Este é um artigo que começou a ser escrito às 8h00 da manhã de quarta-feira, 4 de novembro. As horas e as datas são importantes no contexto em que nos encontramos: nas próximas horas e nos próximos dias serão conhecidas as contagens de votos que irão determinar quem será o próximo presidente dos Estados Unidos. E, a esta hora, as duas narrativas – a da vitória de Joe Biden e da vitória de Donald Trump – são ambas possíveis.
O que não significa que a forma como ambos os candidatos estão a olhar para a sua condição de potencial vencedor ou potencial derrotado seja idêntico – e provavelmente ninguém esperava que fosse. Joe Biden falou mais cedo do que Donald Trump e disse estar confiante. Se a expressão corporal vale de alguma coisa, pareceu genuinamente convicto do que está a dizer – e até feliz.
Donald Trump, sendo fiel ao seu estilo, tweetou antes de falar, e falou para dizer, de forma alargada, o que tinha escrito na conta de Twitter – que teve uma “grande vitória”, mesmo que faltem contar votos, e que irá para o Supremo Tribunal, se não pararem de contar os votos. "Estávamos prontos para ganhar estas eleições, isto é uma vergonha para o nosso país", afirmou ainda
A verdade é que tudo o que falta decidir depende da contagem de votos num ano em que o voto por correspondência, face ao contexto de pandemia, bateu recordes. Adicionalmente, atendendo às diferentes geografias do território americano, as urnas fecharam em horários distintos - as últimas no Alasca, às 6 da manhã - e todos esses votos irão ser contados nas próximas horas, ou dias.
O que não significa que só se saiba quem será o próximo presidente americano quando o último voto estiver contado - as projeções ajudam a definir e a ajustar cenários, sabendo-se que o vencedor da corrida eleitoral terá de garantir 270 votos do colégio eleitoral. Segundo projeções dos principais ‘media’ norte-americano que publicámos no SAPO24 às 9h25 , Biden tem 236 votos no colégio eleitoral e Trump 213.
E, mantendo-nos no território das projeções, há algumas certezas, mesmo que não definitivas, e algumas variáveis que podem ter impacto nos resultados finais. Recordemos o ponto de situação que fizemos no SAPO24 ao início da manhã:
- As previsões apontam para as vitórias de Biden nos seguintes estados: Califórnia, Colorado, Connecticut, Delaware, Distrito de Columbia, Havai, Illinois, Maryland, Massachusetts, Minnesota, New Hampshire, Nova Jersey, Novo México, Nova Iorque, Oregon, Rhode Island, Vermont, Virgínia, Washington;
- Trump tem vitórias asseguradas em: Alabama, Arkansas, Carolina do Sul, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Flórida, Idaho, Indiana, Kansas, Kentucky, Louisiana, Mississípi, Missouri, Montana, Ohio, Oklahoma, Tennessee, Texas, Utah, Virgínia Ocidental e Wyoming;
- Para além destes estados, a reportar está o caso curioso do Nebraska. Como dissemos anteriormente, este estado divide os seus votos do Colégio Eleitoral, tendo dois a nível estatal e um em cada um de três distritos congressionais. Trump venceu quatro deles, sendo que Biden conseguiu um voto do 2º distrito congressional.
A estas projeções, importa acrescentar casos de estados que podem ditar a vitória de um ou outro candidato. Como, por exemplo, Geórgia, Michigan e Arizona. Veja-se a Georgia, tradicionalmente republicana e onde Trump lidera nos resultados apurados mas onde falta apurar a capital, Atlanta. Porque é que Atlanta pode influenciar o resultado do estado? Pela dimensão populacional e pelo facto de ser uma das cidades que tem sido destino de fluxos migratórios internos nos Estados Unidos, nomeadamente de afro-americanos que estão a escolher abandonar grandes cidades como Nova Iorque. E a comunidade afro-americana não é, maioritariamente, pro-Trump.
O Arizona é um dos estados que desde a madrugada está a ser apontado como de viragem para os democratas. Agências como a Associated Press já avançaram mesmo com a vitória de Biden e o próprio Trump deu a entender que estava consciente de poder perder o estado ao afirmar "não precisar de ganhar aí". A confirmar-se, a vitória de Biden no Arizona é um rude golpe para a campanha de Donald Trump, já que se trata de um estado conservador, onde os democratas apenas venceram por uma única vez nos últimos 72 anos. Biden apostou no Arizona, como parte do seu mapa de “campos de batalha”, aproveitando mudanças demográficas, novos residentes e realinhamentos partidários entre os principais eleitores suburbanos.
Uma das questões críticas nestas eleições é a confiança nas sondagens. Depois do falhanço de há quatro anos, as principais empresas de sondagens introduziram correções as seus modelos e questionários de forma a terem resultados mais fiáveis - o que aconteceu, por exemplo, mas eleições intercalares americanas. Nas eleições presidenciais de 2020 essa é uma incógnita. Joe Biden chegou ao dia das eleições em vantagem pela esmagadora maioria das sondagens, mas, mais uma vez, serão as próximas horas e dias a mostrar grau de fiabilidade.
Uma das explicações avançadas para um possível desfasamento entre os votos expressos e as intenções comunicadas nas sondagens prende-se com um determinado eleitorado de Donald Trump que se recusa a responder quando questionado sobre em quem vai votar. Se o número de pessoas que não expressa a sua intenção for expressivo - seja por opção de não partilhar, seja inclusive pelo pudor de assumir esse voto - o impacto nos resultados efetivos poderá ditar uma realidade diferente das sondagens.
Porque é que todos falam do "mágico" número dos 270 votos?
Tem a ver com a especificidade do sistema eleitoral americano que pode ler em detalhe neste artigo.
O Colégio Eleitoral designa um conjunto de pessoas que escolhe o presidente dos Estados Unidos da América. Aos membros do Colégio Eleitoral dá-se o nome de Grandes Eleitores e são 538 no total, tantos quanto os membros do Congresso que é a chave de um sistema equilibrado por pesos e contrapesos que coloca 100 senadores e 435 elementos da Câmara dos Representantes à frente dos dois órgãos legislativos do país. A estes 535 nomes juntam-se três delegados do Distrito de Columbia (ou Washington, DC), que não possui membros nas câmaras (ou, pelo menos, em iguais condições aos estados propriamente ditos). Desta feita, chegamos aos 538 Grande Eleitores cujos mandatos estão a ser apurados mediante a contagem do voto popular que está agora a ser feita.
Este sistema tem duas particularidades (tem mais, mas olhemos para as essenciais).
A primeira é que os estados não têm o mesmo número de mandatos ou de "Grandes Eleitores". Depende da dimensão populacional mas depende também da relevância que os "Pais Fundadores", que definiram as regras constitucionais, atribuíram ao facto de estados mais periféricos e menos populacionais serem ouvidos e levados em linha de conta no processo eleitoral.
A segunda é a máxima de "the winner takes it all", o que significa que o partido que vença num estado levará todos os Grandes Eleitores desse estado consigo (mesmo que a vitória ou a derrota seja decidida por meia dúzia de votos).
É preciso paciência. Todos os votos contam, mesmo que num sistema com regras diferentes das que estamos habituados.
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