A pandemia de covid-19 veio destacar a importância dos assistentes sociais nas escolas. Numa altura em que o país se confinava, continuaram a ir a casa dos alunos para identificar as suas necessidades e ajudar a resolver os problemas.
“Quando nem a Comissão de Proteção de Menores (CPCJ) fazia visitas domiciliárias, nós continuámos a ir. No primeiro confinamento não se sabia bem como é que se processavam os contágios, e ficávamos à porta de casa a falar com os miúdos e com os pais”, recordou Ana Filipa Laje, assistente social na Escola de Camarate.
As visitas domiciliárias serviam para perceber o que se passava, porque é que não estavam a ir às aulas ‘online’, porque é que os pais não atendiam os telefones ou não respondiam aos ‘emails’ enviados.
Nestas visitas, falava-se também de desemprego e contas por pagar e conseguia-se perceber se os alunos iriam conseguir fazer a próxima refeição.
Ana Laje contou que a maioria das casas já era conhecida e as visitas esperadas, mas também se procuraram novos alunos que, subitamente, se “desligaram” da escola.
A história repetiu-se por todo o país. Fátima Martins, 44 anos, chegou a fazer cerca de 200 quilómetros num só dia para chegar às casas identificadas pelo Agrupamento de Escolas de Arco de Valdevez.
Fátima Martins atravessou várias povoações. Às vezes sozinha, ao volante da carrinha da Câmara Municipal, outras vezes acompanhada, quando o destino era mais perigoso ou a zona estava identificada como não tendo rede de telefone, contou.
Encontrou casas sem computadores, sem Internet e zonas onde não havia cobertura de rede, mas ficou marcada pela aventura da família chegada da Venezuela em pleno confinamento.
“Vieram de Caracas diretos para a aldeia do Pedroso. Quando chegaram, o país estava a fechar-se por causa da pandemia e não sabiam o que fazer”, contou.
A história chegou ao seu conhecimento porque a família tinha dois filhos, que passaram agora com sucesso para o 1.º e 9.º anos de escolaridade.
“Vieram quase sem nada. Não tinham trabalho, não tinham rendimentos, nem sabiam como estavam a funcionar as escolas. Arranjámos comida, roupa e trabalho. A mãe já conseguiu um contrato de trabalho e o pai também já está a trabalhar. Penso que, se não tivéssemos aparecido, esta família poderia ter tido um percurso bastante complicado”, disse.
É esta missão de agir antes que os problemas se tornem impossíveis de contornar que é salientada por Irene Fonseca, da Associação de Investigação e Debate em Serviço Social (AIDSS).
“Há um trabalho que é feito para tentar quebrar a pobreza geracional. Os assistentes sociais vão conhecer as razões que motivam um determinado ato e tentam encontrar soluções”, contou.
Quando um aluno se porta mal ou falta às aulas, os assistentes sociais tentam ir à origem do problema, vão a casa dos alunos perceber o que se passa para descobrir como podem ajudar a inverter a situação. Além dos alunos, também as famílias são envolvidas.
“Os miúdos chegam todos os dias à escola com uma mochila, mas uns carregam uma mochila mais pesada do que outros”, disse Andreia Teixeira, assistente social na Povoa do Varzim.
Para Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), “existem alunos que são verdadeiros heróis”, tendo em conta a sua realidade familiar.
As assistentes sociais são unânimes em considerar que o sucesso do seu trabalho depende da relação de confiança que se consegue com alunos e famílias. Mas, muitas vezes, não há tempo.
“Existem poucos assistentes sociais nas escolas e a maioria está numa situação profissional muito precária”, alertou Irene Fonseca, citando um estudo de Sara Mendes, do Instituto Miguel Torga, publicado em 2019, que apontava para “um rácio de um assistente social para cada 12 mil alunos nas escolas do continente”.
Segundo o estudo, havia 112 assistentes sociais num universo de 811 escolas públicas. E é com estes números que a associação trabalha, porque “os dados pedidos aos serviços do Ministério da Educação nunca chegaram”.
Também a Lusa questionou o gabinete de comunicação do Ministério da Educação, mas não obteve qualquer resposta até ao momento.
“Além de serem poucos, não se sabe qual a sua situação laboral”, criticou Irene Fonseca.
Fátima Martins, por exemplo, trabalha no Agrupamento de Escolas de Arco de Valdevez, graças a um contrato com a autarquia conseguido através de uma empresa de trabalho temporário. Está num programa de combate ao insucesso escolar que termina em outubro.
Andreia Teixeira trabalha com os alunos do Agrupamento de Escolas da Povoa de Varzim. Com 40 anos e a trabalhar há sete em escolas, ainda não está nos quadros, mas acredita que o processo de efetivação estará concluído em breve.
Ana Filipa Laje está na escola de Camarate desde 2014. Todos os anos no verão, com o fim das aulas, chegava a “ansiedade de não saber como iria ser o próximo ano”. Até que, em março de 2020, se tornou efetiva, mas “as preocupações continuam”.
A coordenadora do gabinete de apoio não sabe qual será a sua equipa em setembro. Neste ano letivo que terminou, o gabinete tinha uma psicóloga educacional, uma mediadora socioeducativa e uma educadora infantil. Ana Laje era a única assistente social e única efetiva.
Numa escola com cerca de 500 alunos, o gabinete dá apoio a mais de 70 jovens e famílias. A estes somam-se os casos inesperados: mau comportamento dentro da sala ou no recreio, um aluno que deixou de aparecer na escola ou um pedido de ajuda.
Muitos alertas chegam porque há uma relação de confiança. São meses de trabalho “para criar uma relação empática para a intervenção funcionar”, contou à Lusa, alertando que a instabilidade profissional e mudança de equipas faz com que muito desse trabalho se perca.
Além disso, uma nova equipa obriga os alunos a terem de contar a sua história novamente. “Há um desgaste emocional muito grande”, lamentou.
Irene Fonseca lembrou que há assistentes sociais que têm “mais de 2.600 alunos na sua listagem de apoio”, defendendo que estes técnicos deveriam manter os acompanhamentos já feitos.
Também o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, reconhece o trabalho destes profissionais e lamenta que não haja mais estabilidade profissional.
“São quem trabalha de perto com as famílias, quem vai a casa saber se está tudo bem e este trabalho de proximidade é essencial para combater o abandono e insucesso escolar”, explicou Filinto Lima, sublinhando que “eles forçam, pela positiva, os alunos a não abandonar a escola”.
Os assistentes sociais estão presentes em projetos como o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Educativo, os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, o Programa Integrado de Educação e Formação, e no Plano Integrado e Inovador de Combate ao Insucesso Escolar.
Os pouco mais de cem assistentes sociais contratados no ano passado no âmbito dos projetos criados por causa da pandemia viram os seus contratos prolongados por mais um ano.
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