadas pelo Conselho de Ministros para controlar a pandemia de covid-19, entre as quais o dever de recolhimento domiciliário, entram em vigor às 00:00 desta sexta-feira. Trata-se, portanto, de um novo confinamento.
Horas antes dos portugueses voltarem a ficar retido nas suas respetivas casas, António Costa deu uma entrevista à TVI, conduzida pelos jornalistas Pedro Mourinho e Anselmo Crespo.
Confrontado se falhou em evitar um novo confinamento, especialmente tendo em conta todas as advertências que tinha feito de que o país não aguentaria voltar a passar por igual processo, o primeiro-ministro diz que o Governo, tal como os portugueses, fez tudo o que pôde.
“Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para evitar chegar a esse ponto”, disse António Costa. "Quando outros países tiveram confinamentos em setembro e outubro, conseguimos resistir. Conseguimos durante muitas semanas controlar aquela segunda onda através dos confinamentos, sobretudo ao fim de semana”, adiantou.
No entanto, o primeiro-ministro deixou também algumas críticas indiretas à população, dizendo que "o ambiente geral hoje é de menor receio do que aquele que tínhamos no início da pandemia, o que determina muitos dos comportamentos”.
Com esta nota, António Costa foi confrontado com a decisão do Governo de ter mantido poucas restrições durante o período de Natal e Ano Novo, depois do qual os números subiram. “O facto de não termos tido medidas mais restritivas seguramente fez com com que as pessoas tivessem comportamentos menos restritivos", admitiu.
No entanto, o primeiro-ministro não indicou se mudaria alguma coisa quanto às medidas impostas para esse período. "É difícil voltar atrás", disse. "O princípio fundamental, e gerou aliás um grande consenso na sociedade portuguesa nessa altura, é que devíamos combinar a responsabilidade individual com a solidariedade coletiva", frisou.
Costa, aliás, sublinhou que medidas impostas por outros países, como a restrição de ter no máximo cinco pessoas à mesa no Natal, não teriam efeito prático. "Em Portugal, todos nós percebemos como uma regra deste tipo seria risível para os portugueses, porque as pessoas percebiam que não era o Estado que teria um polícia para bater à porta de cada um para contar se estavam seis ou cinco pessoas à mesa”, defendeu, considerando que tais restrições seriam inúteis.
Por isso mesmo, Costa disse que, em última análise, o Governo é sempre o responsável, mas que o problema tem um cariz coletivo e houve outros fatores que contribuíram para o aumento dos casos, como a onda de frio que se fez sentir ouos movimentos de crescimento exponencial a ocorrer na Europa
“Se é mais prático dizer que foi o Governo, que fui eu, ficamos com o caso arrumado. Não resolve o problema, o essencial não é isso”, atirou, sublinhando que, todavia, "não há um julgamento coletivo a fazer" pois a gestão da pandemia sempre se fez com um "equilíbrio no fio da navalha”.
“Sempre que aligeiramos as medidas, isso faz aumentar a pandemia. Sempre que restringimos as medidas, isso atinge duramente a economia. Mas temos sempre de privilegiar aquilo que é fundamental, que é a situação sanitária, por isso neste momento não podemos hesitar e a mensagem a passar é que temos mesmo de fechar”, adiantou.
Mais tarde na entrevista, António Costa admitiu preocupação com a "infinidade de tempo" que se perde "discutir exceções" às regras, considerando que o facto de uma loja estar aberta não é sinal de que as pessoas se devam deslocar para a mesma. “O objetivo é que as pessoas fiquem em casa”, sinalizou.
Já quanto à fiscalização das motivações das pessoas para sairem de casa , Costa deixou um aviso: "A polícia, em regra, tem bom olho para saber quem está a aldrabar e quem está de boa fé", disse. O primeiro-ministro quis deixar claro ainda que "quando as pessoas confinam como devem, isso produz efeito".
Confinamento durará um mês. Costa defende abertura das escolas
Questionado em seguida porque é que, face ao aumento de casos que se temia depois do Natal, não foi desde logo decido um endurecer das medidas, o primeiro-ministro defendeu que a adoção de medidas precoce teria sido injustificada aos olhos da ciência, já que na primeira semana de janeiro os números ainda eram muito baixos face à redução dos testes feitos.
“Se a reunião do Infarmed não tem sido esta semana mas a semana passada, estávamos com 3900 casos, seguramente não teríamos justificação para adotar as medidas que agora adotamos", defendeu, indicando que o Governo sempre foi "tomando as medidas em função da melhor avaliação científica disponível”.
Pelo contrário, criticando quem acusa o Governo de se atrasar a levar o país para confinamento, António Costa disse que é "é muito fácil para quem não está ao volante dar palpites" e que "as pessoas têm memória curta”. “Ainda na semana passada, eu vi o PSD dizer que era necessário alargar o período de funcionamento dos restaurantes das 13:00 para as 15:30”, atirou.
A sua atuação, portanto, será a de ir "modelando estas medidas”, sendo que a prioridade é de "quebrar radicalmente esta curva que está em crescimento exponencial”, admitindo que tal levará, pelo menos, um mês.
“Seria muito imprudente criar a ilusão aos portugueses que em menos de um mês podemos voltar ao ponto em que estávamos antes destas medidas”, afirmou, acreditando, porém, que "o custo para o país deste confinamento vai ser enorme”.
Questionado pelos jornalistas da TVI quanto à decisão de manter as escolas abertas, António Costa defendeu a decisão do Governo, recordando que o risco da covid-19 é baixo até aos 12 anos e que "a escola tem sido um lugar seguro", recordando que "o primeiro período ocorreu com um número de casos diminuto, nenhum surto nasceu na própria escola”. “Não é por acaso que houve um grande acordo na comunidade escolar”, sublinhou, rejeitando as opiniões científicas contrárias ao dizer que "há especialistas para todos os gostos".
Por outro lado, o primeiro-ministro alertou para os perigos da interrupção do ensino presencial, que já "teve um custo imenso no processo de aprendizagem” no ano passado e que é difícil recuperar alunos para trás. “Quando eu fecho um estabelecimento, por muito pouco que seja o apoio que o Estado dá, é possível compensar as perdas. A perda de um processo de aprendizagem não tem compensação”, disse.
“Não podemos destruir uma geração e afetá-la dois anos lectivos consecutivos na sua aprendizagem", afirmou o primeiro-ministro, adiantando que "quando a covid-19 passar, haverá um país para continuar".
António Costa, porém, admitiu recuar e fechar as escolas se as medidas desta fase do confinamento não fossem suficientes, lembrando o que disse quando anunciou o desconfinamento do país no final de abril. “Eu sempre disse que não teria nem rebuço nem vergonha em recuar naquilo que estávamos a fazer”, recordou.
No entanto, o primeiro-ministro voltou a colocar a tónica do discurso na boa preparação das escolas para lidar com a pandemia e manter o ensino presencial em simultâneo. Costa porém, foi confrontado com a ausência da testagem prometida nas escolas, assim como no facto dos professores e auxiliares educativos não serem neste momento prioritários na vacinação.
“Esses critérios têm de ser definidos pelos especialistas”, reagiu o primeiro-ministro, dizendo que é preferível manter a estratégia assim do que seguir “critérios políticos”. “Eu não me vou substituir aos técnicos para dizer quem é prioritário”, atirou.
Costa quer “bazuca europeia” a disparar até junho
Passando para o tema da crise económica que a pandemia criou e ainda vai piorar, António Costa disse que "estamos a viver uma crise económica profunda, sem paralelo e à escala global, ao contrário do que aconteceu na crise anterior", de cariz nacional. "Felizmente, as empresas portuguesas têm mostrado muito maior resiliência do que aquilo que se temia no início desta crise", sustentou.
De acordo com o primeiro-ministro, o Governo tem a estimativa de que o PIB caiu 15 mil milhões de euros e que o conjunto das medidas de apoio às empresas e famílias somam nas suas diversas modalidades, entre aumento de despesa e quebra de receita, 22,9 mil milhões de euros.
"Vamos duplicar os apoios de forma a auxiliar as empresas que agora temos de encerrar, e a ministra da Cultura [Graça Fonseca] já apresentou um programa superior a 42 milhões de euros para apoiar diversas situações no seu setor - um dos mais duramente atingidos. Estamos perante uma crise muito dura, em relação à qual tem havido felizmente maior resiliência" do que o esperado, reforçou.
António Costa referiu depois que se sabe que a raiz da atual crise "não está na economia, mas, antes, na saúde", frisando, neste contexto, que "ninguém pode ter a ilusão de que se vai passar por esta pandemia só com danos na saúde e nas vidas".
"Vai ter um impacto muito grande na economia e no emprego. Antes de 2022 não regressaremos ao ponto em que estávamos em 2019, o que significa três anos perdidos", lamentou.
Neste ponto, o primeiro-ministro salientou que "um dos grandes objetivos da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia é conseguir pôr neste semestre a famosa bazuca a disparar, ou seja, o dinheiro a chegar efetivamente aos diferentes Estados-membros".
"Há muito trabalho ainda pela frente", advertiu logo a seguir.
Interrogado sobre a dimensão da dívida pública portuguesa, António Costa começou por alegou que Portugal entrou na atual crise "em melhores condições do que na anterior" de 2010, depois de um excedente orçamental em 2019.
"Podemos encarar com confiança a situação que temos pela frente. Desta vez, a União Europeia reagiu prontamente e, apesar do aumento da dívida e do défice em Portugal em 2020, na quarta-feira conseguiu-se uma emissão de dívida histórica", disse.
António Costa salientou que a emissão de dívida a dez anos feita por Portugal na quarta-feira teve taxa negativa, "o que significa que, fruto da solidariedade europeia e da boa gestão orçamental, os mercados olham para o país de uma forma muto diferente do que na crise anterior".
"Enquanto na crise anterior os juros dispararam, Portugal, na quarta-feira, conseguiu uma coisa histórica: Uma emissão em plena crise com juros negativos", acrescentou.
Saúde privada? Governo não tem "bloqueios ideológicos" nem "má vontade"
Na reta final da entrevista, o primeiro-ministro foi interrogado se o Governo pondera proceder à requisição civil de meios privados da saúde para fazer face à covid-19 - uma questão que classificou como reveladora do "excesso de debates artificiais" existente no país.
"Ainda hoje, durante toda a tarde, o Ministério da Saúde esteve reunido com os três grandes grupos privados da cidade de Lisboa - isto, porque no Norte e no Centro a questão está resolvida e os acordos têm funcionado muito bem. Em Lisboa, dos grupos privados, houve um, que foi o grupo CUF, que disponibilizou de imediato 20 camas, mais 20 para a semana e mais 20 na outra a seguir", disse.
Os outros dois grupos privados, "infelizmente", de acordo com António Costa, "não estão em condições para disponibilizar ainda camas".
"Portanto, não vale a pena estarmos aqui neste jogo. Há uma coisa que é preciso ter clara: não há aqui nem bloqueios ideológicos nem má vontade de uns nem má vontade de outros", frisou.
Além da questão relativa ao número de camas, o líder do executivo foi interrogado se poderá haver requisição civil de profissionais do privado que fazem falta ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).
"Legalmente, é. Mas, como diz o decreto do senhor Presidente da República, o Estado deve procurar chegar a acordo com o setor social e com o setor privado para satisfazer essas necessidades. É assim que temos feito. Até agora, não necessitámos de chegar à figura da requisição. Não chegámos até agora a um momento de necessidade da requisição para resolver os problemas", salientou.
Perante a insistência no tema da requisição civil de privados, o primeiro-ministro insistiu que a linha do Governo é "ir ao limite do que é possível sem imposição, sempre por negociação, mas não deixar de impor sempre que a negociação não for suficiente".
"É com este equilíbrio, com este bom senso, que nós temos atravessado esta crise que vai fazer quase um ano. Já houve vários momentos - recordo - em que estivemos à beira da rutura. E temos vindo a conseguir aumentar a capacidade instalada", apontou.
A meta, segundo António Costa, é Portugal chegar a março deste ano atingindo a média europeia.
"Temos hoje cerca de metade desse percurso praticamente percorrido e vamos chegar a março com esse objetivo" prometeu.
Em relação à vacinação, o primeiro-ministro defendeu que o processo "tem estado a decorrer com grande tranquilidade e normalidade".
Confrontado com a tese de que é necessário acelerar o processo de vacinação, o líder do executivo deixou a seguinte pergunta: "Acelerar o processo como, se não há mais vacinas?"
"Todas as vacinas que chegam têm vindo a ser imediatamente distribuídas e imediatamente aplicadas. Não temos vacinas por aplicar. As vacinas que estão por aplicar são as que nós temos de manter de reserva para a segunda dose", justificou.
Já sobre as críticas ao facto de os mais altos responsáveis do Estado Português ainda não estarem vacinados, o primeiro-ministro remeteu a definição das prioridades para a comissão técnica.
"A comissão técnica definiu uma primeira fase, uma segunda e uma terceira fase. Provavelmente, dentro da primeira fase, quando chegarmos ao grupo dos serviços essenciais, porventura essa questão se colocará. Mas nessa altura a comissão definirá o que entende que devem ser considerados os serviços essenciais", acrescentou.
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