Em entrevista à Agência Lusa, a propósito do lançamento do seu mais recente livro, “Falcó”, Arturo Pérez-Reverte, falou sobre Espanha, escusando-se a dar diretamente a sua opinião quanto ao processo de independência da Catalunha. “Não quero falar, é um tema tão estupidamente absurdo que não quero falar sobre este tema, deixem-me de fora da Catalunha, não quero saber nada disso”, afirmou.
Contudo, questionado sobre o futuro de Espanha caso a Catalunha declare a independência, o escritor foi taxativo: “Isso não vai acontecer, é impossível”. “A curto ou médio prazo é impossível, é um processo absolutamente contrário a qualquer lei da lógica, então não pode acontecer”, acrescentou.
Para Arturo Pérez-Reverte, o processo em causa “transcende a Catalunha, é um problema da Espanha atual e do mundo atual, que é a “falta de Cultura”.
“Quando se criam gerações de jovens sem memória histórica, quando a História desaparece das escolas, os jovens são presas fáceis e manipuláveis pelos sem-vergonha e medíocres e canalhas da política. É um problema de cultura, na Catalunha, como em toda a Europa, é um problema de cultura, porque sem cultura, sem jovens e nações cultas é impossível que algo funcione bem na Europa, falo de Portugal, de Espanha e do resto da Europa”, disse.
Mostrando-se “pessimista” em relação ao futuro, o escritor considera que Lisboa é mais um exemplo de como a cultura da Europa “está a morrer”, em grande parte devido ao excesso de turismo.
"Portugal entrou nessa dinâmica diabólica do turismo e creio que no futuro, culturalmente, Lisboa está condenada"
“Um turismo inculto, massivo, analfabeto, que só produz algum dinheiro, mas que acaba por destruir muito, e Portugal entrou nessa dinâmica diabólica do turismo e creio que no futuro, culturalmente, Lisboa está condenada como estão outras cidades de Europa”, vaticina.
Assinalando que há muitos anos que vai a Lisboa, cidade que considerava um dos últimos “refúgios” a salvo na Europa, o escritor diz que cada vez a “conhece menos”, com “milhares de turistas que estão a arrasar a cidade, que não a compreendem, não a conhecem, não a querem conhecer, não se preocupam em entender, nem tão pouco em aprender a dizer ‘obrigada’”.
“Falcó”: Reverte revisitou a “crueldade e estupidez” que presenciou enquanto repórter de guerra
O mais recente romance de Arturo Pérez-Reverte, “Falcó”, levou o autor a reviver as experiências de “crueldade e estupidez” do ser humano, de dor e morte que presenciou durante os 21 anos em que foi repórter de guerra.
O livro, que está a partir de hoje nas livrarias portuguesas, conta a história de um espião e ex-contrabandista de armas sem escrúpulos, que se encontra a mando dos serviços de inteligência franquistas, durante a Guerra Civil Espanhola, em 1936, com a missão de libertar um detido da prisão.
“Os anos 1930 foram uma época muito interessante na História da Europa, lugar de espionagem, fascismo, comunismo, de lutas revolucionárias, mas por outro lado, de roupas muito elegantes, de maneiras, era um mundo muito interessante, não tão inglório como agora, era um mundo fascinante”, disse o escritor, em entrevista à Lusa, justificando a escolha do tema para o romance.
A personagem que criou para se movimentar nesse meio é Lorenzo Falcó e, apesar de já ter escrito vários livros sobre guerras, nesta história a Guerra Civil Espanhola não é o objetivo, “é o fundo decorativo”, explicou.
Arturo Pérez-Reverte assume que um dos grandes desafios deste livro foi conseguir que “o leitor adotasse como companheiro de leitura um torturador, assassino, sem escrúpulos, amoral por completo”, e para isso teve que apresentar como contrapartida virtudes que o compensassem: “elegante, simpático, encantador, sedutor, um homem que gosta muito das mulheres e de quem as mulheres gostam”.
O escritor admite que se identifica com a personagem de Falcó, indiferente às causas e ideologias e até à humanidade, devido às duas décadas que viveu em países em guerra. “Partilhamos os mesmos pontos de vista sobre o mundo, sobretudo (Falcó) partilha da minha fé indestrutível na capacidade de crueldade e estupidez do ser humano e esse é o território em que ele se move”, afirmou.
A ambivalência da personagem – entre o mau e o bom – está igualmente presente na corrente da história, que retrata ações de fascistas, comunistas, socialistas e anarquistas, sem deixar transparecer simpatia por nenhuma das fações.
Arturo Pérez-Reverte explica que das reportagens de guerra que fez, na maioria guerras civis, aprendeu que entre duas fações há uma “declaradamente dos bons e outra dos maus” - sendo que na Guerra Civil Espanhola, “os bons eram os da República e os maus eram os Franquistas” -, mas que quando se convive com os protagonistas das guerras, “a linha já não está tão clara, é tudo mais confuso”.
“Falcó beneficia desse conhecimento, vive num mundo em que os bons e os maus não estão nada claros, às vezes são bons outras vezes são maus, e ele não tem uma ideologia, uma simpatia politica concreta, é um mercenário, um amoral, um homem para quem a aventura, a adrenalina, as mulheres, o luxo e a ação são os valores fundamentais”, diz.
Para descrever as ações da personagem, na sua faceta mais cruel e violenta, bem como as cenas de morte e tortura, com todas as descrições de expressões faciais e sintomas físicos, Reverte socorreu-se da sua própria memória, usando “artefactos literários narrativos que beneficiam” da sua “experiencia pessoal”.
“Quando escrevo estas aventuras sobre violência tortura e morte, não me contaram, não é teoria nem imaginação, não aprendi numa conversa de bar nem numa conferência, nem num livro ou num filme, eu vivi-o, durante 21 anos vi muita gente como o Falcó, eu vi torturar, vi matar, por isso eu sei como é um cadáver, como é a pele de um homem sob tortura, os suores frios, eu toquei-lhes”, recorda.
Uma história que termina e outra que começa em Portugal
Para escrever os seus romances, Arturo Pérez-Reverte viaja até aos lugares onde as histórias se passam, frequenta os restaurantes, lê, tira fotografias e sobretudo respira o ambiente que respiram as suas personagens, conta.
Foi o que aconteceu com este livro, cuja história termina no Estoril, onde o escritor esteve três semanas a trabalhar, porque Portugal era, na altura, “um lugar importante, de tráfico, de espionagem, de conspirações”.
E é em Portugal, na cidade de Lisboa, que começa o seu próximo romance, “Eva”, que sai em Espanha nos próximos dias, que recupera o espião Falcó e uma das suas companheiras de missão, uma personagem feminina “muito forte”.
Aliás, o escritor sublinha a importância que dá à personagem feminina que não é a clássica “esposa” ou “mãe”, como Anna Karenina ou Madame Bovary.
“A mulher é um tema muito interessante, as minhas mulheres são muito poderosas, perigosas, duras, cruéis também, de uma grande força intelectual e de personalidade, mulheres lutadoras, comunistas, franquistas, ativistas, esse tipo de mulher combativa interessa-me muito na vida real e nos romances”, declara.
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