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Introdução

São poucas as datas tão divisivas, geradoras de acalora- das discussões e tão envoltas em mistério como a de 25 de Novembro de 1975. A história do evento, que é muito mais do que um único dia, não é breve. Tão pouco é simples de contar. E em Portugal, sobretudo no seu período contemporâneo, muitos veem-no como a vitória da direita política, que se arreiga ao dia, tentando dar-lhe valor similar à Revolução dos Cravos e considerando-o o momento da consolidação final da democracia no país; outros como um sinal da maturidade da esquerda, em particular dos comunistas, que, no final das contas, poderão ter evitado a guerra civil; e no final, parece evidente, venceram os moderados da esquerda democrática, que ficaram a governar o país. Evidente é também que o dia assinalou o fim do Processo Revolucionário em Curso, o chamado PREC, algo que uns veem como decisivo para a instalação de um regime democrático em Portugal e que outros olham de soslaio, como o fim de um sonho. “Quando a nossa festa se estragou / E o mês de Novembro se vingou / Eu olhei para ti / E então eu entendi / Foi um sonho lindo que acabou / Houve aqui alguém que se enganou”, canta José Mário Branco, em Eu vim de longe, eu vou para longe.

Há, ainda hoje, muitas perguntas que se colocam quando se tenta perceber o que aconteceu no 25 de Novembro. Terá sido uma tentativa falhada de golpe de Estado pelo PCP? Ou terão sido as forças da extrema-esquerda a avançar para a ocupação dos quartéis, onde tiveram origem as mais importantes e decisivas movimentações daquele dia? E terá havido uma traição? De quem e com que objetivo? Ou, antes, será que se assistiu a uma ardilosa cilada montada pelas forças moderadas, apenas à espera da melhor oportunidade para assumirem o poder? Terá a direita, afastada do poder desde abril do ano anterior, alcançado os seus objetivos? E até onde estavam os lados em confronto dispostos a ir? A que distância esteve o país de uma guerra civil?

Filipe Garcia junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 27 de novembro, uma quinta-feirapelas 21h00. Consigo traz "Breve História do 25 de Novembro", o seu mais recente livro, publicado pela Ideias de Ler.

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A história do 25 de Novembro começa 19 meses antes, na madrugada de 25 de Abril de 1974. Uma história sobre a qual muitos carregam convicções, mas cujo enredo poucos conhecem. Uma história a que muitos assistiram ao vivo, mas que se deixou quase desconhecida para as gerações que se lhes seguiram. Passados 50 anos, a data ainda faz o sangue ferver, de tal forma que a sua celebração foi antecipada um ano – em 2024 assinalou-se o seu 49.° aniversário, num parlamento maioritariamente de direita e com uma cerimónia a que faltaram os grupos parlamentares do PCP, onde o Bloco de Esquerda se fez representar por uma única deputada; mas, mais do que isso, numa sessão a que faltaram três dos indiscutíveis vencedores do dia: o general Pedro de Pezarat Correia, o coronel Rodrigo Sousa e Castro e o tenente-coronel Vasco Lourenço. “A história não pode ser deturpada”, disse então o presidente da Associação 25 de Abril para justificar a ausência da celebração, que à esquerda foi vista como forma de menorizar a data da verdadeira revolução, a que 50 anos antes abrira caminho à democracia em Portugal.

Mas se 1974 foi o ano da liberdade, o que se lhe seguiu foi de fogo. Houve levantamentos de quartéis, assistiu-se a duas tentativas de golpe de Estado pela direita, nacionalizaram-se terras, bancos, seguradoras, proibiram-se jornais, bombardearam-se rádios e invadiram-se embaixadas. 1975 foi o ano em que trabalhadores da construção civil cercaram a Assembleia, com deputados e Governo no seu interior, o ano em que militares bombardearam quartéis de camaradas de armas, em que se ocuparam quartéis durante dias, em assumido desrespeito pelas ordens da hierarquia militar. E tudo antes do mais famoso dos seus dias.

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Foram várias as entrevistas a protagonistas de todas as alas que realizei para a construção deste livro, já depois de o ter feito para uma reportagem que acabaria na capa da Revista E do Expresso, em novembro de 2022 – “As linhas cruzadas do 25 de Novembro, o dia em que a revolução acabou”. Foram ainda mais, muitos mais, os livros consulta- dos, as entrevistas lidas, recentes ou históricas, os arquivos visitados e as atas analisadas. Fiz ensaios para a construção de uma narrativa que queria fácil de ler e que, simultaneamente, mostrasse, com rigor jornalístico, como o 25 de Novembro foi o culminar de meses de inédita agitação política, militar e social no país.

Assim, este trabalho começa com dois testemunhos inéditos e contados na primeira pessoa e que trazem revelações até hoje desconhecidas. Os nomes das testemunhas com quem falei foram protegidos, por vontade dos próprios, com nomes fictícios, mas ambas revelam muito do que se viveu naquele final de novembro. A primeira dá-nos a conhecer que eram muitas as armas nas mãos dos socialistas moderados, mas prontos para o que fosse preciso – a prova disso são as 50 metralhadoras que, alegadamente, ainda hoje continuam enterradas. O segundo relato revela que, em Lisboa, também existia um grupo armado do PCP, composto por ex-militares e pronto para tudo – até para ser chamado a com- bater, não num qualquer ataque, mas antes para defender a sede do partido na noite de 25 de novembro de 1975.

Depois, tentando mostrar como, indiferente às estações do ano, a temperatura foi sempre escalando, apresentam-se as fações: primeiro a que acabaria por vencer, composta pelos militares moderados e pela esquerda democrática, designada pelo “grupo dos Nove”; depois a direita, de orgulho ferido pelos dois golpes de Estado falhados, a 28 de setembro de 1974 e a 11 de março de 1975; e a esquerda, desde o PCP até à mais radical, perdida entre os anseios do poder absoluto e o romantismo do poder popular, incapaz de qualquer entendimento ou plano conjunto. E chegamos ao outono, que seria bem mais quente do que o verão, e à vertiginosa sucessão de eventos que haveria de culminar na rendição dos militares mais radicais no Palácio de Belém e num mortífero tiroteio na Ajuda.

QUEM GANHOU?

Mais ou menos extremados, da esquerda à direita, a história de 1975 fez-se de “armas e coração”, expressão usada pelo general Carlos Fabião, no célebre juramento militar no RALIS, então um dos bastiões da esquerda mais extremada. Como nunca, nos meses que se seguiram à revolução de Abril, o país dividira-se e não apenas entre esquerda e direita ou entre defensores e opositores do velho regime.

À esquerda, coabitavam os moderados vencedores das primeiras eleições pós-25 de Abril, a influente fação do PCP e os radicais aquartelados, defensores do poder popular acima de qualquer outro. Do outro lado, resistia a direita acicatada, pelo temor das políticas de extrema-esquerda, da reforma agrária às nacionalizações, e com o forte apoio dos viúvos do velho regime, fossem meros retornados, ex-PIDE ou endinheirados empresários, e ainda a fação mais conservadora da Igreja Católica. Entre Abril de 74 e Novembro de 75, foram muitos os momentos em que, recorrendo a outra tirada famosa, esta do conselheiro da revolução José Canto e Castro, o país se assemelhou a “um manicómio em autogestão” no qual a guerra civil chegou a parecer inevitável. Trocaram-se agressões, lançaram-se rivais políticos ao rio, invadiram-se e bombardearam-se sedes de partidos, mas nunca o pior cenário se confirmou. Por pouco, como poderá ler mais à frente. Talvez apenas só por sorte ou pelo feito de um povo famoso pelos seus brandos costumes.

Livro: "Breve História do 25 de Novembro"

Autor: Filipe Garcia

Editora: Ideias de Ler

Data de lançamento: outubro de 2025

Preço: € 18,85

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A história podia mesmo ter sido outra. E se dificilmente algum dia saberemos a totalidade dos assaltos ao poder que por aqueles meses se planearam, sobre o 25 de Novembro aqui fica a (ou uma) história possível. É a história de como radicais de um lado saltaram para quartéis alheios, de como à boleia das vencedoras forças da esquerda moderada a direita reclamou por sangue e de como tudo serenou, sem mais tiros, sem que o PCP fosse ilegalizado, com eleições marcadas e uma Constituição aprovada para “assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista”.

A CHAMADA

Apesar de pouco convencido e por sugestão de oficiais da Força Aérea, Otelo terá dado luz verde à saída dos paraquedistas para sessões de esclarecimento nas outras bases. Depois foi para casa dormir. Nas horas que decidiram o PREC, a maior das ameaças esteve incontactável.

Foi já com militares em movimento que, no SDCI (Serviço Diretor e Coordenação da Informação), na Rua Castilho, em Lisboa, Luís Pessoa, chefe de gabinete do conselheiro da revolução Carlos Almada Contreiras, capitão miliciano e militante do PCP, atendeu uma tão discreta quanto histórica chamada – um momento revelado pelo próprio por escrito, anos mais tarde, a Vasco Lourenço. Do outro lado da linha estaria Jaime Serra, destacado dirigente comunista e responsável máximo pelo braço mais musculado do partido, o setor militar. Tinha chegado a hora de avançar. Mesmo sem saber para quem ligava, apenas na posse de um número, de uma senha e da respetiva contrassenha, cumpriu a ordem recebida, colocando nas ruas todas as células do PCP. Pouco faltaria para as cinco da madrugada de 25 de novembro.

Uma hora depois, já tropas do RALIS se espalhavam entre os acessos à autoestrada do Norte, o aeroporto e o DGMG, em Beirolas. Quase em simultâneo, da Escola Prática de Administração Militar saem homens para ocuparem as instalações da RTP e as portagens da autoestrada do Norte. De seguida, cerca de 65 paraquedistas do Lumiar ocupam o quartel em Monsanto, o GDACI (Grupo de Deteção, Alerta e Conduta de Interceção) e o comando da 1.a Região Aérea, onde o general Pinho Freire é o primeiro e mais sonante preso.

Segundo o “Relatório do 25 de Novembro”, resultado da investigação coordenada pelo capitão Marques Júnior nos meses seguintes, os paraquedistas contaram com o apoio de diversos militares da base de Monsanto, e não só anunciariam que ali estavam porque “o General Otelo os tinha mandado, devido à nomeação do capitão Vasco Lourenço” como avisaram ao que iam: “era indispensável demitir o CEMFA e o general-comandante da 1.ª Região Aérea.” A essa hora, em Tancos, também a Base Aérea n.º 3 era ocupada. Pouco depois, caiam as bases de Monte Real e Montijo. E o alarme soou em Belém, mas também nas ruas.

A Monsanto rapidamente chegaram reforços civis liga- dos ao setor da construção civil, oferecendo ajuda e cercando a unidade, em proteção dos ocupantes. De acordo com o mesmo relatório, ao local ainda ocorreram dois elementos “que se diziam membros da LUAR”, para oferecerem o apoio de dois mil homens em troca de armamento. No entanto, no Palácio de Belém a convocatória não fora menos lesta e, pelas nove da manhã, já Costa Gomes começara uma reunião de emergência, juntando o Conselho da Revolução e as principais chefias militares, umas alinhadas, outras convocadas por suspeitas de envolvimento na rebelião.

Levantaram-se barricadas na Ajuda. Populares formaram escudos humanos, cercando o RALIS e o Forte de Almada, e exigiram insistentemente armas para defenderem a revolução. E todos, do interior ao exterior dos quartéis, aguardavam por ordens, sinal de um plano que lhes indicasse o passo seguinte.

O PALÁCIO ASSUME O CONTROLO

Entre trincheiras, os momentos não podiam ser mais distintos. Na Base Aérea N.º 6, no Montijo, onde se encontrava a companhia de caçadores paraquedistas, à ocupação e subsequentes prisões de alguns oficiais feitas ainda de madrugada, segue-se uma votação sobre de que lado, afinal, colocar o quartel. Num processo que só termina perto das 13:00, entre os 58 oficiais, apenas quatro votam a favor da ocupação; porém, entre a tropa mais rasa a balança pende para o outro lado, com 188 sargentos e 70 praças a manifestarem-se a favor. Registando-se um verdadeiro impasse, pelas 17:00 decidiram-se a abrir as portas, podendo os militares abandonar o quartel se assim o desejassem. Segundo o citado relatório, apenas um saiu. E em Tancos o cenário não diferia muito. Pelas 11:00, promoviam-se plenários para discutir a possibilidade de armar civis e organizavam-se sessões de esclarecimento aos praças.

Na trincheira oposta, em Belém, já há mais de uma hora que os Nove haviam apresentado o seu plano. Costa Gomes, que até então desconhecia qualquer plano militar orquestrado pelo grupo, fora apanhado de surpresa. Afinal, estava tudo pronto e agora era o tenente-coronel Ramalho Eanes, nos Comandos da Amadora, quem esperava a sua luz verde. O Presidente, contudo, resistiria.

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