“Seguramente este é um resultado que gera um grande desconforto social e também desconforto entre agentes da justiça”, disse Francisca Van Dunem, na conferência de imprensa do final do Conselho de Ministros, quando questionada sobre o caso da fuga de João Rendeiro, condenado por crimes de burla qualificada.
A ministra sustentou que não conhece a situação em todos os seus contornos”, frisando que estão em causa decisões tomadas num quadro judicial.
“O poder judicial goza de independência em relação ao Governo e o Governo não intervém nas suas ações, nem nas suas omissões”, disse Francisca Van Dunem, manifestando-se “obviamente convencida que o sistema tem mecanismos que vão permitir esclarecer tudo aquilo que se passou”.
Francisca Van Dunem considerou também “prematuro” antecipar intervenções legislativas, como defendeu o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público ao avançar que o parlamento devia discutir "se faz sentido" manter na lei o efeito suspensivo dos recursos de arguidos condenados em primeira instância.
A ministra sublinhou que, “cada vez que ocorre um problema no sistema”, não se pode alterar as leis, caso contrário “os próprios agentes do sistema não serão capazes de assimilar a quantidade de mudanças que teremos de fazer”.
“Acho que temos de pensar na lei, pensar nos comportamentos, na leitura que é feita da lei e no modo obviamente como as leis são aplicadas. Esses aspetos devem ser ponderados, agora com mais informação adequada sobre os factos e que seguramente irá ser obtida pelas instâncias competentes, nomeadamente pelos conselhos superiores e, nessa altura, podemos com mais propriedade falar no que se pode fazer”, precisou.
João Rendeiro, condenado na terça-feira a prisão efetiva num processo por crimes de burla qualificada, diz que não pretende regressar a Portugal por se sentir injustiçado e vai recorrer a instâncias internacionais.
Num artigo publicado no seu blogue Arma Crítica, João Rendeiro revela que já pediu ao advogado para comunicar a decisão à justiça portuguesa e diz que se tornou “bode expiatório de uma vontade de punir os que, afinal, não foram punidos”.
De acordo com o despacho do Tribunal criminal de Lisboa, datado da tarde de quarta-feira, a que a agência Lusa teve hoje acesso, forças policiais nacionais e internacionais já receberam os mandados de detenção contra João Rendeiro, para que o ex-banqueiro, ausente no estrangeiro e em paradeiro incerto, cumpra a medida de coação de prisão preventiva.
Realçando que este caso tem este nível de mediatização porque os processos em causa afetaram setores importantes da sociedade portuguesa, a ministra afirmou que “não é normal acontecer” em Portugal casos de fuga à justiça.
“Não é o primeiro, nem o segundo, mas não é a regra. A regra é que as decisões dos tribunais sejam compridas e executadas em tempo útil”, disse, admitindo que “há dificuldades nas execuções das decisões nestes processos mais complexos”.
Nesse sentido, acrescentou que o Governo quando aprovou a Estratégia Nacional Anti-Corrupção apresentou “propostas concretas” neste âmbito, nomeadamente os acordos sobre a plena aplicável.
“Estas propostas estão no parlamento. É bom que se discutam as coisas nos espaços de discussão que existem para determinados efeitos e não à luz de epifenómenos como este que são obviamente muito desagradáveis, mas que mostram que temos de agir a tempo se queremos evitar determinados tipos de resultados”, ressalvou.
Numa nota à imprensa sobre a fuga de João Rendeiro, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) invoca justificações da juíza do processo que considerou que não era possível prever que houvesse um “concreto perigo de fuga”.
“De acordo com a Exma. Sra. juíza: “(…) no decurso dos autos não foi trazida, até ao referido dia 19.07.2021, qualquer informação da qual pudesse antever-se nem um concreto perigo de fuga do arguido (que esteve presente em algumas sessões da audiência de julgamento), nem a concretização da sua fuga, agora anunciada”, refere o CSM.
O Conselho Superior da Magistratura sublinha também que “nenhum facto foi trazido aos autos, pelos meios processuais legítimos, que permitissem, fundadamente, prever o desfecho hoje ocorrido, isto é, a fuga concretizada e assumida pelo arguido”.
“Afigurando-se ainda longínquo o horizonte temporal do trânsito em julgado da condenação na pena única de 10 anos de prisão (…) não era, até este momento, previsível que o arguido pretendesse subtrair-se à ação da Justiça”, acrescenta ainda o CSM.
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