Os executivos da ABC revelaram que a Australian Federal Police (AFP, Polícia Federal Australiana em português) realizou uma busca autorizada pela justiça aos escritórios da emissora pública em Sydney e que se concentraram em três jornalistas que participaram numa investigação de 2017 chamada "The Afghan Files", segundo escreve o The Guardian.

Produzida numa série documental, a investigação jornalística baseia-se em documentos que revelam que as forças especiais australianas podem ter matado homens e crianças inocentes no Afeganistão.

O editor executivo e chefe da equipa de jornalismo investigativo da ABC, John Lyons, revelou que os agentes exigiram o acesso às notas manuscritas, emails, rascunhos de artigos, imagens, gravações e senhas de acesso aos computadores dos três trabalhadores da emissora, que o mandado de busca cita como sendo os jornalistas Dan Oakes e Sam Clark, assim como o diretor do departamento de notícias, Gaven Morris.

Lyons usou a rede social Twitter para escrever que os agentes descarregaram mais de nove mil documentos dos computadores da ABC durante a rusga e que os viram um a um.

Menos de uma hora depois de ocorrer esta ação, a ABC lançou um comunicado a reagir à rusga, com o seu diretor, David Anderson, a considerá-la "altamente incomum" e a considerar que este é "um acontecimento sério que levanta preocupações legítimas quanto à liberdade de imprensa e ao escrutínio público adequado a questões de segurança nacional e defesa".

Anderson deixou ainda claro que "a ABC está ao lado dos seus jornalistas" e "vai proteger as suas fontes e continuar a reportar sem medo ou parcialidade em matérias de inteligência e segurança nacional quando houver um claro interesse público".

Esta é a segunda rusga a ocorrer em menos de 24 horas, depois de a AFP entrar na casa de Annika Smethurst, editora política da empresa de media News Corp, em Camberra, tendo como justificação vários artigos que esta publicou em 2018 quanto a propostas para expandir os recursos de vigilância interna do país. A investigação terá durado quase oito horas e visou não só a casa, como o também o telemóvel e o computador de Smethurst.

A Polícia Federal Australiana revelou que a rusga à ABC foi feita em "relação à publicação de material secreto, em violação da Lei sobre Crimes de 1914", deixando, porém, claro "que esta atividade não esteve ligada ao mandado de busca executado em Camberra [na casa de Smethurst]" e que "não estiveram previstas detenções como resultado desta atividade."

Tanto a rusga à casa de Smethurst como às instalações da ABC mereceram condenação não só dos grupos de media, como também de alguns políticos e de grupos de defesa dos direitos humanos, levantando questões quanto à liberdade de imprensa na Austrália e sugerindo que existe uma campanha para intimidar jornalistas.

Segundo Lyons, em entrevista durante esta manhã à rádio 2GB, disse que as autoridades estão "essencialmente a mandar uma mensagem a pessoas como nós, pessoas a fazer o trabalho dos jornalistas, de que a partir de agora estão sob aviso e que qualquer pessoa que contactem ou falem com, qualquer rasto digital que deixem, elas [as autoridades] vão sabê-lo".

O editor executivo falou ainda numa "violação" do trabalho jornalístico que pode ter um efeito dissuasor em potenciais colaboradores ou "whistleblowers" (denunciantes). Um deles, David McBride, foi acusado em março deste ano de cinco crimes por revelar documentos sobre a investigação em curso quanto à atuação das forças especiais australianas no Afeganistão. O ex-advogado vai ser apresentado ao Supremo Tribunal australiano."

*Com agências