Para a maioria dos cidadãos, contudo, apesar da medida ser quase inédita (por agora, apenas o Uruguai tem legislação idêntica, relativa ao consumo de canábis para fins recreativos), nada será muito diferente a partir de quarta-feira: o Canadá tem vindo a fazer, desde 1972, um longo trajeto em direção à descriminalização da posse de canábis; em 2000 o Supremo Tribunal já tinha permitido o consumo para fins medicinais; e o processo de regulamentação da nova lei promete ser moroso e obrigará ainda a muitas clarificações.
O Governo federal vai permitir legislação específica para cada Província: cada governo provincial pode definir a idade mínima para a sua compra (sempre a partir dos 18 anos, podendo ir aos 19 anos, que é a idade mínima para o consumo de álcool), bem como se o canábis pode ser comprado em lojas privadas, ou apenas em estabelecimentos geridos pelo Estado.
Seja como for, com a legislação aprovada na quarta-feira, os residentes no Canadá poderão comprar canábis pela Internet, através de portais administrados pelas autoridades de cada Província - um recurso útil para consumidores de cidades onde possam existir maiores restrições à sua venda.
De acordo com a agência Associated Press, a maioria das províncias terá pelo menos algumas lojas abertas já na próxima quarta-feira: seja as 20 em New Brunswick ou uma única loja na Colúmbia Britânica.
Em termos económicos, a legislação terá visível impacto, com o negócio a gerar entre 750 milhões a mil milhões de euros anuais, sem contar com as inevitáveis receitas do mercado negro, segundo contas do Governo federal citadas pela agência France Presse.
Os empresários mostram-se otimistas quanto ao negócio que se abrirá com a nova lei.
“Cada grama produzida será vendida”, afirmou ao The Economist Chuck Rifici, presidente da Auxly, uma das empresas que se dedicará à comercialização de canábis.
A nova lei estabelece um limite de 30 gramas para aquilo que as pessoas podem comprar de uma só vez ou possuir em público, e permitirá que os moradores cultivem até quatro plantas em casa, embora duas províncias - Quebeque e Manitoba - tenham anunciado que optarão por proibir a produção doméstica.
Uma preocupação aliada à nova lei prende-se com a segurança nas fronteiras, onde ao longo dos últimos 12 meses as autoridades têm tomado medidas de precaução sobre o controlo de tráfico.
Em declarações à estação pública de radiotelevisão, CBC, o ministro da Segurança Fronteiriça do Canadá, Bill Blair, garantiu que 880 polícias foram treinados para detetar condutores sob efeito de canábis.
Outra preocupação vem da comunidade médica, com o Jornal da Associação Médica do Canadá a denunciar, na segunda-feira, que a legalização de canábis para fins recreativos é “uma experiência descontrolada”.
“A 17 de outubro, o governo do Canadá lançará uma experiência descontrolada, opondo os lucros dos produtores de canábis e as receitas fiscais, de um lado, e a saúde dos canadenses, do outro”, escreveu a diretora do Jornal, Diane Kelsall, em editorial.
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, reconhece que esta medida já está a ser alvo de grande atenção pela comunidade internacional, tendo afirmado à France Presse que responsáveis de outros países lhe têm transmitido a ideia de que esta é uma lei arrojada.
Em Portugal, o ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, chegou a defender, em junho passado, que a utilização da canábis para outros fins sem ser terapêuticos é uma questão que “carece de ponderação” e de avaliação de experiências em curso noutros países.
A Lusa questionou o Ministério da Saúde sobre se e que tipo de acompanhamento será feito ao caso da nova legislação no Canadá, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.
O Presidente da República promulgou a 10 de julho a utilização de canábis, mas apenas com fins medicinais, que a Assembleia da República tinha aprovado em junho.
A utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis foi aprovada pela Assembleia da República em 15 de junho na votação final global de um texto da comissão parlamentar de saúde originado por projetos de lei do Bloco de Esquerda e do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN).
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