Sob aplausos dos integrantes da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel – que homenageou a artista no Carnaval 2020 – amigos, admiradores e familiares, Elza Gomes da Conceição, nome da cantora Elza Soares, foi velada nesta manhã desta sexta-feira no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Dona de uma das vozes mais poderosas e reconhecidas do samba, da bossa nova e da música popular brasileira (MPB), a carreira de Elza Soares foi marcada por um histórico de altos e baixos, seja pela fome, a morte de dois filhos, violência sexista e racismo.
“Apesar de todas as adversidades, nos seus 70 anos de carreira, Elza Soares deixou uma mensagem simples, mas poderosa para o país. Por pior que pareça, devemos amar. E Elza amou incondicionalmente”, disse o empresário da cantora, Pedro Loureiro, aos jornalistas presentes no velório.
“Elza respondeu com um beijo a toda a agressividade, preconceito, racismo e violência doméstica contra a mulher. Ela respondeu com força, com protesto, mas com beijos e amor. Elza ensinou este país a amar”, acrescentou.
A cantora, que tinha uma voz rouca incomparável e uma carreira musical de sucesso de sete décadas, alcançou fama nacional na década de 1960 quando também conheceu o jogador de futebol Manuel Francisco dos Santos, conhecido mundialmente pelo apelido de “Garrincha”, com quem viveu um relacionamento apaixonado e conturbado por quase duas décadas.
“Ela ia fazer 70 anos de carreira e só nos últimos seis atingiu o ápice que merecia”, disse Loureiro.
Apenas dois dias antes de sua morte, a Elza Soares concluiu a gravação de seu último DVD, no palco do Theatro Municipal de São Paulo, e, em dezembro, gravou seu último álbum de estúdio, que será lançado em alguns meses com cinco músicas inéditas.
Para Vanessa Soares, primeira neta de Elza Soares e com quem ela morava, afirmou que além da arte, o maior legado deixado pela cantora foi uma herança de “mulheres fortes”.
A “família é composta de mulheres fortes e minha avó me ensinou isso”, disse ela.
“Ela deixou muitas lembranças e vai deixar um legado extenso, porque essa mulher lutou muito para chegar onde chegou”, acrescentou Maria Eduarda, bisneta da artista.
Após a notícia de sua morte no dia anterior, o Brasil ficou de luto e dezenas de artistas, escritores e figuras públicas prestaram homenagem a Elza Soares, incluindo Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Alcione, Zeca Pagodinho, o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes, que esteve no velório, e dezenas de outros artistas e personalidades brasileiras que não esconderam sua admiração pela mulher considerada a ‘Voz do Milénio’.
Uma das maiores cantoras da música brasileira, Elza Soares começou a sua carreira no samba na década de 1950, lançou mais de 30 álbuns, em que além do género mais popular da cultura brasileira, também cantou outros ritmos como jazz, hip hop, e até mesmo música eletrónica.
O último disco de Elza Soares chamado “Planeta Fome” foi lançado em 2019.
Com uma discografia ampla e diversificada, Elza Soares foi eleita a voz do século pela BBC britânica em 1999.
Em 2015, a cantora experimentou um grande sucesso com o álbum “A mulher do fim do mundo” que foi aclamado pela crítica e recebeu vários prémios, entre eles o Grammy Latino e o Prémio da Música Brasileira.
Também em 2016 o jornal norte-americano The New York Times elegeu “A mulher do fim do mundo” como um dos dez melhores do ano, numa lista que inclui nomes como Beyoncé e David Bowie.
Em 2019, Elza Soares esteve em Portugal onde lançou uma biografia e apresentou o disco “Deus é Mulher” (2018).
Entrevistada pela Lusa na Livraria da Travessa, em Lisboa, onde apresentou a sua biografia, escrita pelo jornalista Zeca Camargo, Elza Soares assumiu-se “totalmente” feminista, o que, para ela, significa “ter coragem de gritar que se é mulher”.
Sobre a biografia de “sacrifício e coragem” que Zeca Camargo escreveu — “Elza” –, Elza Soares dizoa que “conta a história de uma vida que não era para dar certo” — mulher, negra, pobre -, mas que deu. “A vida depende de como ela é vivida”, resume, como se fosse simples.
Sobre “Deus é Mulher”, no qual volta a rodear-se de músicos da nova música brasileira, Elza Soares mostrou de novo uma voz ativa e ativista sobre direitos humanos, minorias, liberdade sexual, vítimas de violência.
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