Comecemos pelo "rock". Na célebre música dos anos 80, os "Clash" perguntavam se deviam ficar ou deviam partir. E asseguravam que, se partissem, isso iria trazer problemas; mas se ficassem, eles apareceriam em dobro. Ao indeciso "should I stay or should I go" respondem, quase sem querer, os "Jets". "Para que te mostre o que tenho, preciso de saber de que é que necessitas". E concluem: "So put ya money where ya mouth is". A expressão idiomática inglesa, que serviu de tópico ao único grande êxito comercial desta banda australiana, quer dizer o seguinte: "arrisca o teu dinheiro naquilo em que acreditas; faz, em vez de só conversares".

É assim que os "Jets" resolvem a questão lançada na primeira estrofe do tema. Aí, interrogam-se sobre se estão no paraíso ou no inferno. E decidem que é com a crença e com o risco - que se demonstra pelo investimento financeiro, ou seja, a aposta naquilo em que se acredita – que se resolve o dilema.

A ideia parece estar a ser seguida pelos britânicos, no que diz respeito às apostas que têm vindo a efectuar nos últimos dias. No Reino Unido tudo serve para apostar, seja o desporto ou a política, passando pelo nome do primeiro filho de William e Kate, qual é a probabilidade de nos encontrarmos com um extra-terrestre ou adivinhar quando será o fim do mundo. Neste último caso, os "brokers" estão indecisos sobre que chances hão-de dar aos apostadores. E isto por uma questão ética - quem quer que ganhasse não seria ressarcido da sua aposta…

Mas enquanto as sondagens se revelam inconclusivas na definição de um vencedor claro no referendo britânico sobre a continuidade na União Europeia, as casas de apostas não têm dúvidas. O "stay" (fica) vai ganhar. Na "SkyBet" pagava-se ontem 2,25 libras por cada uma se a aposta fosse "leave" (saír), enquanto com a vitória do "stay" o apostador só ganha quatro em cada 11 moedas que arrisque. Na "Paddy Power", o "exiting" paga seis para um, enquanto o "remain" não vai além de um em cada dez. Entretanto, na sondagem ontem divulgada pelo "Financial Times", que faz uma média de todas as mais recentes publicadas, o "sim" à saída ficava ligeiramente acima do "não" – uns 45% contra 44%.

O "Daily Telegraph" sustentava, esta manhã, que o referendo britânico à continuidade na UE – popularmente conhecido por "Brexit" – era já o maior acontecimento das casas de apostas da história do Reino Unido, batendo o anterior recorde da eleição do Presidente dos EUA, em 2012. Só na "BetFair" entraram mais de 60 milhões de libras (cerca de 78 milhões de euros), quando no caso da eleição de Obama esse montante ascendeu a 40 milhões (52 milhões de euros). A casa londrina, como a maior parte das suas concorrentes, está a apostar num 3 contra 1 a favor do "fica", que se traduz em percentagens a rondar os 75/78% de apostas na manutenção da união com a Europa. "LadBroker", "William Hall" – todos os quadros visitados vão no mesmo sentido.

A credibilidade das casas de apostas foi reforçada nas eleições legislativas de 2014. Enquanto as sondagens davam uma luta renhida entre os partidos Conservador e Trabalhista, os jogadores não tiveram dúvidas em dar a maioria aos "Tories", numa percentagem de 80% para 20%. E a verdade é que o partido liderado por David Cameron ganhou mesmo com maioria absoluta. Já no referendo para a independência da Escócia ocorreu uma situação idêntica, com os apostadores a acertarem na manutenção da união com a Inglaterra, perante sondagens inconclusivas.

Recentemente, assiste-se em Inglaterra e em outros países a estudos académicos que pretendem encontrar a base científica para a razão por que os apostadores são mais certeiros do que os eleitores sondados. Há várias teorias, desde a ascensão de um grupo cada vez mais alargado de pessoas que mentem deliberadamente quando interrogadas sobre a sua preferência política - que seria uma forma de afirmação de rebeldia inorgânica cada vez mais acentuada – até àqueles que, mais prosaicamente, afirmam o tal ditado: "put your money where your mouth is". Como nas séries policiais, "follow the money" parece ser a chave para encontrar o criminoso ou, neste caso, o eleitor verdadeiro. Outra hipótese reconhece que há deficiências técnicas nos métodos de sondagem, nomeadamente naquelas que insistem em apurar a tendência através de chamadas telefónicas para aparelhos fixos, cada vez mais em desuso.

Interessante também é verificar qual o montante médio de aposta daqueles que querem ficar com a União e daqueles que querem sair. O "stay" vale 450 libras (585 euros) por cada boletim entregue, enquanto o "leave" se fica pelas 75 (97,5). No entanto – e é aqui que pode estar o pauzinho na engrenagem - algumas casas anunciaram que o número de apostadores na saída era em maior número que os que preferem continuar ligados ao Continente. Na verdade, embora o "stay" tenha mais apoiantes do lado conservador, a verdade é que a classe trabalhadora está em boa parte ligada ao "leave".

Os analistas têm dificuldades em compreender como é que os líderes de quatro dos cinco maiores partidos – o UKIP de Nigel Farage é a excepção - apoiam o "stay" e, no entanto, as sondagens continuam a ser inconclusivas. Alguns, no entanto, encontram já a resposta.

Muitos britânicos acreditam que a imposição de regras por parte da União Europeia, a par da imigração em massa, estão a mudar a face do país e a estragar a velha democracia; isto para além de porem em causa empregos e redes sociais de apoio. Segundo estatísticas hoje divulgadas pela imprensa londrina, mas que o Governo queria guardar até depois do referendo, estima-se que, só no ano passado, a população da Grã-Bretanha tenha crescido em mais 513 mil pessoas, dos quais 335 mil imigrantes directos; cerca de 170 mil dos quais sem trabalho garantido.

Já para John Harris, colunista do "The Guardian", a culpa é do neo-liberalismo, que tornou precários muitos dos novos empregos. Uma análise difícil de sustentar, se acreditarmos que nas gerações mais novas – onde a precariedade é mais visível – o voto pelo "stay" é mais consistente.

Talvez o divórcio entre governados e governantes, a não compreensão dos novos anseios das populações, entaladas entre padrões de vida mais apertados e uma abertura de mercados que lhes trouxe poucos benefícios directos - ao contrário da banca e do mercado financeiro em geral, que perderá bastante com a saída do Reino Unido – os leve a pensar que mais vale a pena sair. Para lá de todo o populismo e agressividade deste processo referendário - que levou até ao praticamente inédito assassinato de uma deputada, a trabalhista pelo "stay" Joe Cox -, mais consistente será pensar que quem ataca as nações dificilmente poderá pretender governar povos.

Mas o dinheiro poderá falar mais alto. Várias previsões apontam para perdas significativas do produto interno bruto (PIB) britânico com a saída da União Europeia. Já foi isso que impulsionou os escoceses a ficarem unidos à Inglaterra, e poderá ser suficiente para que tudo fique na mesma quando, lá para as quatro da madrugada, os resultados se tornarem mais conclusivos. É que, ao contrário da canção dos "Clash", o "stay" não resolve nada; mas o "leave' piora tudo.