Qual é a notícia?

O Tribunal Constitucional (TC) declarou hoje constitucional a lei que altera a regulação das ordens profissionais, segundo anúncio efetuado a partir do Palácio Ratton. O Presidente da República — que tinha enviado o diploma para o TC para fiscalização prévia —  assegurou pouco a intenção de promulgá-lo “imediatamente”.

No entanto, as associações visadas — representadas pelo Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) — já fizeram saber que consideram esta lei  "inapropriada" e prometem contestá-la de outras formas.

Que lei é essa?

Foi aprovada a 22 de dezembro de 2022 na Assembleia da República.

O texto final, que juntou as propostas iniciais do PS e do PAN e acolheu propostas de alteração do PSD e do PCP, foi aprovado com os votos a favor do PS, Iniciativa Liberal (IL), PAN e do deputado social-democrata Alexandre Poço, que apresentou uma declaração de voto. PSD, Chega e PCP votaram contra, ao passo que Livre e BE abstiveram-se.

Entre os aspetos mais fulcrais deste diploma estão a alteração das condições de acesso a algumas profissões — como advogado, contabilista ou médico —, a introdução de estágios profissionais remunerados e criação de um órgão disciplinar (não previsto na anterior lei-quadro), que prevê a fiscalização sobre a atuação dos membros das ordens profissionais.

Porque é que esta lei surgiu agora?

Como escreveu o Eco no início do ano, esta iniciativa legislativa surgiu “na sequência dos alertas da Comissão Europeia e da OCDE relativamente ao facto de em Portugal existirem demasiadas restrições no acesso às atividades profissionais, prejudiciais à nossa atividade económica”.

No entanto, o que precipitou este diploma foi o facto da aprovação da terceira tranche do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) — de 2,4 mil milhões de euros — estar dependente, noticiou o Eco, de alterações relacionadas com a desregulamentação das ordens profissionais, nomeadamente “a sua fiscalização por entidades exteriores” e “o fim do acesso reservado da atividade a profissionais inscritos nas mesmas”.

E porque não foi logo promulgada pelo Presidente da República?

Por temores de uma potencial inconstitucionalidade do diploma — o que, de resto, foi apontado pelo CNOP.

Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a 1 de fevereiro considerar que “o decreto da Assembleia da República suscita dúvidas relativamente ao respeito de princípios como os da igualdade e da proporcionalidade, da garantia de exercício de certos direitos, da autorregulação e democraticidade das associações profissionais, todos previstos na Constituição da República Portuguesa".

"Tendo em atenção a certeza e a segurança jurídicas, o Presidente da República decidiu submeter a fiscalização preventiva de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, o decreto da Assembleia da República que altera a legislação relativa às associações profissionais e o acesso a certas profissões reguladas", lê-se na nota.

Quais eram as dúvidas de Marcelo?

Na carta enviada ao Tribunal Constitucional, o Presidente da República pediu a apreciação de normas sobre avaliação dos estágios, composição de órgãos disciplinares, incompatibilidades entre o exercício de funções nos órgãos de associações públicas profissionais e o exercício de funções dirigentes na função pública, provedores dos destinatários de serviços e órgãos de supervisão.

De resto, o Conselho Nacional das Ordens Profissionais estava bastante confiante na potencial inconstitucionalidade do diploma, tanto que destacou a “grande convergência” de posições que assumiu com a Provedora de Justiça.

“A redução da autonomia das ordens prejudica a defesa do interesse público. As ordens são associações públicas profissionais que têm como principal atribuição a defesa do interesse público, assegurar a qualidade do serviço prestado aos utilizadores finais”, afirmou o presidente do CNOP, António Mendonça, frisando: “o diploma que seguiu para apreciação da constitucionalidade põe em causa e condiciona as ordens nesta sua função de controlo dos serviços prestados pelos seus membros”. “Em última análise, prejudica os cidadãos e as empresas que recorrem a esses serviços”, acrescentou.

Disse ainda que o CNOP repudia “a diminuição imposta ao funcionamento e organização das ordens em termos democráticos”, considerando que “põe em causa o princípio constitucionalmente consagrado da autorregulação das profissões qualificadas”.

E qual foi o resultado?

O Tribunal Constitucional foi indiferente aos apelos das ordens, dizendo não encontrar nenhum desrespeito de princípios ou normas constitucionais na lei.

“O Tribunal Constitucional não considerou desrespeitados quaisquer princípios ou normas constitucionais, não se pronunciando consequentemente no sentido da inconstitucionalidade de nenhuma das disposições fiscalizadas”, disse hoje o presidente do TC, João Caupers.

E Marcelo?

Pouco depois, o Presidente da República assegurou que irá promulgar o diploma. “Chegada a comunicação do TC, eu promulgo imediatamente o diploma”, garantiu.

Em declarações aos jornalistas no final de uma cerimónia no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, Marcelo referiu que o seu pedido de fiscalização prévio de constitucionalidade se deveu à mesma razão de sempre: “certeza e segurança”.

“Havia 18 ou 19 ordens profissionais que entendiam que o diploma era muito inconstitucional, o Governo entendia o contrário, tal como a maioria da Assembleia da República, nada como o TC clarificar isso”, disse.

Para o chefe de Estado, a decisão do TC “significa que deu luz verde à maioria do parlamento e ao Governo para fazer a intervenção pretendida em termos do novo regime” das ordens profissionais.

E agora?

À partida, a lei segue e será publicada em Diário da República, mas as ordens profissionais já prometeram não ficar por aqui.

Em reação ao anúncio do TC, o presidente do CNOP defendeu que, apesar de ter sido declarada constitucional, a lei é "inapropriada" para o papel e funcionamento daquelas instituições.

"A decisão de um órgão de soberania como é o TC tem que ser acatada, mas a lei é inapropriada. Esta é a nossa posição", vincou António Mendonça, adiantando que nos próximos dias a CNOP "fará um ponto da situação", após "analisar" e "ponderar" a decisão do TC.

O presidente do CNOP refutou a ideia de que as ordens profissionais têm sido um obstáculo à entrada de novos membros, realçando que o número de profissionais tem aumentado, e enalteceu o papel que as ordens profissionais exercem "na autorregulação e na salvaguarda do interesse público e da qualidade do serviço público".

Relativamente a alguns aspetos do diploma, António Mendonça aproveitou para refutar a ideia de que as ordens são corporativistas e que a escolha de pessoas externas para integrar os órgãos internos das ordens sejam uma garantia de maior "isenção" e "autonomia".

O presidente do CNOP manifestou a convicção de que o diploma em questão será ainda alvo de discussão e análise, dada a importância que as ordens representam ao integrarem profissionais altamente qualificados e de enorme importância para o desenvolvimento do país e da sua economia.

De resto, há já setores a pedir uma reação.

Quais?

Os médicos. O bastonário da Ordem dos Médicos defendeu que o CNOP deve encontrar "outras alternativas" para contestar a nova lei.

“Não vamos obviamente desistir, independentemente da posição que foi tornada pública pelo Tribunal Constitucional”, assegurou Miguel Guimarães, para quem com a nova lei, ao nível da autorregulação, as “ordens perdem a essência daquilo para que foram criadas”.

Já ​​a bastonária da Ordem dos Enfermeiros fez outro tipo de apelo. “O que eu acho que se deve fazer é ter bom senso e, portanto, não se pode obrigar as ordens a terem nos seus órgãos que decidem processos disciplinares dos seus profissionais pessoas que são de fora da profissão”, adiantou à agência Lusa Ana Rita Cavaco.

Na reação a esta decisão, Ana Rita Cavaco sublinhou que o “aviso que vinha de Bruxelas relativamente à utilização do Plano de Recuperação e Resiliência tinha, única e exclusivamente”, a ver com as barreiras de acesso às profissões reguladas e aos estágios.

“O que o PS fez foi aproveitar esse alerta para se ingerir nas ordens profissionais, com a questão do órgão de supervisão, ao querer colocar pessoas de fora no órgão jurisdicional. Isso para mim é que é gravíssimo”, alertou a bastonária dos enfermeiros.

“Como é que eu vou ter aqui pessoas de outras profissões a avaliar se um enfermeiro cometeu ou não cometeu um erro?”, questionou Ana Rita Cavaco, ao salientar que estas são decisões com fundamentação técnica.

A bastonária realçou ainda que as ordens profissionais não recebem “um cêntimo do Orçamento do Estado ou do dinheiro dos contribuintes”.

*com Lusa