Após cerca de 35 anos de dedicação exclusiva ao sindicalismo, o secretário-geral da Intersindical prefere voltar ao seu posto de trabalho, como eletricista, do que reformar-se de imediato, apesar de a sua carreira contributiva de 46 anos lho permitir.
“Vou-me apresentar na Carris depois do congresso da CGTP, porque decidi que quero voltar à minha empresa e mostrar que, independentemente das responsabilidades sindicais que tive, vou voltar às origens, vou regressar como operário chefe”, disse o sindicalista em entrevista à agência Lusa.
Arménio Carlos foi eleito secretário-geral da CGTP há exatamente oito anos - a 27 de janeiro de 2012 - vai deixar a central sindical no próximo congresso, que se realiza em 14 e 15 de fevereiro. Assegura que decidiu sozinho, há três anos, que ia voltar à Carris, porque “ninguém está acima de ninguém” e, por isso, teve o seu salário congelado durante 10 anos, tal como os trabalhadores da Carris.
Quer contactar com os novos colegas e contribuir para a resolução dos problemas laborais da Carris, a cujos quadros pertence há 46 anos, lembrando que esta empresa “sempre foi um polo de intervenção social, que não se pode perder”.
O secretário-geral da CGTP completou os 64 anos em junho e, tendo em conta uma regra interna da central sindical, não pode recandidatar-se, porque iria atingir a idade de reforma durante o próximo mandato.
Segundo o sindicalista esta é uma situação perfeitamente pacífica, que não tem gerado qualquer polémica na central, porque é do entendimento geral que o sindicalismo deve ser desenvolvido por trabalhadores no ativo, além de que assim está sempre garantida a renovação dos quadros.
“Isto não quer dizer que os dirigentes que saem não possam participar no movimento sindical, podem pertencer às assembleias-gerais dos seus sindicatos, mas não nas direções. Não podemos correr o risco de os dirigentes se tornarem insubstituíveis”, disse.
Arménio Carlos fez um balanço positivo dos anos de dedicação ao sindicalismo, apesar de ter perdido a possibilidade de progredir na sua carreira. “Saio mais rico em termos pessoais, não em termos materiais. Aprendi muito”, disse.
A escolha do novo secretário-geral da Inter será feita no congresso de 14 e 15 de fevereiro, mas ainda não se sabe quem será o sucessor de Arménio Carlos.
“O que me interessa, independentemente de quem assuma a liderança, é que se continue a dar sequência às grandes reivindicações dos trabalhadores com coerência, rigor e seriedade”, afirmou.
O sindicalista assumiu que o que mais o marcou, nos oito anos de liderança da Inter, foi “a confiança demonstrada pelos trabalhadores nos sindicatos da CGTP”.
“No período de intervenção da ‘troika’, os trabalhadores, quer do setor público, quer do setor privado, nunca deixaram de responder à chamada da CGTP para manifestar o seu repúdio pelas políticas que promoviam o corte nos direitos e nos rendimentos (…), por outro lado, também o contributo indispensável que deram com essa mesma luta para que se conseguisse retirar a maioria absoluta aos PSD/CDS e abrir o caminho para uma outra solução”, salientou.
"O PS queria uma maioria absoluta mas não a conseguiu, nem conseguirá enquanto tiver políticas que põem em causa os direitos dos trabalhadores"
Arménio Carlos acusa o Governo socialista de ter frustrado as expectativas dos trabalhadores, não resolvendo os seus principais problemas, e considera que, em resposta, foi penalizado nas últimas eleições legislativas, não alcançando a desejada maioria absoluta.
"O Governo do Partido Socialista optou por não dar sequência, na área laboral, àquilo que eram expectativas que tinham sido criadas, o que levou não só a manter a política laboral de direita como até a agravá-la, com a revisão da legislação do trabalho do ano passado. Assim, as expectativas que alguns tinham criado transformaram-se em frustração", disse Arménio Carlos em entrevista à agência Lusa.
Por isso, segundo o sindicalista, e tal como a CGTP defende, os trabalhadores perceberam que os seus problemas não se resolvem sem contestação e mostraram o seu descontentamento e indignação nos últimos tempos com diversas formas luta.
"O descontentamento e a indignação transformaram-se também numa resposta ao Governo nas últimas eleições, em outubro, pois o PS queria uma maioria absoluta mas não a conseguiu, nem conseguirá enquanto tiver políticas que põem em causa os direitos dos trabalhadores", afirmou, considerando que foi um "cartão amarelo" dos trabalhadores ao Governo.
Arménio Carlos reconheceu que a primeira fase do governo do PS, com a chamada 'gerigonça', foi positiva para os trabalhadores portugueses porque lhes foram devolvidos alguns dos rendimentos e direitos retirados durante o período de intervenção da ‘troika’ e foi instituído um clima de diálogo.
"Nunca tivemos tantas reuniões, nunca tivemos tanto diálogo, mas no que respeita ao que era estruturante (...) poucas ou nenhumas respostas, eu diria mais: muita parra e pouca uva", considerou. Referiu, como exemplo, a necessidade de desbloquear a contratação coletiva, retirando da legislação laboral a norma da caducidade.
O sindicalista lembrou que em novembro de 2015, quando o governo PSD/CDS foi rejeitado, a CGTP manifestou ao executivo socialista disponibilidade para se "encontrar soluções programadas no tempo" para dar resposta às necessidades dos trabalhadores.
Mas também deixou claro, na mesma altura, que as reivindicações dos trabalhadores não podiam ser comparáveis às obras de Santa Engrácia, que foram anunciadas mas nunca foram acabadas.
"Em relação às reivindicações dos trabalhadores foi precisamente isso que nós tivemos. Não houve resposta objetiva àquilo que era exigível, desejável e justificável que acontecesse e daqui resultou aquilo que se verificou nos últimos dois anos, que foi o aumento da contestação, da indignação, da luta (...) no setor privado e no setor público", disse.
Em termos cronológicos, o sindicalista considerou que o ano de 2016 foi de algumas conquistas, mas o de 2017 já foi de estagnação, o que suscitou a reação dos trabalhadores, "pois o processo tinha de ser evolutivo".
Lembrou que, apesar de tudo, a CGTP não deixou de apresentar propostas para melhorar as condições de vida e de trabalho dos portugueses, mas a falta de resposta empurrou-a para a contestação.
A melhoria dos rendimentos, o combate à precariedade e à desregulação dos horários de trabalho e o respeito pela liberdade sindical são algumas reivindicações pelas quais a Intersindical tem vindo a bater-se e que vão estar na base da conflitualidade laboral que Arménio Carlos prevê para este ano.
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