O tema da eutanásia “manifesta uma cultura que parece ‘cansada’, demitida de procurar a verdade e o bem e, como tal, reduzida ao simplismo demissionário do mais fácil, do meramente individual e volitivo, cultura em declínio que corre o risco de conduzir à desagregação social”, afirmou hoje Manuel Linda num encontro com jornalistas.

Dando o seu “pequeníssimo contributo”, para “um diálogo cultural sério” sobre a eutanásia, Manuel Linda defendeu que “o que mais deveria preocupar os dirigentes sociais é o desaparecimento da ética, estrutura estabilizadora da sociedade, com o consequente confiar ao direito toda a força da regulamentação”.

“O direito é bom, mas desde que não se torne exclusivo: ao confiar-lhe a totalidade da normalização social, abdicamos da força da liberdade constituinte da pessoa”, assinalou.

O bispo do Porto lembrou que “até há cerca de uma década, quando se falava na eutanásia, colocava-se a tónica na ideia de ‘misericórdia’”, o que, em pouco tempo, decaiu “para a mera vontade momentânea”, sem saber “se o interessado está ou não condições de formular um juízo fiável, fazendo repousar uma decisão irreversível num estado de espírito”.

Paralelamente, destacou a “fragmentação das relações familiares”, com recurso “ao internamento dos mais velhos em lares e casas de recolhimento, muitas vezes evitáveis”.

“Perante isto, a sociedade tem de se interrogar se a frieza das relações é inevitável, se sob a capa da defesa do ‘direito a morrer com dignidade’ não se esconde o mais cruel ‘descarte’ daqueles em quem não se está interessado e se se gasta a mesma energia e dedicação no cuidado dos anciãos e doentes que se usa para defender a ‘morte a pedido’”, realçou.

Questionou ainda se “quando alguém diz que quer morrer, essa linguagem é unívoca ou não estará antes a lançar um grito de acusação àqueles que ‘criminosamente’ lhe negam o conforto e a proximidade afetiva”.

Manuel Linda lembrou que, atualmente, “mais de um quarto da população” portuguesa é pobre ou está em risco de pobreza – um “dado profundamente monstruoso” – e que esse “é o tema que deveria preocupar os dirigentes sociais”, considerando que “não se vislumbra um projeto mobilizador e entusiasmante que nos leve a melhorar este estado de coisas” e que “parece dar-se como inevitável a submissão a uma crescente desigualdade social”.

Nesse sentido, espera que “as decisões a tomar sejam fruto de uma sadia cultura ético-social e não de qualquer pretensa ‘modernidade’, que outra coisa não é do que o regresso ao pior dos passados”.

“Espera-se muito da responsabilidade ética dos nossos deputados”, salientou, indicando que “por algum motivo se fala tanto do ‘eclipse do Ocidente’ e se observa a mutação hegemónica dos países ‘emergentes’, os quais, curiosamente, não colocam estas questões ‘burguesas’”.

O parlamento vai discutir a 29 de maio os quatro projetos, do PAN, BE, PS e PEV, sobre a morte medicamente assistida.

O partido Pessoas-Animais-Natureza foi o primeiro partido a apresentar um projeto de lei, seguido pelo BE, pelo PS e o Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV).

Se forem aprovados na generalidade, os projetos de lei baixam à comissão parlamentar, para debate na especialidade, antes de uma votação final global.

PSD e CDS-PP já admitiram, no passado, a realização de um referendo sobre o tema da morte medicamente assistida, hipótese que o PS afasta claramente.

O novo presidente dos sociais-democratas, Rui Rio, é, pessoalmente, favorável à despenalização da eutanásia e contra o referendo, embora admita que o partido discuta a questão da consulta popular.

O PCP ainda não tomou posição sobre esta matéria.

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