“Há senhorios a colocar seis estudantes num quarto ou a aproveitar um corredor para fazer um quarto. Havia um sítio onde pediam 250 euros por cama num quarto onde tinham metido seis beliches”, contou à Lusa o presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAUL), Afonso Garcia.

Para cada vez mais alunos, a solução passa por morar nos arredores da capital, onde as casas são ligeiramente mais baratas, “mas não o suficiente”. Afonso Garcia disse que “muitos ponderam deixar de estudar, porque mesmo em concelhos vizinhos não têm como pagar”.

A “vergonha” em exporem as suas situações leva a que seja Afonso Garcia a dar voz aos “bastantes casos” que chegam à associação.

A Universidade de Lisboa tem cerca de 52 mil estudantes e quase metade vem de fora. “Não há residências para todos, só para 33% dos deslocados”, lamentou Afonso Garcia, explicando que quando chegam pedidos de ajuda, a associação recorre aos serviços sociais da universidade.

Do outro lado está Helder Semedo. Já foi presidente da AAUL e agora trabalha no Conselho Geral da Universidade de Lisboa, sendo a Ação Social uma das suas pastas.

“As camas são insuficientes e quando não há vagas numa residência, procuramos encontrar no alojamento complementar”, disse Helder Semedo, sublinhando que “há muitos casos que nem sequer chegam à universidade”.

Entre esses casos, estão os alunos que não conseguem provar que pagam uma renda, porque “os senhorios não passam fatura”, exemplificou Afonso Garcia, defendendo que é preciso aumentar a fiscalização.

“Sem contrato de arrendamento os alunos ficam desamparados”, corroborou Helder Semedo, sublinhando serem “muito pontuais” as situações de despejo por falta de pagamento.

Durante a pandemia, quando Helder Semedo ainda estava à frente da associação académica, identificaram “onze casos de alunos que não conseguiram pagar”.

Afonso Garcia disse que os estudantes não querem contar a sua história mas os resultados são devastadores: “Conhecemos pessoas que deixaram de estudar ou que optaram por se candidatar a uma instituição numa cidade onde as casas são mais baratas. O estudante não estuda na universidade onde queria por uma questão dos preços das casas”.

Os alunos atravessam um período de “tristeza e vergonha por não conseguirem seguir os seus sonhos”, lamentou o presidente da AAUL.

Na primeira fase do último concurso de acesso ao ensino superior, mais de 10% dos alunos colocados não se matricularam, foram mais de cinco mil alunos que, naquele momento, não concretizaram a sua inscrição no ensino superior.

Os motivos são desconhecidos, podendo estar associados a não entrarem no curso que pretendiam, mas também a questões familiares ou financeiras.

O presidente da AAUL diz que haverá casos em que os custos de estudar fora de casa terão sido impeditivos e recordou um estudo realizado em 2022 pela associação que mostrou que “40% dos estudantes já tinha pensado em desistir de estudar”.

A falta de habitação a preços controlados também se sente no Porto, onde mais de 30% dos 70 mil alunos vêm de fora, segundo a presidente da Federação Académica do Porto.

Às associações de estudantes “têm chegado alguns pedidos de ajuda”, contou Ana Gabriela Cabilhas, que acredita haver “uma realidade escondida”.

“Certamente que existem casos que não nos chegam pela vergonha de pedir ajuda”, acrescentou.

Segundo a presidente da FAP, os alunos têm cada vez mais dificuldades em suportar os custos, porque “o orçamento disponível das famílias está a diminuir, ao passo que os custos de frequência estão a aumentar”.

Cerca de um em cada três estudantes que pagam renda admitiu que aquele custo “representa um grande esforço financeiro”, segundo o inquérito feito pela FAP no final do ano passado.

“A falta de oferta pública de alojamento e o facto de muitos estudantes estarem no mercado de arrendamento paralelo, sem contrato nem recibos de renda, explica que 18% dos estudantes deslocados que tiveram de procurar alojamento no mercado de arrendamento afirmaram já ter ponderado ou estarem a ponderar abandonar o Ensino Superior”, disse a presidente.

A falta de oferta levou o Governo a lançar, em 2018, o Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior (PNAES), que previa a duplicação das camas existentes até 2026: Na altura, havia 15 mil camas que permitiam dar resposta a cerca de 9% dos mais de 175 mil alunos deslocados.

Afonso Garcia criticou “os atrasos sucessivos” do PNAES e lembrou que os alunos “precisam dos quartos agora”.

Segundo Afonso Garcia “há mais de 48 mil casas vazias em Lisboa e algumas delas poderiam ser usadas pelos estudantes”.