Natural de Couto Mineiro do Pejão, em Castelo de Paiva, Gonçalo Gomes mudou-se para o Porto com 18 anos.
Na cidade Invicta, começou a trabalhar nos barcos, na zona da Ribeira, e do cais passou rapidamente para a marinhagem.
Durante 10 anos, o rio Douro foi o seu local de trabalho, mas a sazonalidade e precariedade associadas ao setor, levaram-no a procurar outro emprego.
Passou pela jardinagem, construção civil e limpezas. Passou por lares e Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS). Viajou rumo à Islândia para trabalhar na plantação de árvores durante cinco meses, mas regressou ao Porto.
Hoje, volvidos 18 anos desde que chegou à cidade, admite à Lusa que “tudo mudou”.
Se à época, Gonçalo pagava 75 euros mensais por um quarto na zona da Ribeira, hoje, divide uma casa com mais sete pessoas na zona de Paranhos e paga 350 euros por mês pelo seu quarto.
Para suportar esta despesa, Gonçalo, que está de momento no desemprego, tem recorrido a poupanças de antigos trabalhos.
“Há muita oferta, mas é precária (…). Nunca na vida com um trabalho instável vamos conseguir, nem angariar dinheiro, nem um crédito para arrendar melhor ou até conseguir comprar casa, mas isso, está fora de questão”, observou.
À renda, somam-se as despesas com a alimentação, que para Gonçalo duplicaram. Se antes, o cabaz mensal ficava por 150 euros, hoje fica por 300 euros.
“A situação é cada vez mais difícil. Tanto é que uma pessoa tem de recorrer a apoio alimentar”, admitiu.
Nos meses mais difíceis é à Paróquia Senhora da Conceição, na Praça do Marquês, e a outras instituições sociais que Gonçalo recorre e, na fila, vê tantos outros em circunstâncias semelhantes à sua.
“A maior parte são trabalhadores da construção civil, de entregas de alimentos e de jardinagem. Malta que constrói a cidade, mete a cidade em funcionamento, e, no fundo, não tem a dignidade de viver aqui, muito menos de conseguir sobreviver”, observou.
Gonçalo já tentou candidatar-se ao programa municipal de arrendamento acessível, mas a sua taxa de esforço não permite. Também já tentou candidatar-se a uma habitação social, mas os seus rendimentos são superiores aos admitidos.
“Isto é uma palhaçada porque, no fundo, sou rico de mais para me candidatar a habitação social, mas sou pobre de mais para me candidatar a arrendamento acessível”, confessou.
Ao contrário de Gonçalo, Ana Maria Rebelo e o marido, Luís Rebelo, de 76 e 73 anos, conseguiram vaga para atribuição de uma habitação social. Na lista de espera são o número 400.
Depois de nove anos a viver numa pequena habitação na zona de Cedofeita, o casal, que à guarda tem uma filha de 47 anos com deficiência intelectual acentuada, foi avisado no início do ano que o contrato não seria renovado.
Deveriam ter saído em maio da casa, mas não têm para onde ir, contaram à Lusa.
“Não podemos pagar os preços que nos estão a pedir (…) É uma exorbitância”, afirmou Ana Maria Rebelo, admitindo que para pagar o que pedem no mercado de arrendamento, a família tem “de ir roubar”.
Com um rendimento de cerca de 1.230 euros por mês, resultante da reforma do casal e da Prestação Social para a Inclusão da filha, a família continua a depositar na conta do senhorio os 436 euros da renda.
“É um dia de cada vez”, acrescentou Ana Maria.
À incerteza se são despejados daquela casa, visivelmente preenchida por humidade, soma-se a incerteza diária do aumento do custo de vida.
“Deus me livre, está de mais. Um pacote de chá custava 1,24 euros e está a 1,99 euros. Um pacote de chá?”, comentou Ana Maria, acrescentando que o aumento dos preços foi geral.
“Compro o que preciso para o dia. Não posso comprar para hoje, amanhã e depois. Todos os dias compro o que preciso e não me posso esticar”, admitiu.
Para os três, o cabaz de alimentos ronda os 300 euros por mês. A este valor acrescem ainda as despesas na farmácia de Luís, que tem uma doença degenerativa do sistema nervoso central que o impossibilita de estar de pé, e de Ana Maria, que tem um grave problema de coluna devido a um acidente.
Até receberem notícias do senhorio, e na impossibilidade de saírem, Ana Maria, Luís e a filha vão continuar a viver naquela casa, com a certeza de que no Porto “só há Alojamentos Locais e hotéis”.
“Habitação para as pessoas não há”, acrescentou Ana Maria.
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