O aglomerado de casas sem condições de habitabilidade e o tráfico de droga são problemas visíveis no Bairro da Liberdade, em Lisboa, onde se espera que a visita do Papa Francisco possa contribuir para acelerar respostas.
“O que eu queria era que o facto de o Papa ter escolhido aqui este bairro que as autarquias, o Estado, reparassem um bocadinho naquilo que são as carências, as necessidades aqui desta população”, afirma o cónego Francisco Crespo, responsável pelo Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo, instituição que será visitada pelo chefe da religião católica, no dia 04 de agosto, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
Em declarações à agência Lusa, o padre considera que a visita do Papa pode vir “dar uma bênção” às entidades públicas para intervirem no Bairro da Liberdade.
Considerado pelos moradores um território “esquecido” pelo poder político, o Bairro da Liberdade, que muitas vezes acaba até por perder o nome, sendo confundido como parte do Bairro da Serafina, tem casas degradadas, sem condições de habitabilidade, muitas sem casa de banho, problema antigo que continua sem resposta à vista.
“São dois bairros diferentes”, ressalva o pároco, referindo-se ao Bairro da Liberdade, “péssimo” em termos habitacionais, e ao Bairro da Serafina, que tem casas económicas e onde “a habitação é boa”, ambos localizados à beira do Aqueduto das Águas Livres, do lado do Parque Florestal de Monsanto, junto ao Eixo Norte-Sul, infraestrutura rodoviária estruturante no acesso à cidade de Lisboa.
Com cadeiras encostadas às paredes da entrada das casas, os moradores no Bairro da Boavista socializam na rua. É o caso de Adriano Almeida, de 67 anos, nascido e criado no bairro, que diz à Lusa que a situação “já esteve muito melhor do que está agora”.
“Agora está uma desgraça. Muito complicado viver aqui neste bairro. Ainda há aqui pessoas que não têm casa de banho sequer, isto é muito mau”, conta, referindo que há moradores que têm de fazer as necessidades fisiológicas num balde.
“Este bairro foi esquecido. Sempre foi esquecido, por isso chama-se Bairro da Liberdade. Sempre foi esquecido. Cada um fazia o queria aqui dentro”, considera Adriano Almeida, acrescentando que, além da habitação, há um problema associado ao tráfico de droga.
Moradora no bairro vizinho da Serafina, Lurdes Mendes, de 90 anos, costuma andar pelas ruas do Bairro da Liberdade, onde se localiza o Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo, que frequenta para ocupação do tempo, e partilha da ideia de que é preciso resolver o problema da habitação, em que “devia de haver casas mais arranjadas, não haver tanta barraca”, e do tráfico de droga, que “estraga tudo”.
“Há aqui habitações sem condições nenhumas, até sem casa de banho, há, por exemplo, um pátio com uma casa de banho coletiva”, refere Maria Silva, de 86 anos, que passa o dia no centro social paroquial no Bairro da Liberdade, mas vive no Bairro da Serafina.
Ocupada a coser uma toalha branca, nas instalações do centro de dia, a moradora destaca a importância do Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo: “Se não fosse esta obra, o Bairro da Serafina não era nada, era um centro de droga”, incluindo nesta referência o Bairro da Liberdade, que acaba por ser chamado de Serafina pela proximidade de ambos.
“Muito contente” com a visita do Papa Francisco à instituição, Maria Silva espera que permita dar “um pouco de visibilidade” ao trabalho que é feito no centro social paroquial, que “não está em muito boa situação económica” porque, à semelhança de outros, não tem comparticipação suficiente do Estado e “o senhor padre vê-se doido para gerir isto, para conseguir pagar os ordenados”.
Numa visita pelas ruas do Bairro da Liberdade, o presidente da Junta de Freguesia de Campolide, Miguel Belo Marques (PS), reconhece que a habitação é “o maior problema” deste território.
“Sei que é um problema transversal a toda a cidade, mas, de facto, a cidade anda a diversas velocidades e aqui o problema é muito mais gritante. Nós temos aqui situações gravíssimas de falta de condições de habitabilidade. […] Temos casas onde não há saneamento”, assume o autarca.
O presidente da junta considera que há problemas estruturais que “há muito urge resolver”, o que exige a participação de todas as entidades públicas, nomeadamente a junta de freguesia, a câmara municipal e o Governo.
Miguel Belo Marques refere ainda que o Bairro da Liberdade tem registado “um acréscimo da população migrante, que é muito bem-vinda, mas que infelizmente também se tem que se sujeitar a condições absolutamente sub-humanas”, com apartamentos onde vivem oito, nove ou 10 pessoas quando não têm condições sequer para acolher duas.
O autarca defende “uma intervenção estruturada, pensada e de fundo a nível da habitação”, considerando que a solução ideal seria uma tomada de posse administrativa de todo o edificado degradado para se poder intervir, “desde a encosta, onde muitas pessoas foram desalojadas, por questões de segurança, com medo da derrocada da encosta, e que, infelizmente, de forma mais formal ou informal, muitas destas casas já começam outra vez a ser habitadas”.
“O Papa pode ser, acima de tudo, um catalisador e uma forma de se chamar ainda mais à atenção para as condições indignas de algumas pessoas que aqui vivem […]. Se a vinda do Papa ajudar a chamar mais à atenção dos decisores e a acelerar os processos, ficaremos muito felizes por isso e tenho a certeza absoluta, conhecendo o que tem sido a atuação do Santo Padre, que o próprio Papa também ficará muito satisfeito se puder ser parte ativa no acelerar da resolução dos problemas destas pessoas”, expressa o presidente da Junta de Freguesia de Campolide.
Sobre o tráfico de droga, o autarca tem consciência que o problema existe. Durante a visita ao Bairro da Liberdade, presenciou uma discussão entre moradores sobre essa questão, que em minutos evolui da troca de insultos para agressões físicas e ameaças de morte, na qual interveio para fazer cessar o conflito.
No dia 04 de agosto (sexta-feira), segundo o programa da viagem apostólica do Papa a Portugal, prevê-se um encontro com os representantes de alguns centros de assistência socio-caritativa, pelas 09:45, no Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo.
Considerada o maior acontecimento da Igreja Católica, a JMJ vai realizar-se este ano em Lisboa, entre 01 e 06 de agosto, sendo esperadas cerca de 1,5 milhões de pessoas.
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