O Canadá assinala este ano os 150 anos da proclamação da independência e as suas missões diplomáticas em todo o mundo estão a preparar uma série de eventos culturais.

Portugal não é exceção e a instalação daquele trabalho — entre uma série de acontecimentos culturais previstos para decorrer ao longo do ano – seria o melhor corolário do exemplo da relação que une os dois países, de acordo com o embaixador canadiano em Lisboa, Jeffrey Marder.

“Queremos aproveitar este aniversário para marcar a presença canadiana em Portugal continental e nos Açores e celebrar com os portugueses esse momento importante” do nascimento de um país, cujo “crescimento assenta desde a sua origem na diversidade”, começou por sublinhar Marder.

“Somos um produto da mistura, da diversidade, temos duas línguas oficiais, o inglês e o francês, e uma série de línguas indígenas, para além de que, ao longo dos 150 anos do estabelecimento do Canadá como país, crescemos através da imigração, o que criou um Canadá ainda mais diverso, povoado por pessoas dos quatro cantos do mundo”, afirmou.

“Vemos na diversidade uma força e também uma riqueza económica”, disse ainda Jeffrey Marder, antes de reconhecer que, não obstante, a relação entre o Estado canadiano e os seus povos ou populações nem sempre foi exemplar, sobretudo no que diz respeito às nações indígenas.

“Temos muito orgulho na nossa história, mas temos que admitir que houve episódios no passado que não foram bons. A relação com os povos indígenas não foi sempre muito positiva. Originalmente, não eram tratados como cidadãos com direito de voto, etc. A reconciliação entre o Governo do Canadá e os povos indígenas, que também são canadianos, é muito importante para reconhecer os erros do passado e procurar maneiras de crescer cultural, politica e economicamente juntos, como canadianos diversos”, rematou Marder.

Neste contexto, a história de Joe Silvey – ou do açoriano José ou João Silva – oferece um exemplo raro de boa convivência, de integração, da miscigenação entre os povos autóctones, hoje canadianos, e os colonos que começaram a chegar em força ao país na segunda metade do século 19.

Luke Marston é autor de uma instalação em bronze com cinco metros de altura, exposta no Parque Stanley, em Vancouver, desde abril de 2015, que conta a história de Silvey, seu tetra-avô, e da sua família, exemplo notável de um “casamento” raro entre duas culturas, sem domínio nem segregação, que hoje serve de exemplo à política de “reconciliação” promovida pelo Governo canadiano.

“Shore to Shore” — Costa a Costa — é o nome da instalação, financiada com contribuições governamentais, canadianas e portuguesas, dos Povos das Primeiras Nações indígenas, e da família de Silvey, através do próprio Luke Marston, um projeto entretanto continuado com publicação de um livro e a realização de documentário, que ainda não foi estreado.

Marston esteve esta semana em Portugal para, em parceria com a embaixada canadiana na capital portuguesa, tentar reunir vontades institucionais e patrocinadores que resultem na criação e instalação em Lisboa de um novo capítulo dessa “história”.

“Será uma escultura com cerca de dois metros de altura, de bronze, teremos que encontrar o local na cidade onde faça sentido que fique”, disse o escultor à Lusa, ressalvando, porém, que “há ainda muito para discutir: protocolos, patrocínios e acordos”.

“Não sei se irá por diante, não sei o que irá acontecer”, acrescentou.

Mas, se acontecer, adiantou, é provável que integre a representação da pesca do bacalhau — que aproximou durante séculos portugueses e canadianos –, eventualmente sob a forma de lobos e baleias assassinas, que na mitologia Salish, que povoa o imaginário de Luke Marston, “são o mesmo ser”, símbolo xamânico e essência da ideia de “família”, central no trabalho do artista.

“Quando penso em família e no oceano, penso sempre no lobo e na orca. Ambos viajam em grupo, em família. Na nossa cultura acreditamos que a entidade do lobo e da orca é a mesma. São o mesmo ser. Viajam, caçam quando estão em terra e se a família desce das montanhas para a água transformam-se em orcas e caçam na água. Ocorre-me essa mitologia”, diz Marston.