Ainda Montenegro não tinha sido atingido com tinta verde, já o quarto dia de campanha tinha começado com grandes temas.
O tema do dia foi trazido pelo vice-presidente do CDS-PP, ex-secretário de Estado e candidato por Lisboa nas listas da Aliança Democrática (AD), Paulo Núncio, quando este defendeu a realização de um novo referendo ao aborto num evento organizado pela Federação Portuguesa pela Vida (FPV).
Citado pela Rádio Renascença, referiu que: “Depois de a liberalização ter sido aprovada por referendo, embora não vinculativo, mas com significado político, é muito difícil reverter a lei apenas no parlamento. Acho que a única forma de revertermos a liberalização da lei do aborto passa por um novo referendo”.
Estas palavras do antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foram proferidas ao lado do vice-presidente do Chega, Pedro Frazão.
Núncio defendeu ainda a implementação de iniciativas que limitem "o acesso ao aborto” caso não seja possível revertê-lo, e deu como exemplo as taxas moderadoras, medida introduzida pelo governo PSD/CDS-PP, em 2015, e que foi depois revogada pela maioria parlamentar de esquerda.
No entender de Núncio, é necessário "reverter as políticas de esquerda”. “Defendemos a criação de um fundo de emergência para famílias que pensam recorrer ao aborto por razões materiais, por exemplo, razões do foro financeiro ou falta de apoio logístico e familiar. Será uma ajuda financeira, um balão de oxigénio para salvar uma vida”, afirmou.
O que pensa a AD?
O presidente do CDS-PP salientou que um novo referendo ao aborto em Portugal não consta do acordo de coligação da Aliança Democrática, e rejeitou que seja "tema para a próxima legislatura".
“O que o Paulo Núncio disse foi uma afirmação de grande respeito democrático. Disse que um resultado de um referendo só pode ser alterado por outro referendo. Ponto dois: este tema não é um tema que conste do acordo de coligação, não constando no acordo de coligação, não é tema para a próxima legislatura”, salientou.
Por último, Melo afirmou que “em relação ao tema” a posição do CDS-PP — que é contra a interrupção voluntária da gravidez – é conhecida.
“Sabem que o CDS é o mesmo e, portanto, aquilo que o CDS sempre foi é aquilo que o CDS sempre é. Dito isto acho que está esclarecido”, sublinhou.
Já o presidente do PSD, Luís Montenegro, assegurou também que a AD não vai mexer na lei do aborto na próxima legislatura, considerando que este é um assunto arrumado e que a posição de Paulo Núncio só a ele vincula.
"Esse assunto é um assunto que está absolutamente arrumado. Nós não vamos ter nenhuma intervenção nesse domínio na próxima legislatura", declarou aos jornalistas.
Interrogado sobre a posição do vice-presidente do CDS-PP Paulo Núncio, quarto candidato pela AD no círculo de Lisboa, a favor de um novo referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), o líder do PSD apontou-a como uma "expressão individual e apenas e só a comprometer e a vincular o doutor Paulo Núncio".
"O que os portugueses querem saber é qual é a minha [posição] e o comprometimento da AD, e esse é muito claro: nós não vamos mexer nesta legislação. É tão simples quanto isso", acrescentou Montenegro.
O que disse o PS?
Como se previa, estas declarações não foram ignoradas pelo líder do PS, que em declarações aos jornalistas sublinhou que a legalização do aborto “é um assunto resolvido na sociedade portuguesa” desde que foi referendado, em 2007.
“Aquilo que nós vemos é uma AD a querer voltar para trás. Voltar para trás para onde? Ao tempo da prisão, da criminalização e do risco de vida para a mulher? Porque esse tempo nós já o ultrapassámos. Nós queremos apontar para o futuro, não é apontar para o passado”, afirmou.
Também a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, condenou as declarações de Paulo Núncio.
“Mais uma cambalhota: agora a AD defende um novo referendo sobre o aborto. Não passarão. Com o PS o direito de escolha das mulheres deste país estará protegido. Queremos um Portugal de futuro e não um regresso ao passado”, escreveu no Facebook Ana Catarina Mendes, cabeça de lista do PS por Setúbal.
Confrontado com o facto de a declaração ter sido feita por Paulo Núncio e não pelo líder do PSD, Pedro Nuno Santos contrapôs que se trata de uma coligação e “essa separação não pode estar sempre a ser feita”.
“Quem traz o Pedro Passos Coelho para a campanha não fui eu, foi a AD, quem faz uma coligação com o CDS não fomos nós, foi a AD, foi o líder do PSD. Essa separação não pode estar sempre a ser feita: nós somos responsáveis por quem trazemos para a nossa campanha, para o nosso projeto”, defendeu.
O secretário-geral do PS insistiu que a AD apresenta “um projeto de recuo, de regresso ao passado, e tem de ficar claro isso”.
Já não é a primeira vez que se aborda a reversão da lei do aborto
Recorde-se que a lei da "Despenalização do aborto" foi aprovada no contexto de dois referendos. O primeiro, em 1998, onde o “Não” à despenalização da interrupção realizada por opção da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, venceu com 50,91% dos votos. No segundo, já no governo de José Sócrates, em 2007, o “Sim” venceu com 59,25%.
A 17 de abril de 2007 foram publicadas no Diário da República as alterações que passaram a permitir a realização do aborto a pedido da mulher, de acordo com os resultados do referendo de 2007.
Mais tarde, ainda antes de ser eleito em 2011, o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho já defendia reavaliar a lei do aborto, numa entrevista à Rádio Renascença.
“Eu acho que precisamos fazer, tal como, de resto, estava previsto, uma avaliação dessa situação. Eu estive, há muitos anos, do lado daqueles que achavam que era preciso legalizar o aborto – não era liberalizar o aborto, era legalizar a interrupção voluntária da gravidez. Porque há condições excecionais que devem ser tidas em conta e não devemos empurrar as pessoas que são vítimas dessas circunstâncias para o aborto clandestino. Mas não fui favorável a esta última alteração, na medida em que me pareceu que o Estado tinha obrigações que não cumpriu”, terá dito.
Na altura admitiu inclusivamente novo referendo sobre esta matéria, que nunca chegou a acontecer.
Em 2015, o governo PSD/CDS-PP reintroduziu as taxas moderadoras para a realização de uma IVG, a obrigatoriedade de consultas com um psicólogo e técnico de serviço social e a possibilidade de médicos objetores de consciência participarem nas várias fases do aconselhamento. No ano seguinte, já no governo de António Costa, as medidas seriam revogadas.
Aos dias de hoje sabe-se que as declarações do vice-presidente do CDS-PP surgem depois da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) ter defendido esta terça-feira o alargamento do prazo para a interrupção voluntária da gravidez das dez para as doze semanas e que o período de três dias de reflexão se torne facultativo.
Portugal é um dos três países europeus onde a idade gestacional em que se pode fazer interrupção voluntária da gravidez (IVG) é de 10 semanas e seis dias, disse a especialista Ana Campos numa conferência de imprensa, em que estiveram também Maria José Alves e Idalina Rodrigues, médicas que estiveram envolvidas na luta pela despenalização do aborto.
Salientando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) também recomenda as 12 semanas, Ana Campos defendeu, numa conferência de imprensa da UMAR sobre o referendo de 11 de fevereiro de 2007 pela despenalização do aborto e a aplicação da lei, que Portugal devia “acompanhar estas decisões e mudar a lei para as 12 semanas”.
*com Lusa
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