A 20 de novembro de 1997, no discurso que marcou as Bodas de Ouro do casamento de Isabel II com o príncipe Filipe, a soberana deixou em palavras o retrato imediato do duque de Edimburgo: alguém que suportou o seu reinado. "Ele é alguém que não gosta de elogios, mas tem sido, simplesmente, a minha força e permanência durante todos estes anos. E eu, e toda a sua família, e este e muitos outros países, temos com ele uma dívida maior do que ele possa reivindicar ou que possamos saber".
Destacando-se pelo seu sentido de humor particular, Filipe de Mountbatten, nascido com o título de príncipe da Grécia e da Dinamarca, foi o consorte mais antigo da história da monarquia britânica. Em todos estes anos, além de ser visto como "uma rocha" para a rainha, foi também considerado um homem muito à frente do seu tempo na luta pela proteção de vários ideais, que vão desde aspetos ambientais ao apoio necessário para os mais jovens.
Na história ficam também algumas "gafes", um helicóptero que descolou dos jardins de Buckingham e a guerra perdida para que os filhos herdassem o seu apelido.
O príncipe, que ia completar 100 anos a 10 de junho, tinha saído recentemente do hospital, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica a problemas cardíacos, e regressado ao Palácio de Windsor, onde veio a falecer. Mas a vida de alguém que marca um país continua presente, mais do que não seja no legado deixado em causas sociais. Que se recorde, pois, quem foi e o que fez o consorte de Isabel II, homem de paixões e, nas palavras do próprio, "o inaugurador de placas mais experiente do mundo".
De um início de vida "turbulento" ao casamento com Isabel
A 10 de junho de 1921, nascia na ilha grega de Corfu o príncipe Filipe da Grécia e Dinamarca. Filho do príncipe André da Grécia e da princesa Alice de Battenberg, o príncipe Filipe — então com apenas 18 meses — e a família tiveram de abandonar a Grécia devido à instabilidade política criada pela guerra com a Turquia. Nessa altura, o tio, o rei da Grécia, Constantino I, foi forçado a abdicar do trono.
Este foi o primeiro episódio que leva a casa real britânica a descrever o início da vida de Filipe como "turbulento", já que passou a maior parte da juventude "a mudar de casa em casa".
Após passar parte da infância em França, estudou em Inglaterra e na Escócia e ingressou na Marinha Real britânica como cadete em 1939, seguindo os passos do avô, o príncipe Louis de Battenberg, que foi almirante da frota e primeiro lorde do mar. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi este mesmo avô do príncipe Filipe que mudou o nome da família para Mountbatten, nome que Filipe adotou quando se naturalizou britânico e renunciou ao título real para se casar com a princesa Isabel, prima em terceiro grau, a 20 de julho de 1947, na Abadia de Westminster — apenas quatro meses depois de anunciado o noivado.
Devido ao casamento, o príncipe Filipe, que detinha o título de tenente, foi agraciado com os títulos de duque de Edimburgo, conde de Merioneth e barão de Greenwich. Mantendo uma carreira militar ativa até nos primeiros anos de casamento, Filipe esteve embarcado em vários navios, incluindo durante a Segunda Guerra Mundial, e em 1952 chegou à patente de comandante. Todavia, esta carreira chegou ao fim com a morte do sogro, o Rei Jorge VI, e a proclamação da rainha Isabel II, a 6 de fevereiro desse mesmo ano. O casal teve quatro filhos: o príncipe Carlos, príncipe de Gales, que nasceu em 1948, e a Princesa Ana, que nasceu dois anos depois. Depois de Isabel ascender ao trono, tiveram mais dois filhos: o príncipe André, duque de York, nascido em 1960, e o príncipe Eduardo, conde de Wessex, nascido em 1964.
Ao longo dos anos, o casamento de Filipe e Isabel II passou por vários momentos de tensão. Logo ao início, Filipe percebeu que ser consorte da rainha de Inglaterra o relegava para um segundo plano. Privado da sua carreira naval, o duque de Edimburgo viu criado um novo papel para si mesmo: quando a coroação de Isabel se aproximava, um Mandado Real proclamou que o príncipe teria a palavra após a rainha em todas as ocasiões, apesar de nunca ter qualquer posição constitucional.
Cheio de ideias sobre a melhor forma de modernizar e agilizar a monarquia, Filipe acabou por ficar desiludido com a oposição por parte de vários membros da "velha guarda" do palácio. No que diz respeito à família, o príncipe sofreu ainda aquilo que foi considerado um duro golpe na época: não conseguir dar o seu apelido aos descendentes, por decisão da rainha.
"Eu sou o único homem no país que não tem permissão para dar o seu nome aos filhos", queixou-se a amigos. "Eu não sou nada além de uma maldita ameba [parasita]." Todavia, encontrou uma escapatória: uma vida social preenchida, com destaque para as reuniões com amigos, apenas homens, por cima de um restaurante no Soho, no centro de Londres, grandes almoços de convívio e visitas a boates. Mas não ficou por aí.
As paixões do príncipe Filipe: do ambiente ao desporto
Após visitar a Antártida e o Atlântico Sul em 1956-57, o Príncipe Filipe passou a desenvolver trabalho na sensibilização para as questões ambientais e a relação entre os humanos e a natureza — e inovou no uso de um carro elétrico na década de 1960.
Também associado à natureza estava a sua paixão pela vida selvagem, embora a decisão de disparar sobre um tigre, durante uma viagem à Índia, em 1961, tenha causado comentários negativos, piorados pela fotografia na qual o animal era exibido como um troféu. E tudo isto no mesmo ano em que se tornava presidente, no Reino Unido, do World Wildlife Fund, que mais tarde se tornou o World Wide Fund for Nature (WWF).
Em oposição a este episódio, Filipe foi bastante elogiado pelo seu compromisso em preservar as florestas mundiais e por fazer campanha contra a pesca predatória nos oceanos.
O duque de Edimburgo foi também um ativo praticante de desporto, nomeadamente de pólo, atrelagem (carruagens de cavalos) e vela, e era também um piloto qualificado, tendo sido o primeiro membro da família real a descolar um helicóptero do jardim do Palácio de Buckingham. Filipe foi também presidente da Federação Equestre Internacional por muitos anos.
Um legado que fica para a posteridade
Mas as paixões individuais cruzaram-se também com os compromissos da casa real. Em 2009, tornou-se o consorte britânico que esteve mais tempo em funções enquanto companheiro de um soberano, uma distinção anteriormente detida pela rainha Carlota, consorte do rei Jorge III.
Neste sentido, Filipe realizou mais de 22.000 compromissos públicos individuais e muitas vezes descreveu-se de forma bem-humorada como "o inaugurador de placas mais experiente do mundo". Ao longo de 67 anos, entre 1949 e 2016, o duque de Edimburgo fez 229 visitas a 67 países da Commonwealth, sem a presença da rainha.
Em 2017, o príncipe afastou-se das funções púbicas e tornou-se cada vez mais raro vê-lo em público, exceto quando participava em grandes eventos familiares. Até ao fim, era habitual ver-se Filipe a pegar nas crianças ao colo, de forma a fazê-las passar a barreira de segurança para oferecerem flores a Isabel II.
Dada esta proximidade com a população e com causas específicas, Filipe foi mecenas, presidente ou membro de 992 organizações e acumulou títulos militares de vários regimentos militares britânicos.
Um dos principais legados que deixa é o Prémio Duque de Edimburgo (DofE), criado em 1956 em colaboração com o educador alemão Kurt Hahn e John Hunt, líder da primeira escalada bem-sucedida do monte Everest, para desafiar jovens entre os 14 e 24 anos a fazer voluntariado, participar em expedições na natureza e adquirir conhecimentos fora da escola.
Kurt Hahn acreditava que os jovens têm mais coragem, mais força e mais compaixão do que imaginam, pelo que essas qualidades — se devidamente apoiadas e desafiadas — poderiam ser desenvolvidas, para o bem dos jovens e das comunidades em que vivem.
O prémio opera em mais de 140 países e inspirou milhões de jovens, sendo que a participação tem crescido a cada ano desde o início. A título de exemplo, em 2017, mais de seis milhões de pessoas participaram em programas DofE no Reino Unido — e mais de oito milhões em todo o mundo. Atualmente, Eduardo, conde de Wessex e filho mais novo de Filipe e Isabel II, desempenha o papel de presidente do Conselho de Curadoria do prémio.
Uma publicação partilhada por The Royal Family (@theroyalfamily)
António Guterres, secretário-geral da ONU, prestou homenagem ao príncipe Filipe, após a sua morte, destacando esta sua dimensão de apoio a causas sociais.
Em declaração divulgada através do seu porta-voz, Stephane Dujarric, Guterres enalteceu o "trabalho ativo para a melhoria da Humanidade" desenvolvido pelo duque de Edimburgo e "a sua dedicação a causas beneficentes, como patrono de cerca de 800 organizações, em particular as voltadas para o meio ambiente, indústria, desporto e educação".
Também o antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair descreveu o príncipe Filipe como um homem que estava muito à frente de seu tempo na luta pela proteção do meio ambiente, pela reconciliação entre as religiões e na criação de programas para ajudar os jovens.
Uma vida que também se faz de "gafes"
As tiradas, reflexo do seu sentido de humor seco, acabaram também por moldar a imagem, tendo o próprio reconhecido que se tornou numa "caricatura".
Em algumas circunstâncias, a tendência do duque de Edimburgo para ser franco foi interpretada por alguns como rudeza — o que por vezes o colocava em apuros. Desta forma, ganhou a reputação de julgar mal as situações, principalmente quando estava no estrangeiro.
Um dos seus comentários mais polémicos, enquanto acompanhava a rainha numa visita oficial à China, em 1986, envolveu uma referência aos "olhos rasgados" da população, o que causou frenesim na imprensa — mas foi praticamente ignorado pela China.
São também conhecidos outros comentários imprevistos e ofensivos do príncipe Filipe, como durante uma visita à Escócia, em 1995, onde perguntou a um instrutor de condução "Como é que mantém os nativos longe da bebida tempo suficiente para passarem no teste?", numa referência ao elevado consumo de álcool no país.
Sete anos depois, na Austrália, num evento com a comunidade aborígene durante uma visita com a rainha, perguntou: "Vocês ainda atiram lanças uns aos outros?".
Contudo, muitos viram as chamadas "gafes" como nada mais do que uma tentativa de descontração, para deixar as pessoas à vontade — o que de facto conseguia, recorrendo a um sentido de humor particular.
"Uma pessoa muito especial". As palavras que ficam sobre Filipe
Com a notícia da morte, muitas têm sido as homenagens a Filipe, duque de Edimburgo. Dentro da família real, alguns testemunhos e histórias vêm consolidar tudo aquilo que se conta acerca do homem que acompanhou até agora o reinado de Isabel II.
William, duque de Cambridge e o segundo na linha de sucessão ao trono britânico, descreveu o príncipe Filipe como "um homem extraordinário" que fazia parte de uma "geração extraordinária", afirmando sentir a falta do avô.
Na declaração divulgada através da rede social Twitter, o príncipe William assume o compromisso de prosseguir com o trabalho na coroa britânica, frisando que esse seria o desejo do duque de Edimburgo.
"Catherine [Kate Middleton] e eu continuaremos a fazer o que ele teria desejado e iremos apoiar a Rainha nos próximos anos", acrescentou William, que também publicou uma fotografia onde o avô surge ao lado do príncipe George, o filho mais velho dos duques de Cambridge e terceiro na linha de sucessão.
Num outro comunicado, o seu irmão, o príncipe Harry, recordou o avô como "um homem de dever, honra e com um forte sentido de humor". Na nota emitida, o duque de Sussex frisou que o avô era "uma rocha para Sua Majestade, a Rainha, com uma devoção inigualável".
"Mas para mim, como para muitos de vós que perderam um ente querido ou um avô ao longo deste doloroso período, ele era o meu avô: mestre do churrasco, lenda da brincadeira e atrevido até ao fim", declarou Harry.
Já Andrew, duque de Iorque, lembrou o pai como "um homem notável". "Era tão calmo e alguém a quem se poderia recorrer sempre", descreveu.
Por sua vez príncipe Eduardo, conde de Wessex e o filho mais novo de Filipe e Isabel II, descreveu a morte do príncipe como "um choque terrível"
"[As homenagens] só mostram que ele pode ter sido nosso pai, avô ou sogro, mas significava muito para tantas outras pessoas", resumiu.
Também Carlos, herdeiro da coroa britânica, expressou "sentir muita falta" do seu progenitor, que prestou um "serviço notável e dedicado" ao país — e definiu-o ainda como "uma pessoa muito especial".
"Acho que, acima de tudo, ele teria ficado surpreendido com as reações e as coisas emocionantes que foram ditas sobre ele. Desse ponto de vista, a minha família e eu estamos profundamente gratos", rematou.
Comentários