“Se a resolução passar só pela alteração da legislação, então que se altere a legislação”, adiantou em declarações à Lusa o presidente do município da Praia da Vitória, Tibério Dinis, lamentando que tenham falhado as ações de sensibilização da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) em 2018.

Durante quatro dias, mais de 30 salas de espetáculos na ilha Terceira recebem centenas de músicos e atores amadores, que atuam de forma gratuita, madrugada dentro, em manifestações de teatro popular, a que chamam de danças, bailinhos e comédias de Carnaval.

Entre as atuações teatrais, há momentos musicais, em que, em muitos casos, são adaptados temas nacionais e internacionais conhecidos.

Há dois anos, a SPA começou a cobrar direitos de autor aos espaços que acolhem essas manifestações, na sua maioria sociedades filarmónicas, com dirigentes voluntários.

Em junho de 2018, a Assembleia da República aprovou uma recomendação, que resultou de propostas do PS e do PSD, para que o Governo avaliasse, “em diálogo com o setor e com as entidades de gestão de direitos de autor, a possibilidade de definição de um procedimento jurídico específico” que atendesse ao “caráter tradicional destas atividades e ao seu fim não lucrativo, associativo ou informal”.

Já o município da Praia da Vitória procurou sensibilizar a Sociedade Portuguesa de Autores para as especificidades do Carnaval da Terceira, convidando os seus representantes a visitar a ilha, em 2018.

No entanto, segundo o presidente da autarquia, a SPA voltou a cobrar este ano direitos de autor aos espaços que acolhem estas manifestações, ainda que reduzindo o valor.

“É verdade que há aqui uma redução daquilo que são as exigências da SPA, mas julgo que não é aquilo que quem gosta e sente o Carnaval da ilha Terceira pretende, que é a isenção total”, frisou.

Tibério Dinis admitiu que a resolução aprovada na Assembleia da República “obriga a um trabalho jurídico mais complexo”, mas lamentou que não tenha havido “boa-fé” por parte da SPA, alegando que o processo “seria mais célere”.

Para o autarca, as danças e bailinhos de Carnaval devem ser isentas de pagamento de direitos de autor, em primeiro lugar, porque têm por base o voluntariado: os músicos e atores atuam de forma gratuita e os dirigentes das salas de espetáculos também o fazem de forma voluntária e não cobram bilhetes pelas atuações.

“Não faz sentido os salões e essa génese toda do voluntariado estar a suportar taxas”, apontou, alegando que esta é “mais uma medida negativa” numa altura em que as sociedades filarmónicas se deparam com falta de voluntários para assumir cargos de direção.

Por outro lado, Tibério Dinis salientou que as atuações estão concentradas “num período de quatro dias por ano” e que as obras utilizadas são “adaptadas” à realidade do Carnaval da Terceira, com arranjos musicais e outras letras.

Já o presidente do município de Angra do Heroísmo, Álamo Meneses, criticou o facto de as taxas serem cobradas às casas de espetáculos que não sabem quantos grupos vão atuar naqueles quatro dias, nem quantos utilizam músicas protegidas por direitos de autor.

“É uma situação absurda. O que se passa é que existe legislação muito mal feita e que precisa de urgente revisão”, defendeu.

Questionado pela Lusa, o diretor do departamento jurídico da SPA, Carlos Madureira, disse que a entidade está apenas a “acautelar os direitos dos autores que representa”.

“Constatámos presencialmente a realidade do que são os bailinhos. Temos noção exata de que se tratam de tradições próprias da ilha Terceira, mas a verdade é que na realização dessas manifestações culturais são efetivamente utilizadas obras protegidas por direitos de autor, que são criadas por terceiros”, afirmou.

Segundo Carlos Madureira, são cobradas às salas de espetáculos “autorizações genéricas”, que “possibilitam a utilização das obras, independentemente do número que seja utilizado”, mas, pelo conhecimento da SPA, “esmagadoramente são utilizadas obras protegidas”.

Questionado sobre a recomendação aprovada na Assembleia da República, o representante da SPA disse que “não altera a legislação vigente” e que “as situações possíveis de diferenciação foram esclarecidas com as câmaras” da ilha Terceira.