Um sistema diferente.
O sistema de votação nos Estados Unidos da América é diferente daquele que conhecemos em Portugal.
No nosso país é condição sine qua non um vencedor de uma eleição à Presidência da República ter mais votos do que os candidatos vencidos. No entanto, do outro lado do Atlântico, não é necessariamente assim.
Não é por acaso que são já cinco os presidentes americanos eleitos com menos votos populares do que os do seu adversário direto - Trump foi só caso mais recente.
Vamos, então, à História.
O primeiro percalço no sistema de votos, com a eleição de um candidato que perderia no voto popular, deu-se em 1824, e o eleito foi John Quincy Adams, um membro do Partido Democrata-Republicano (partido político que está na origem do atual Partido Democrata).
Depois dele, conta-nos a história, apenas republicanos foram eleitos nestas condições. Aconteceu por mais duas vezes no século XIX, com Rutheford B. Hayes (1876) e Benjamin Harrison (1888). E, mais recentemente, em pleno século XXI, deu-se o mesmo caso na eleição de George W. Bush (2000) e de Donald Trump (2020).
Como é possível ter menos votos e ganhar uma eleição?
Os Estados Unidos da América são compostos pela união federal de 50 estados, a que se junta o Distrito de Columbia, comummente conhecido enquanto Washington, D.C. (District of Columbia), que funciona como “Distrito Federal” e capital do país, mas não como estado propriamente dito. Desta maneira, em termos práticos, temos uma nação dividida em 51 estados que elegem um presidente.
Num sistema clássico baseado no voto popular, independentemente das divisões administrativas do país (51 no caso em análise), o vencedor da eleição seria apurado de acordo com a totalidade dos votos da população. Ainda se poderia dar a hipótese de ser exigida uma maioria mínima, mas as contas seriam simples: quem tem mais votos ganha. Por outras palavras, seria completamente irrelevante que o país estivesse dividido em estados ou não.
Todavia, não é isso que se passa nos EUA, onde cada divisão administrativa importa. O sistema de voto é diferente e privilegia o voto do Colégio Eleitoral – daí a importância dos 50 estados + 1 (o já referido Washington, DC).
Como começou e quais as razões na origem deste sistema?
A convenção foi decidida pelos chamados “Pais Fundadores”, os homens que assinaram a declaração da independência e, mais tarde, a Constituição dos Estados Unidos.
Em 1787 a discussão era grande. De um lado, defendia-se o voto popular, na medida em que todos os cidadãos faziam parte dos novos Estados Unidos da América. Do outro, temia-se a eleição de um tirano, manipulador e populista diretamente pelas mãos do povo.
Assim, a resolução do problema passou por um sistema que conciliasse as duas preocupações, a priori, antagónicas. Cada estado passava então a eleger um conjunto de representantes, que votavam em nome dele. Um grupo de homens que ouviria a vontade da população local, e levaria tal intenção de voto à eleição final para a presidência dos EUA.
Outra das preocupações era a prevalência ou domínio dos estados com mais população. Recordemos que os EUA são um agrupamento de estados com características geográficas e sociais distintamente vincadas - numa lógica de “todos diferentes, mas uma mesma nação”. Assim, houve necessidade de garantir um poder de voz mais igual para cada estado.
Este meio-termo que os “Pais Fundadores” alcançaram permitia, também, que todos os estados, mesmo os mais pequenos em termos de população, fossem escutados de uma maneira mais igual.
Desta forma, hoje em dia, o voto de um dos 3 Grandes Eleitores do Wyoming representa quase 193 mil pessoas do estado. Este número apura-se fazendo uma simples conta: aproximadamente 578 mil habitantes a dividir pelos 3 votos dos Grandes Eleitores do estado.
No entanto, pela mesma lógica, dividindo a população da Califórnia, de 39,5 milhões de habitantes, pelo seu número de 55 Grandes Eleitores, chegamos ao número de pessoas representadas em cada voto do estado: mais ou menos 718 mil.
Analisando a situação, o Wyoming, de acordo com a sua população, deveria ter menos Grandes Eleitores do que aqueles que dispõe atualmente – e a Califórnia mais. Não obstante, de maneira a que todos os estados obtenham uma representação mínima de 3 Grandes Eleitores, é necessário equilibrar o jogo.
A lógica é a de compensar algumas desigualdades sociais e geográficas (por exemplo, grandes centros urbanos vs mundo rural), numa perspetiva de que todos os estados fazem parte da grande nação do Estados Unidos da América, e, por isso, devem sempre ser ouvidos.
O que é o Colégio Eleitoral?
O Colégio Eleitoral designa um conjunto de pessoas que se junta para votar, neste caso para escolher o próximo presidente dos Estados Unidos da América. Aos membros do Colégio Eleitoral dá-se o nome de Grandes Eleitores.
Em oposição aos primeiros, os Pequenos Eleitores são as pessoas comuns que se dirigem às urnas para colocar uma cruz em Donald Trump, Joe Biden ou ainda num elaborado leque de outras opções.
No fundo, e resumindo a questão, os Pequenos Eleitores elegem os Grande Eleitores e estes elegem o Presidente dos Estados Unidos da América.
Quem são os Grandes Eleitores?
São os representantes de cada estado na eleição do próximo Presidente dos EUA, aqueles que transportam a vontade do povo até à derradeira votação. O encontro dos Grandes Eleitores, nas eleições de 2020, ocorrerá apenas no dia 14 de Dezembro, data em que será oficialmente eleito o próximo presidente.
É necessário que as pessoas que fazem parte deste grupo reúnam algumas características, como as elencadas no Artigo II da Secção 1 da Constituição Americana, que proíbe os Grandes Eleitores de serem membros do Congresso ou de terem qualquer cargo a nível federal.
E, de acordo com a 14ª Emenda à mesma Constituição, também não pode, em princípio, ser escolhido, enquanto Grande Eleitor, quem “se envolveu numa insurreição ou rebelião contra os Estados Unidos ou deu ajuda e conforto aos seus inimigos”.
Como são escolhidos os Grandes Eleitores?
Os estados são responsáveis pela escolha dos seus eleitores, mas a maneira como o fazem depende de sítio para sítio.
No entanto, a forma mais comum passa por uma eleição dentro de cada partido, ou através dos apoiantes ou do comité central do mesmo. Apesar disto, alguns estados têm métodos diferentes, como na Flórida, cuja nomeação final dos Grandes Eleitores é da responsabilidade do Governador do Estado.
O importante é que cada partido político deverá ter uma lista dos Grande Eleitores que o representará em caso de vitória. Por exemplo, no Texas, tanto o Partido Republicano como o Partido Democrata devem ter 38 nomes que terão a oportunidade de votar enquanto Grandes Eleitores.
Recorde-se que a logística é a de o “vencedor-leva-tudo”, ou seja, no caso do Texas, vão ser os 38 Grandes Eleitores do partido vencedor quem representa o estado na votação de dia 14 de dezembro.
O que é o método de “winner-takes-all” (ou o “vencedor-leva-tudo”)?
A ideia é simples: cada estado tem uma só vontade. Desta maneira, o partido que vença num estado levará todos os Grandes Eleitores desse estado consigo.
Daí a necessidade de cada partido candidato apresentar uma lista completa com todos os potenciais Grandes Eleitores. Desta forma, quando a contagem dos votos terminar, ou o partido vencedor representa totalmente o estado ou não o representa de todo.
Como exemplo, repete-se o caso do Texas. Cada partido apresenta uma lista de 38 nomes que atuarão como Grandes Eleitores em caso de vitória, e esses nomes ou são todos eleitos ou nenhum é eleito. Caso sejam eleitos, serão 38 votos a favor do candidato desse partido na votação de dia 14 de dezembro.
Todos os estados adotam este método de “winner-takes-all” (ou o “vencedor-leva-tudo”)?
Não, 48 estados e o Distrito de Columbia mantêm este sistema, mas os estados de Maine e de Nebraska têm um sistema próprio.
Deste modo, estes dois estados regem-se por um sistema híbrido:
- Dois eleitores (os que representam o Senado) regem-se pelo método “vencedor-leva-tudo”, ou seja, dois votos dos “Grandes Eleitores” do Maine e do Nebraska vão para o candidato que tenha mais votos no estado em termos absolutos.
-Os restantes votos (dois no Maine e três no Nebraska), que representam a Câmara dos Representantes, são distribuídos de acordo com o candidato que ganha em cada um dos distritos dentro do estado. Por outras palavras, no caso de Maine, que apenas tem duas divisões administrativas, os votos irão para o candidato com mais votos naquelas áreas em separado, e não no total do estado.
Quem são os Grandes Eleitores “Desleais”?
A verdade é que a Constituição norte-americana nada diz sobre a obrigação de os Grandes Eleitores terem de votar no candidato que ganhou a eleição naquele estado.
Não existindo tal imposição, os Grandes Eleitores, não estando vinculados a uma direção de voto, podem desrespeitar a vontade coletiva do estado que representam e dar o seu voto a um outro candidato.
Em 2016, como a Constituição nada versa sobre o assunto, sete Grandes Eleitores votaram mesmo noutro candidato que não o vencedor do estado. No entanto, vários estados têm leis próprias que permitem reprimir tal quebra de juramento, e muitos destes Grandes Eleitores acabaram por ser substituídos.
Desta forma, para acabar com as dúvidas sobre o processo, este ano o Supremo Tribunal dos EUA disse que nada na Constituição dá aos Grandes Eleitores o direito a serem livres na sua escolha para Presidente. Decretou também que os estados têm o poder constitucional de obrigarem os seus Grandes Eleitores a votarem de acordo com o voto popular do estado que representam.
Quantos Grandes Eleitores existem?
Existem tantos Grandes Eleitores como lugares no Congresso, ou seja, 538.
O Congresso é a chave de um sistema equilibrado por pesos e contrapesos, uma organização bicameral que coloca 100 senadores e 435 elementos da Câmara dos Representantes à frente dos dois órgãos legislativos do país.
Note-se que a estes 535 nomes se juntam três delegados do Distrito de Columbia (ou Washington, DC), que não possui membros nas câmaras (ou, pelo menos, em iguais condições aos estados propriamente ditos). Desta feita, chegamos aos 538 Grande Eleitores.
E daí o tão badalado número 270: é eleito presidente dos EUA o candidato que conseguir chegar aos 270 ou mais votos dos Grandes Eleitores.
Para o Senado, a matemática é pura: 2 senadores por cada um dos 50 estados do país. No entanto, para a Câmara dos Representantes há que ter em consideração a população de cada estado, de maneira a averiguar a quantos representantes terá direito.
Daqui a importância do censo que acontece de dez em dez anos, sendo que a contar para esta eleição ainda vale o de 2010.
Simplificando, para apurar a quantos Grandes Eleitores tem direito cada estado, devemos somar o número de senadores (que são sempre 2, como já explicado) ao número de representantes (que varia consoante a população e oscila sempre que se dá uma nova recontagem da população).
À data do censo de 2010 foi possível apurar que quase 309 milhões de pessoas viviam nos Estados Unidos da América e que a distribuição dos votos do Colégio Eleitoral seria a seguinte:
Pesquisa e texto por João Maldonado
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